Fundamentação Teórica - TTC Jornalismo
Por: Jose.Nascimento • 1/3/2018 • 6.720 Palavras (27 Páginas) • 351 Visualizações
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Já o samba de São Paulo apareceu no contexto de desenvolvimento do Sudeste como o principal polo comercial brasileiro. Ainda segundo Mestrinel (2009), tudo aconteceu tardiamente porque, em São Paulo, a cultura europeia foi difundida num ritmo menor do que no Rio de Janeiro.
A formação do samba paulistano tem como base fundamental as festas de caráter religioso-profano. Geraldo Filme, em depoimento para o documentário São Paulo à Paulista – fragmentos de uma história esquecida (2006), comenta sobre a diferenciação do samba em São Paulo e no Rio de Janeiro.
O nosso samba não tem nada a ver com o samba do Rio, é tão diferente em tudo, nos tipos de manifestação da gente, no andamento. O nosso vem mesmo daqueles batuques, daquelas festas que eram dadas aos escravos quando tinham boas colheitas de café (MELLO, 2006, min. 12’50”).
Os batuques acabaram se tornando parte fundamental dos festejos, como na festa de Bom Jesus de Pirapora, em Pirapora do Bom Jesus. O município de Pirapora do Bom Jesus é uma parte fundamental dos fenômenos de migração do gênero musical e foi decisivo para caracterizar o samba de São Paulo. Tudo isso porque a cidade realizava seus festejos religiosos e as famílias dos fazendeiros vinham de diversos municípios da região para participar das rezas, trazendo consigo seus escravos. Enquanto o Senhorio rezava, os escravos juntavam-se para fazer batuques à distância[1].
Após a abolição da escravatura, os ex-escravos e seus descendentes continuaram a frequentar Pirapora, durante as Romarias e datas festivas. No começo do século XX, foram construídos barracões para abrigar os romeiros que não tinham onde se hospedar. Os negros ficavam nesses barracões e, ali mesmo, faziam sua música. Muito embora o samba recebesse diversas denominações, segundo Olga von Simson, em seu artigo Carnaval em branco e negro, carnaval popular paulistano: 1914-1988 (2007), o povo o chamava simplesmente de batuque.
Ao descobrirem sobre as reuniões para a prática dos batuques, os padres decretaram a demolição dos balcões, que foram considerados o antro das festividades profanas. Foi dessa forma que os festejos de Pirapora do Bom Jesus viriam a influenciar o samba paulista, de uma forma geral, porque a partir daí a música espalhou-se por todos os lugares, atingindo um número maior de pessoas[2].
Os primeiros líderes de grupos carnavalescos da cidade, ao frequentarem as festas, absorveram elementos musicais e coreografias que seriam manifestados futuramente no carnaval popular paulistano. Por sua vez, o carnaval popular foi o ponto de partida para o surgimento de agremiações carnavalescas na capital (MESTRINEL, 2009, p. 03).
Entre os líderes sambistas criadores dos cordões, destacam-se duas influências culturais determinantes, identificadas por Olga von Simson:
- As festas de caráter religioso-profano como congada, Moçambique e samba de Pirapora, vivenciadas geralmente fora da capital (principalmente Capivari, Tietê e Piracicaba), além das festas realizadas pela comunidade negra na periferia da cidade de São Paulo, como a de Treze de Maio, São Benedito e Santa Cruz.
- Elementos contemporâneos e cosmopolitas, folguedos locais, mineiros ou cariocas, cinema, teatro de revista, bandas musicais civis e militares (SIMSON, 2007, p. 115 e 116).
No samba rural, a forma poética é imposta pelo ritmo musical, e essa é uma característica marcante que define o estilo. Mário de Andrade afirma:
Não se trata propriamente de poesia, mas de música. A música domina soberana. Como porém o instrumento (...) é a voz humana, a palavra se ajunta necessariamente, não à música, mas à voz humana, e a melodia é preenchida com palavras e sempre com palavras necessárias (ANDRADE, 1965, p. 205).
Na cidade, as pessoas se encontravam nos bares e produziam um tipo de música cuja principal característica continuava a ser o improviso, contudo, agora, aliada aos instrumentos de percussão. Era possível encontrar a famosa batucada do samba no centro de São Paulo na década de 40. Uma multidão de engraxates se reunia nas praças da Sé, João Mendes, República, Patriarca e Clóvis Beviláquia, além da Prainha – trecho de calçada larga da Avenida São João –, no intervalo entre serviços, e criava um ritmo legítimo e divertido, que sobrevive apenas nas mãos e vozes de poucos, atualmente. Pelo fato de trabalharem nas ruas, os jovens que partilhavam da cultura mestiça que originou o samba desenvolveram gosto pelo batuque a partir do próprio trabalho, uma vez que a atividade de engraxate possui muita sonoridade musical, com seus movimentos ritmados e repetitivos. Usavam seus próprios instrumentos de trabalho para reproduzir o samba, o que tornava simples os acessórios antes considerados luxuosos, como o pandeiro ou surdo. O estilo dos engraxates atraía todos ao seu redor, desde os bêbados aos malandros famosos da cidade (CUÍCA, DOMINGUES, 2009, p. 91-94).
Além da reunião de engraxates, havia outro encontro diário de sambistas, na cidade, realizado no “Trenzinho da Cantareira”, em vagões que sairiam às 18h45 e às 19h15. Formado por trabalhadores braçais do Mercadão, engraxates e batedores de carteira, o grupo de batuqueiros era mais numeroso nas estações do Tucuruvi e do Jaçanã, última da linha. Muitas vezes, o encontro se estendia além dos trilhos de trem e continuava em algum boteco da região, até que cada um seguisse o seu caminho (CUÍCA, DOMINGUES, 2009, p. 98-99).
Os instrumentistas eram, em geral, do sexo masculino. Eles cantavam suas rimas num diálogo que sustentava o solfejo: o solista propunha um verso simples e o coro respondia para ele, criando um ciclo de pergunta e resposta que formava a estrutura da música (ANDRADE, 1965, p. 149-150).
Em meados da década de 40, a população paulista era de aproximadamente um milhão de habitantes, sendo quase a metade de origem ou descendência italiana. O espaço urbano vai se ampliando e definindo. O centro histórico, que dispõe de razoável infraestrutura, mantém-se como núcleo econômico, social e político de São Paulo (POLINCIANO, 2000, p. 23). Conforme Diniz (2006) escreveu, nesse período pós-Revolução de 1930, os meios de comunicação de massa – principalmente o rádio – ganham força, promovendo a manifestação da música e a expansão do gênero entre os demais estados brasileiros.
O Estado implantado no Brasil após a Revolução de 1930 soube aproveitar a pegada popular do samba e, com incentivos ao carnaval das escolas e utilização da recém inaugurada radiodifusão, ajudou a expandir o gênero nacionalmente.
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