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UMA CARACTERIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA

Por:   •  29/1/2018  •  3.325 Palavras (14 Páginas)  •  302 Visualizações

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UMA CARACTERIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA

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estudioso de Freud - embora Boss também o fosse -,

mas com um paciente de Freud. Curioso, perguntei: "E

o que ele fazia no consultório?". Boss respondeu, brin-

cando: "Fazia Daseinsanalyse, não fazia Psicanálise".

Comecei a refletir que, afinal de contas, Freud iniciou seu trabalho de terapeuta antes da formulação da Psica-

nálise, que passou a existir a partir do acúmulo de sua experiência. Retomei à questão sobre o que Freud fazia

no consultório antes de ter elaborado a teoria psicanalí-

tica. Para me dizer o que Freud fazia então, Boss me fa-

lou: "Psicoterapia é procura".

A palavra procura me chamou a atenção, e percebi

que se abria um significado mais original quando a lía-

mos assim: pró-cura.

"Terapia é pró-cura", isto é, "terapia é para cuidar"; em latim, cura tem o significado de cuidar.

Fundamentalmente, então, terapia é procura. Mas

procura de quê?

No caso da terapia, aquilo que se procura não é algo

que vai acontecer lá no final do processo, mas algo que se dá, passo a passo, através do modo como ela se realiza.

Esse "modo" constitui o próprio acesso ao "o quê" se

procura.

na terapia. Qual é a via dessa linguagem? Seria uma via

intelectual?

Sabemos que o paciente, em geral, não precisa de

explicações racionais. Ele mesmo é crítico de seus sinto-

mas. Uma pessoa que se apavora quando vai falar em pú-

blico sabe que não há motivo para se sentir tão ameaçada.

Mas saber isso não diminui seu medo, parece que só faz

aumentá-lo. A verdade racional é impotente diante das dificuldades psicológicas, que se divertem em ridicula-

rizar a razão.

Não é pela via da razão que caminha a linguagem

da terapia.

A linguagem própria do diálogo entre terapeuta e paciente tem uma outra via, para cuja compreensão é importante introduzirmos aqui uma palavra grega, poiesis. Esta significa não só poesia no sentido específico, como

também criação ou produção em sentido mais amplo.

No diálogo de Platão, O Banquete, encontramos:

- Como sabes, "poesia" é um conceito múltiplo. Em ge-

ral se denomina criação ou poesia a tudo aquilo que pas- sa da não-existência à existência. Poesia são as criações que se fazem em todas as artes. Dá-se o nome de poeta ao artífice que realiza essas criações. 1

Pensemos no modo como se dá a terapia. O modo

diz respeito, basicamente, à linguagem que é fundamental

1. PLATÃO. (1999). Diálogos. Rio de Janeiro, Ediouro.

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Poiesis é um levar à luz, é trazer algo para a deso-

cultação.

A linguagem da razão, chamada em geral de lingua-

gem do conhecimento, também desoculta o que estava

oculto, mas de um modo diferente, de um modo que dá

explicações. Ela é própria das ciências, das teorias e mes-

mo de certas argumentações do cotidiano; ela, de certa

forma, garante ou "obriga" que alguém entenda o que

dizemos.

Com a linguagem poética é diferente. Esta pode apa-

recer na poesia propriamente dita, num texto em prosa,

num diálogo ou mesmo numa piada engraçada. A pia-

da não é para ser explicada.

Propomos que também a terapia acontece basicamen-

te na via da poiesis. A linguagem da terapia é poética.

Essa linguagem busca o interlocutor em seu espaço

de liberdade. Quando me expresso poeticamente, o outro

não é obrigado a concordar comigo. Na verdade, não há

nenhuma razão para que ele o faça, e, no entanto, tenho

uma grande expectativa de que ele possa me compreen-

der, dentro da não-necessidade de compreender.

Nessa forma de linguagem, quando há compreen-

são, esta vem gratuitamente, emocionalmente e sem ne-

cessidade de argumentação mediada pela razão. Aqui

teríamos uma comunicação que ou se dá, ou não se dá.

Nesse ponto encontramos uma discussão que é cara

para os psicólogos: a diferença entre explicação e com-

preensão. Considero que essa diferença está exatamente

no âmbito dessas duas linguagens: a explicação se arti-

cula na linguagem do conhecimento e a compreensão

acontece dentro de um diálogo na linguagem da poiesis.

No

...

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