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A constituição contra a constituinte

Por:   •  9/3/2018  •  4.085 Palavras (17 Páginas)  •  309 Visualizações

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Humor (suco)

Influência astral

Humor (tipo)

Elemento e caráter

Sangue, o mais propício e nobre (equilíbrio edênico)

a amável Vênus ou, mais frequente, o temperado e benévolo júpiter

-Luxúria (até os defeitos são os mais perdoáveis)

-beleza, felicidade

Ar (úmido quente)

Bile amarela

Marte

Violento,agressivo

Fogo(quente,seco)

Bile negra (ou atrabílis)

Saturno, o antigo deus da terra

Infeliz, sem sorte, sombrio, saturnino: o chumbo

Terra (seca, fria)

Fleuma

Lua, o “astro aquoso” de Shakespeare

Lerdeza, até covardia

Água (fria úmida)

Surgem, aqui, dois problemas:

1) A loucura varia. Tradicionalmente ela é melancólica. Mas também é possível ligá-la á lua (o louco é lunático), pois o cérebro, parte mais úmida do corpo, está sob a influência do mesmo astro que rege as marés. Uma criança nascida no plenilúnio, dizia em 1660 um astrólogo, jamais será saudável[11].

2) Varia a hierarquia dos humores. Panofsky, mostra como o círculo florentino de Marsilo Ficino, Lourenço, o Magnífico, Pico Della Mirandola realça a posição de Saturno (devido á importância que lhe conferia Plotino). Júpiter é alma do mundo, governa-o, o que significa estar no plano da mera ação prática – ao passo que Saturno, mente do mundo, proporciona uma contemplação profunda deste. Da mesma forma, esses humanistas valorizam o melancólico, sendo nisso devedores de Aristóteles. É verdade que o melancólico está sujeito a loucura, porém, por outro lado: “Todos os homens que se sobressaem de verdade, seja na filosofia, na política, na poesia ou nas artes, são melancólicos; e alguns até chegam a sofrer enfermidades produzidas pela bile negra” (Aristóteles, Problemata, XXX, 1).[12]

Numa obra publicada em 1531, afirma Cornelius Agrippa que são três as melancolias – e nessa distinção se louva Panofsky para explicar por que a famosa obra de Durer se chama “Melancolia I”: a melancolia inferior é a do artista, ou artesão, que privilegia a imaginação, acima desta, figura a dos médicos, cientistas, estadistas, que se servem da razão; e, sobre ambas, prevalece a dos que conhecem a teologia e os segredos divinos mediante a mente intuitiva. [13]

Mas não é a distinção entre esses elementos e humores o fundamento; está este em como combinar os quatro, presentes em todos os homens, mais, em todos os seres. É impossível o perfeito equilíbrio deles, pois importaria a imortalidade e a negação do pecado original. Porém, feita essa ressalva, a atividade do médico consistirá em aproximar seu paciente em tal equilíbrio. Alimentos, dietas, exercícios estarão determinados conforme a idade do doente, o seu tipo, a estação do ano, a hora do dia etc. Valoriza-se assim a harmonia (crasis)[14], quer no homem: Brutus, o herói semilendário de Roma, que se fingiu de idiota (Brutus) para derrubar a monarquia, é o mais nobre dos romanos, porque nele há perfeita mistura dos elementos; quer no Estado: o melhor corpo político será o que tiver os elementos em mais perfeita mistura. Ora, em política, considera-se então, segundo uma tradição que remonta a Aristóteles e Políbios, que a formas de governo repartem-se basicamente segundo o número dos que governam: um (monarquia), todos (democracia), uma quantidade intermediária (aristocracia). Nenhuma delas, isoladamente – pensar-se-á na teoria dos humores -, é boa. Por isso tem a Inglaterra a mais perfeita constituição, na qual as três formas melhor se combinam: rei, lordes, Comuns, (estes, o “ramo democrático” da constituição). A monarquia mista é constantemente exaltada, num discurso que é topos inglês dos mais frequentes, do século XV até o século VXII ou XVIII.

Aparece, por exemplo, na Governance of England, de sir John Fortescue – juiz durante a guerra das Rosas e autor também de uma louvação da Leis da Inglaterra. Sir John, escrevendo no decênio de 1470, opõe o dominium regale dos caçadores e déspotas ao dominium politicum et regale que caracteriza a Inglaterra e lhe confere vantagem sobre a inimiga, a França: lá desde Brutos e seus bretões, o rei só lança impostos e edita leis em acordo com seus súditos representados em Parlamento; daí a maior prosperidade nas aldeias, daí, também, a maior coragem dos arqueiros ingleses (pois, lembremos, o yeoman que extermina a flechadas a mais poderosa cavalaria feudal na Europa, a francesa, é o mesmo pequeno proprietário rural que prospera porque, ao contrário do frânces, paga poucos impostos, podendo economizar, comer carne e evitar a humilhação de “beber água”).[15]

Capaz Assim, o termo constituição (ou os que o prefiguram desde a Idade Média[16]) surge ligado á ideia de harmonia, excluindo qualquer conceito de soberania dentro do Estado. A noção de que no corpo político possa haver um foco de poder capaz tudo decidir ou modificar, até a própria constituição, não cabe no pensamento medieval, e, se vai ser teorizada desde o século XVI, por Jean Bodin e mais tarde Thomas Hobbes, somente conhecerá a aplicação sistemática a partir da Revolução Francesa[17]. Nesse quadro medieval, de uma medicina da harmonia humeral e de uma filosofia política que analogamente privilegia a iustitia, quem sabe a soberania não seria uma doença? Expressaria algum tipo de desequilíbrio, de discracia. Pois, então, como sinônimo de governar usa-se tantas vezes o verbo “moderar”, e nas entradas solenes de reis destaca-se a noção grega de temperança e moderação[18].

Não é possível mudar a constituição. É ela como a do homem: poderia eu mudar o meu organismo? As constituições são diferenciadas, há apenas que fazê-las harmônicas, internamente: esse o trabalho da moderação. E note-se ainda, que por essa ideia de constituição se entende muito mais que a mera política. Há ela de abranger o clima, a religião,

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