UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DO MOVIMENTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
Por: Sara • 17/5/2018 • 4.502 Palavras (19 Páginas) • 401 Visualizações
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dos comportamentos e condutas tidas como desviantes e inadequadas. Com o avançar do tempo, os métodos utilizados nos manicômios sofreram alterações desde sua gênese e passaram a impor com ainda mais dureza o estabelecimento da conduta organizada e disciplinada dos pacientes, adotando medidas físicas para tal. Nesse contexto, é possível refletir que desde o início do saber psiquiátrico, a loucura era tida não apenas como uma doença mental, mas também como uma doença moral que necessitava ser extinta do próprio doente e do convívio social, tendo como tratamento a própria moral e confinamento destes que permaneciam escondidos da sociedade.
A compreensão moral da loucura permanece no Brasil e ao redor do mundo até o século XX, onde foram crescendo os primeiros movimentos questionadores dos métodos de intervenção psiquiátrica. Foi na segunda metade do século XX que esses movimentos no Brasil ganharam ainda mais força, principalmente influenciados pela revolução liderada pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia, que iniciou uma intensa transformação e reforma no sistema de saúde mental da Itália. Em 1971, Basaglia pôs fim aos manicômios e aos modelos de instituições tradicionais psiquiátricas, abolindo com elas, os métodos violentos e abusivos para o tratamento dos transtornos mentais. Anos mais tarde, em 13 de maio de 1978 constituiu-se a lei 180, de autoria do próprio Basaglia que proibia a reabertura dos manicômios fechados e a criação de novos, bem como garantia o acesso da população ao tratamento psiquiátrico de qualidade e propunha a organização de uma rede de atenção à saúde mental.
Foi dentro desse contexto que eclodiu no Brasil do final da década de 1970 as primeiras denúncias dos abusos e maus tratos nos tratamentos daqueles portadores de transtornos mentais feitas por funcionários dos hospitais psiquiátricos, que formaram o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. O fechamento de muitos
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hospitais psiquiátricos no início da década de 1980 marcou o princípio dessa reforma que além de psiquiátrica também foi política e social, como ocorreu com o Hospital Colônia em Barbacena, logo no início dos anos 80, após Basaglia visitar e pedir o fechamento imediato daquilo que o próprio disse parecer um campo de concentração nazista.
Foi a partir de então, que foram fortemente levantados os questionamentos sobre a compreensão da loucura, os métodos de tratamento, a valorização dos direitos humanos dos sujeitos em sofrimento mental e a submissão desses sujeitos ao poder do psiquiatra. Com o movimento que mais tarde se chamaria de Luta Antimanicomial, nasceu também a Reforma Psiquiátrica no Brasil, que mais do que denunciar os métodos abusivos dos manicômios, buscou criar uma rede de acolhimento e serviços substitutivos aos transtornos mentais, onde se pudesse também criar estratégias territoriais e comunitárias, mais humanizadas no trato de seus usuários.
O paradigma científico/psiquiátrico moderno
Para a compreensão do paradigma científico moderno, é válido tomar o conceito do termo paradigma, do grego, que significa “padrão”, “modelo”, “exemplo” de algo a ser seguido. Na ciência psiquiátrica, esse modelo foi firmado na exclusão e isolamento do doente mental e surgiu a partir da Idade Clássica, onde embora não houvesse um completo entendimento sobre a loucura na qualidade de doença, mas sim de um problema social, a mesma era silenciada e enclausurada nas casas de internação. Mais tarde, no início do século XIX, a loucura foi então compreendida como doença mental e passou a ter institucionalizada e submissa aos saberes e práticas psiquiátricas, sendo tratadas em asilos que passaram a ser os locais do tratamento do louco.
Foi nesse contexto que o paradigma psiquiátrico moderno foi se construindo, através do isolamento da doença mental em instituições asilares, mantendo o foco do médico voltado para esta doença mental, de modo a pouco considerar a totalidade subjetiva do indivíduo; os transtornos mentais foram então tidos pela psiquiatria como doenças orgânicas, dando ao médico o poder de classificar e dominar a loucura de
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cada um, não sobrando espaço para que o próprio louco participe de sua loucura, como Foucault (1974) traz à tona, no paradigma moderno psiquiátrico, o médico é o protagonista da loucura do outro, é o detentor do saber e do poder de “curar”; ao louco, cabe a submissão.
O paradigma científico moderno enaltece o saber científico com a fixidez de uma verdade única e absoluta, como o único meio possível de se chegar à uma determinada conclusão com êxito, verdadeiramente. Este, prestigia a especialização do conhecimento e distancia-se dos saberes do senso comum e dos discursos construídos pela sociedade, desqualificando-os e minimizando a importância das demais realidades, construindo uma forte relação de saber e poder científico. Neste paradigma, os saberes não se complementam, mas se distanciam. Filho (2003) relata que:
Ao operar através da disjunção, da segmentação e da redução do conhecimento, esse paradigma conforma um pensamento simplificador; orienta-se por uma racionalidade formal e instrumental que despreza o que há de caótico, desorganizado e imprevisível na realidade.
Dessa forma, o paradigma psiquiátrico moderno fixa-se em dois extremos a fim de facilitar o domínio do saber: o de separar aquilo que faz parte de um todo, como tomar os sintomas dos transtornos mentais desassociados da história de vida de cada sujeito; e o de reduzir o que faz parte de uma variedade, como pontuar comportamentos específicos como sintomas próprios de um transtorno. O rigor do saber, dos métodos e técnicas, estabelece uma clara relação de domínio, a figura do médico passa a ser a figura da verdade do tratamento psiquiátrico, naturalizando na sociedade quaisquer tipo de violência manicomial.
Como resultado deste modelo moderno (ou tradicional), o convívio social do louco é retirado dele, bem como o estímulo sobre suas habilidades sociais e o vínculo com seu seio familiar que é, por sua vez, enfraquecido. Silva (2004) diz que
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A exclusão, no caso dos loucos, produziu então um outro fenômeno, que a igualdade material apenas não supre: produziu... desfiliação. E esta se distingue da pobreza ou da privação de bens materiais por agregar à mesma a ruptura dos vínculos e a ausência de futuro, gerando invisibilidade social. (Silva, 2004, p. 22)
Desse modo, a invisibilidade social, estigmatização e abandono daqueles que portam algum transtorno mental, são apenas subprodutos deste paradigma moderno que,
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