UMA CARACTERIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA
Por: eduardamaia17 • 29/1/2018 • 3.325 Palavras (14 Páginas) • 352 Visualizações
...
UMA CARACTERIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA
157
estudioso de Freud - embora Boss também o fosse -,
mas com um paciente de Freud. Curioso, perguntei: "E
o que ele fazia no consultório?". Boss respondeu, brin-
cando: "Fazia Daseinsanalyse, não fazia Psicanálise".
Comecei a refletir que, afinal de contas, Freud iniciou seu trabalho de terapeuta antes da formulação da Psica-
nálise, que passou a existir a partir do acúmulo de sua experiência. Retomei à questão sobre o que Freud fazia
no consultório antes de ter elaborado a teoria psicanalí-
tica. Para me dizer o que Freud fazia então, Boss me fa-
lou: "Psicoterapia é procura".
A palavra procura me chamou a atenção, e percebi
que se abria um significado mais original quando a lía-
mos assim: pró-cura.
"Terapia é pró-cura", isto é, "terapia é para cuidar"; em latim, cura tem o significado de cuidar.
Fundamentalmente, então, terapia é procura. Mas
procura de quê?
No caso da terapia, aquilo que se procura não é algo
que vai acontecer lá no final do processo, mas algo que se dá, passo a passo, através do modo como ela se realiza.
Esse "modo" constitui o próprio acesso ao "o quê" se
procura.
na terapia. Qual é a via dessa linguagem? Seria uma via
intelectual?
Sabemos que o paciente, em geral, não precisa de
explicações racionais. Ele mesmo é crítico de seus sinto-
mas. Uma pessoa que se apavora quando vai falar em pú-
blico sabe que não há motivo para se sentir tão ameaçada.
Mas saber isso não diminui seu medo, parece que só faz
aumentá-lo. A verdade racional é impotente diante das dificuldades psicológicas, que se divertem em ridicula-
rizar a razão.
Não é pela via da razão que caminha a linguagem
da terapia.
A linguagem própria do diálogo entre terapeuta e paciente tem uma outra via, para cuja compreensão é importante introduzirmos aqui uma palavra grega, poiesis. Esta significa não só poesia no sentido específico, como
também criação ou produção em sentido mais amplo.
No diálogo de Platão, O Banquete, encontramos:
- Como sabes, "poesia" é um conceito múltiplo. Em ge-
ral se denomina criação ou poesia a tudo aquilo que pas- sa da não-existência à existência. Poesia são as criações que se fazem em todas as artes. Dá-se o nome de poeta ao artífice que realiza essas criações. 1
Pensemos no modo como se dá a terapia. O modo
diz respeito, basicamente, à linguagem que é fundamental
1. PLATÃO. (1999). Diálogos. Rio de Janeiro, Ediouro.
---------------------------------------------------------------
Poiesis é um levar à luz, é trazer algo para a deso-
cultação.
A linguagem da razão, chamada em geral de lingua-
gem do conhecimento, também desoculta o que estava
oculto, mas de um modo diferente, de um modo que dá
explicações. Ela é própria das ciências, das teorias e mes-
mo de certas argumentações do cotidiano; ela, de certa
forma, garante ou "obriga" que alguém entenda o que
dizemos.
Com a linguagem poética é diferente. Esta pode apa-
recer na poesia propriamente dita, num texto em prosa,
num diálogo ou mesmo numa piada engraçada. A pia-
da não é para ser explicada.
Propomos que também a terapia acontece basicamen-
te na via da poiesis. A linguagem da terapia é poética.
Essa linguagem busca o interlocutor em seu espaço
de liberdade. Quando me expresso poeticamente, o outro
não é obrigado a concordar comigo. Na verdade, não há
nenhuma razão para que ele o faça, e, no entanto, tenho
uma grande expectativa de que ele possa me compreen-
der, dentro da não-necessidade de compreender.
Nessa forma de linguagem, quando há compreen-
são, esta vem gratuitamente, emocionalmente e sem ne-
cessidade de argumentação mediada pela razão. Aqui
teríamos uma comunicação que ou se dá, ou não se dá.
Nesse ponto encontramos uma discussão que é cara
para os psicólogos: a diferença entre explicação e com-
preensão. Considero que essa diferença está exatamente
no âmbito dessas duas linguagens: a explicação se arti-
cula na linguagem do conhecimento e a compreensão
acontece dentro de um diálogo na linguagem da poiesis.
No
...