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Da Inscrição no corpo à escrita no papel - algumas considerações sobre o desenvolvimento do grafismo na infância

Por:   •  24/12/2018  •  7.903 Palavras (32 Páginas)  •  351 Visualizações

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A teoria psicanalítica postula que é pela palavra que o ser humano distingue-se dos animais e constrói sua subjetividade.

Quando uma criança nasce, e mesmo antes disto, ela é falada por seus pais e grupo familiar, constituindo-se, desde aí, sua possibilidade como sujeito. Quando ela finalmente vem ao mundo, aqueles que lhe fazem a função materna vão esboçando seu corpo simbólico através dos cuidados e carinhos com que a cobrem, mas, mais do que o toque, as palavras que acompanham este toque, a entonação da voz, vão propiciando a aquisição dos instrumentos com que, mais tarde, ela irá apreender e aprender o mundo que a cerca.

À medida que seu desenvolvimento corporal possibilita, a criança começa a marcar sua passagem pelo mundo. Suas mãos se dirigem ao pratinho de sopa, tomam aquela substância –para desespero de suas mães – como algo além do simples alimento, algo com o que podem “desenhar” seu mundo e a si mesmos, lambuzando roupas, mesas, o que conseguirem atingir.

O descobrimento de que suas ações podem deixar marcas a segue, e ela se fará perceber por estas marcas ao longo de sua trajetória: no início serão gestos amplos, marcados pelo uso do corpo todo como instrumento. Mais tarde, a mão será o órgão privilegiado para este uso. Neste intervalo, todo instrumento capaz de deixar marcas será utilizado: galhos, vassouras, etc. O chão e as paredes se tornam superfícies gráficas. Com o desenvolvimento da motricidade fina, o lápis, e seus correlatos (canetinhas, canetas, pincéis,...) serão os preferidos, e a superfície, aos poucos, desloca-se para o papel.

Assim como foi desenhada pelos seus, a criança se torna desenhista do mundo que a cerca e no qual vive. Isso permite que ela projete no seu grafismo aquilo que, num primeiro momento, nela foi projetado.

Suas percepções de mundo, suas experiências de vida, vão fazer parte de sua produção gráfica para sempre. O lugar que ela recebeu na família ao nascer, os desejos nela depositados -ou a falta deles - , tudo isto ela projeta no jogo e no papel, que, longe de refletirem apenas aspectos cognitivos ou motores, são principal a fonte de acesso à sua subjetividade.

Cabe, por isto, também ao psicopedagogo, conhecer como se dão estes processos e como eles podem ser usados na avaliação psicopedagógica da criança pequena. Mais ainda, cabe ao psicopedagogo o papel de intermediação entre a criança que desenha e a escola onde ela está inserida, na avaliação de suas possibilidades ou impossibilidades em relação ao processo de ensino aprendizagem.

Este trabalho monográfico visa demonstrar, num primeiro momento, o processo de constituição subjetiva da criança, a partir da leitura psicanalítica lacaniana, apontando o papel dos pais enquanto construtores da subjetividade infantil e aqueles que lhe permitem tomar posse daquilo com que a natureza a dotou: um corpo, capaz de ser suporte de aprendizagens.

No segundo momento, através da análise da evolução do desenho infantil, principalmente do desenho da figura humana, apontar-se-á o papel da subjetividade da criança neste processo.

Finalmente, na terceira parte, se fará uma breve descrição do papel do psicopedagogo na avaliação e diagnóstico da criança através das técnicas projetivas que se utilizam do desenho como meio privilegiado para a escuta do que ela conta através da sua produção gráfica.

Como exemplo dos principais momentos pelos quais a criança passa neste processo, usar-se-ão diversas figuras colhidas no material bibliográfico e também na prática, como psicóloga, da autora do texto, resguardando-se neste caso, a identidade da criança por meio de pseudônimo e com a autorização oral dos pais.

A escolha do tema se justifica por interrogações surgidas na autora em sua prática como psicóloga clínica, em atendimentos feitos a crianças pequenas e também como resultado de trabalho efetuado, em estágio de Psicologia Institucional, numa escola pública municipal, junto aos professores da Educação Infantil, que inúmeras vezes procuravam saber “o que significava” tal desenho de determinada criança.

É importante salientar que muitas explicações são buscadas – e dadas, às vezes - a respeito do desenho da criança pequena, quando profissionais não treinados buscam interpretações baseadas unicamente em simbolismos oriundos do senso comum. Estas “interpretações selvagens” são muitas vezes perigosas, pois podem contribuir para rotular indevidamente uma criança, amarrando-a a significantes que podem interferir negativamente tanto em seu processo de subjetivação quanto de aprendizagem.

O trabalho será feito através de pesquisa bibliográfica nos diversos meios disponíveis (livros, artigos, revistas, internet).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1- OS PRIMÓRDIOS DO GRAFISMO: ESCREVENDO O CORPO DA CRIANÇA.

O desenvolvimento da criança é sustentado por aspectos estruturais e instrumentais, que estão diretamente articulados com os processos de aprendizagem. O aparelho biológico, através do Sistema Nervoso Central, condiciona e limita, mas, ao mesmo tempo, amplia as possibilidades de intercâmbio com o meio. É ele que oferece a abertura para a inscrição dos processos simbólicos (CORIAT; JERUSALINSKY 1996,p.7).

Os aspectos estruturais podem ser definidos, segundo Coriat e Jerusalinsky (ibidem., p.8) como aqueles que “condicionam, marcam, definem” as possibilidades do sujeito, e se constituem pelos sistemas nervoso, psíquico-afetivo e psíquico-cognitivo. Já os aspectos instrumentais são definidos pelos autores acima como aqueles constituídos pelas ferramentas pelas quais o sujeito se vale para efetuar seus intercâmbios (ibidem,p.9), que lhe facilitam a construção do mundo e de si mesmo, como a motricidade, a fala, a audição, a visão, etc.

Entretanto para os fins deste estudo, interessa primeiramente ver como se dá a constituição psíquica da criança e como ela constrói psiquicamente sua imagem corporal, base de todos os processos de aprendizagem.

A leitura lacaniana postula que é na palavra e por ela que nos constituímos fundamentalmente em humanos.

A linguagem permite a presentificação e a expressão da sexualidade infantil e seus conflitos no drama edípico. É através dela que nos colocamos na ordem simbólica e nos tornamos sujeitos. Para a psicanálise, o termo sujeito refere-se ao sujeito do inconsciente, que é constituído na e pela linguagem. É um sujeito

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