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História da ciências sociais

Por:   •  23/2/2018  •  6.859 Palavras (28 Páginas)  •  230 Visualizações

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explícita com um aspecto fundamental de todo esforço de compreensão de qualquer objeto de natureza empírica: o problema da imputação, a um fluxo em princípio caótico de eventos que têm lugar no mundo sensível, de um ordenamento de natureza lógica, implicativa, que lhe é atribuído, conscientemente ou não, pelo nosso simples esforço de compreender o que se passa. Naturalmente, à medida que nos referimos a um esforço "profissional" de compreensão do mundo (é o que fazemos, não?), espera-se que essa imputação seja feita de maneira tão consciente quanto possível acerca dos aspectos lógico-analíticos envolvidos. E aí entram trabalhos como o de Fischer, a nos mostrar o quanto estamos aquém do desejável nesta matéria — pelo menos no que toca às ciências sociais e históricas.

De fato, costumo usar o livro de Fischer nos meus cursos de metodologia, logo após passar algumas aulas naquela que é, talvez, a parte mais "técnica" da disciplina, numa extensa discussão sobre técnicas de survey e sua importância na explicitação dos vínculos entre teorização e evidência empírica. A ênfase na técnica de survey é bastante adequada para explicitar de maneira intuitivamente evidente as maneiras como se pode submeter uma hipótese a teste empírico rigoroso, sob precisos parâmetros estatísticos de validade, e, reciprocamente, oferecer pistas minimamente precisas sobre o trabalho de inferência indutiva de "leis gerais" a partir da evidência empírica de natureza estatística eventualmente disponível. Mas o risco disso tudo é caracterizar de maneira excessivamente restrita o âmbito de validade dessas operações lógicas: os alunos podem tender a acreditar que tudo isso se aplica apenas àqueles problemas dos quais nos podemos aproximar munidos de questionários, amostras, variáveis codificadas etc. etc. E imagino perfeitamente um estudante de história (mas não apenas de história) a perguntar-se: "Qual a utilidade dessa parafernália analítica para mim, se eu vou estudar um evento que se deu uma única vez [um "evento único"...], e eventualmente há cem, ou quinhentos, ou há dois mil anos atrás?" Um livro como o de Fischer nos presta nesse momento o inestimável serviço de mostrar claramente — para o estudante menos inclinado ao emprego de laboriosas técnicas quantitativas de pesquisa — a perfeita analogia operacional entre o que se passa, por exemplo, numa pesquisa de survey e o que se encontra envolvido na validação de uma interpretação ou explicação de qualquer fenômeno histórico. Em qualquer dos casos, trata-se de imputar a eventos certa estrutura lógica de natureza causal/implicativa cuja validez é independente dos eventos em si (ainda que sua pertinência não o seja). Pois qualquer explicação ou compreensão de fenômenos de natureza empírica requererá validação em dois planos: um primeiro, o da pura correção lógica, formal, do argumento em pauta; e um segundo, o da adequação da imputação daquele teorema abstrato de natureza eminentemente formal ao conjunto específico de eventos que se quer compreender (quase desnecessário acrescentar que este último plano estará necessariamente comprometido se o nosso esforço naufragar no plano lógico). Apenas para nos permitir uma exemplificação dos paralelismos relevantes aqui, o capítulo IV de Fischer, sobre "falácias de generalização", nos mostra como toda generalização, do ponto de vista lógico, se refere inevitavelmente a regularidades estatísticas, explícitas ou não — e que seria absolutamente vão, por absurdo, qualquer esforço de "não generalizar", pois isto equivaleria a algo como, por exemplo, "não usar palavras"...

II. Weber segundo Schluchter, e a história na teoria

Se pesa sobre o ofício do historiador o compromisso bastante óbvio com os rigores da lógica mesmo quando ele tenta "não teorizar" (como se isso fosse possível), do outro lado a recíproca é verdadeira, e — exceto por alguns modelos estáticos de alcance bastante tópico — pesará sobre qualquer teoria social a necessidade de levar devidamente a sério a dimensão diacrônica (e portanto histórica, no caso) inerente à postulação de qualquer nexo causal. (3)

Wolfgang Schluchter, em sua magistral reconstrução da concepção weberiana da história, provê uma adequada ilustração deste ponto. Buscando qualificar a interpretação que vê em Weber sobretudo o fundador de uma sociologia que rejeita o evolucionismo e a filosofia da história (numa polêmica implícita com Marx), (4) Schluchter elabora as relações e a interdependência recíproca entre os planos configuracional (estrutural, "macro"), situacional (individual, "micro") e histórico de análise, buscando sempre sublinhar a permanência da relevância da dimensão histórica de análise — eventualmente depreciada pelos herdeiros de Weber, ciosos de demarcar suas diferenças com os marxistas. De outra maneira, prosseguirá Schluchter, não há como dar sentido a uma série de temas weberianos cruciais, e que estruturam mesmo sua sociologia, como a descrição da história do Ocidente por alusão à tese da racionalização das relações sociais que teria lugar ao longo do processo, apoiada em minuciosa análise sobre as diversas "orientações estruturalmente possíveis" da ação, todas sujeitas a desenvolvimento, empiricamente identificável ao longo da história. (5)

Autor de interpretação distinta da de Schluchter, Reinhard Bendix talvez tenha sido o mais influente dos intérpretes não "desenvolvimentistas" (6) de Weber, além de ter contribuído substantivamente para uma reavaliação mais comedida do alcance dos conceitos de tradição e modernidade a partir do final dos anos 60, mediante uma alentada crítica de certos abusos e distorções do recurso à "modernização" que certamente terá contribuído de maneira importante — ainda que não intencionalmente — para o progressivo abandono da referência ao conceito nos anos que se seguiram ao seu ataque, publicado pela primeira vez em 1967. (7) Está acima de discussão aqui a pertinência do ataque de Bendix (qualquer reconstrução de um enfoque desenvolvimental tem de tomar a sério a sua crítica), mas é necessário cautela aqui. Preliminarmente, apesar do espírito não-desenvolvimentista de sua interpretação de Weber, seria impróprio atribuir, por isso, à obra (inequivocamente fecunda) do próprio Bendix um caráter conseqüentemente anti-desenvolvimentista. Pois Bendix invariavelmente confere à história (e à história estruturada em processos de desenvolvimento) lugar inequivocamente proeminente, patentemente identificável naquele

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