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TRÂNSITO RELIGIOSO: REFLEXÃO ACERCA DO CONTATO ENTRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-AMERÍNDIAS NA PARAÍBA

Por:   •  13/9/2018  •  4.107 Palavras (17 Páginas)  •  339 Visualizações

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Podemos identificar a presença de ditos feiticeiros na Paraíba durante o século XVIII. De acordo com Luiz Mott, em suas pesquisas realizadas com os Cadernos do Promotor da Inquisição de Lisboa sobre os processos inquisitoriais na Paraíba, foram registrados três casos de feitiçaria. Desses casos, dois eram protagonizados por índios e um remete ao angolano, de aproximadamente 50 anos de idade, chamado de Damião. Nesses processos também se faz referência a um quarto feiticeiro, originário do Congo “o qual era acostumado a usar certos pós de cor preta, amarela e vermelha, que soprando-os sobre uma pessoa, garantia o mandingueiro que o infeliz logo morria” (MOTT, 1999, p. 91). Apesar de não encontrar maiores registros sobre os ditos feiticeiros africanos, pode-se perceber a presença destes no Estado da Paraíba.

O catolicismo também contribuiu para a formação do Catimbó-Jurema, essa influência é visível nos rituais, com a presença dos santos e das rezas católicas. Sendo assim, o Catimbó-Jurema é originado a partir das crenças religiosas indígenas, no entanto, com forte influência da religiosidade europeia e negra. Como bem disse Câmara Cascudo,

O catimbó é o melhor, é o mais nítido dos exemplos desses processos de convergência afro-branco-ameríndia. As três águas descem para a vertente comum, reconhecíveis mas inseparáveis em sua corrida para o mar (CASCUDO, 1978, p.21).

O Catimbó-Jurema é uma prática religiosa com concepções e representações em torno da planta também denominada de Jurema[6]. Os ritos normalmente envolvem o consumo da bebida elaborada a partir dessa planta[7], no fumo do cachimbo, na defumação[8] e na incorporação de entidades, como mestres/as e caboclos/as[9], que além de serem cultuados, vem também para “trabalhar” auxiliando as pessoas em seus mais diversos males da alma e do corpo. No dizer de Gonçalves Fernandes, ainda nos anos 30, “eles fornecem rezas para os fins mais diversos que possa imaginar” (FERNANDES, 1938, p.107).

A espiritualidade da planta da jurema é justificada na mitologia religiosa. De acordo com as pesquisas realizadas por Bastide (2011), a planta tornou-se sagrada quando a virgem Maria escondeu Jesus debaixo de um pé de jurema, durante sua fuga para o Egito, contra a perseguição de Herodes, fazendo com que os soldados romanos não o vissem. O contato da planta com Jesus a transformou em planta sagrada, sendo, esta, possuidora de uma força espiritual. Este mito é narrado até hoje nas toadas dos juremeiros durante os rituais:

A jurema é pau santo

Onde Jesus descansô

Sô mestre em toda linha,

Sô mestre curadô.

Quando Deus andô no mundo

Na jurema descanso.

O segredo da jurema

Quem me deu foi o Sinhô.

Os galinho da jurema

Sua sombrinha formô.

Que cobriu a Jesus Cristo

Que era nosso Sinhô[10]

A mitologia religiosa narra também a existência das sete cidades da Jurema, constituindo estas em um reino sagrado da Jurema. De acordo com Guimarães existem sete cidades: Jurema, Vajucá, Junça, Angico, Aroeira, Manacá e Catucá. Por cidades da Jurema também se entende uma conotação física, um espaço sagrado com um ou mais pés de jurema, em que são cultuados os mestres e mestras, cada mestre/a possui uma jurema, ou seja, sua cidade. De acordo com os relatos coletados por Salles, o mestre morre, para renascer na cidade (SALLES, 2004, p.109-112).

Os primeiros estudiosos, como Gonçalves Fernandes (1938), Câmara Cascudo (1978) e Roger Bastide (2011), afirmam que a Jurema, em toda sua conjuntura, é considerada de menor complexidade em comparação às outras religiosidades afrobrasileiras, dada à sua formação constituir-se a partir de um universo rústico, advindo de raízes indígenas e camponesas, sendo assim, considerada como uma degeneração do cristianismo ou um desdobramento de práticas mágicas. Tal perspectiva em relação à Jurema ocorria em relação a praticamente todas as manifestações religiosas de matrizes africanas que fossem diferentes do Candomblé jeje-nagô e era bastante comum entre os denominados autores pioneiros do campo de estudos afro, desde Nina Rodrigues, passando por Artur Ramos, Edson Carneiro, além dos já mencionados que dedicaram algumas poucas linhas ao Catimbó e a Jurema. É preciso lembrar o contexto em que esses trabalhos foram produzidos, pois eram as primeiras décadas do século XX, período imediatamente após a abolição da escravatura e a visão desses autores se colocava no bojo de uma perspectiva evolucionista, positivista, colonialista, ainda aos moldes oitocentistas.

Como já é sabido, o questionamento à “hegemonia nagô”, às noções de “pureza”, tem como marco o trabalho de Beatriz Góes Dantas, Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África no Brasil, concluído em 1982.[11] Desde então, com as várias discussões e controvérsias, em grande parte motivadas a partir desse trabalho, têm-se uma reflexão teórica no campo de estudos das religiões afrobrasileiras, de modo que, atualmente, especialmente numa perspectiva antropológica, não há mais dúvidas de que todas as manifestações religiosas afrobrasileiras são igualmente autênticas, posto que a academia não pode e não deve se imiscuir nos discursos religiosos que advogam uma “pureza”, uma suposta autenticidade religiosa como qualitativo de uma determinada religião ou grupo religioso. Evidentemente, como se pode ver nos trabalhos mais recentes sobre a Jurema como o de Idalina Santiago (2003), Luiz Assunção (2010) e Sandro Salles (2010), dentre outros, há grande complexidade e riqueza no universo mitológico e ritualístico da Jurema.

Em meados da década de 1960, durante o processo de legalização dos cultos afrobrasileiros no Estado da Paraíba, o Catimbó-Jurema passou por um processo de alterações, em que incorporou elementos da Umbanda, sendo, esta ultima, organizada na Federação de Cultos Africanos do Estado da Paraíba[12].

O processo de reelaboração e criação de uma nova prática religiosa do culto da jurema está inserido no contexto das transformações da sociedade, vivido no caso específico do fenômeno religioso por meio do processo de umbandização dos cultos populares, reelaborando-as ao mesmo tempo

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