A FUNÇÃO DO ABRIGO:SEM PAI, SEM MÃE, SEM NADA
Por: Jose.Nascimento • 25/11/2018 • 13.383 Palavras (54 Páginas) • 429 Visualizações
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Prossegue Ariès[2]:
A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII.
É a descoberta da infância moderna. E essa descoberta é a descoberta da sua incapacidade.
- Evolução legislativa:
Dentre nós, no Brasil-Colônia, as Ordenações do Reino tiveram larga aplicação, segundo o modelo da família patriarcal. Sobre a origem do patriarcado, refere Maturana[3]:
[...] o patriarcado como modo de vida não é uma característica do ser do homem. É um cultura, e portanto um modo de viver vivível por ambos os sexos. Homens e mulheres podem ser patriarcais, assim como ambos podem ser, e foram, matrísticos.
Seguiram-se o Código Penal do Império (1830) e o Primeiro Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.
Surge, então, a primeira forma de abrigamento:
Já em 1551 foi fundada a primeira casa de recolhimento de crianças do Brasil, gerida pelos jesuítas que buscavam isolar crianças índias e negras da má influência dos pais, com seus costumes ‘bárbaros’. Consolidava-se o início da política de recolhimento.[4]
No século XVIII, a preocupação do Estado com os órfãos e expostos faz com que se importasse da Europa a Roda dos Expostos, mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia, também como uma alternativa evangelizadora ao aborto e ao infanticídio. Era a fase da caridade, desenvolvida pela Igreja. Essas casas recebiam bebês deixados na Roda, mantendo o anonimato do autor do abandono. Os bebês eram, então, criados por amas-de-leite e encaminhados à adoção.
A criação das Rodas de Expostos evitou que bebês fossem abandonados nas ruas e nas portas das igrejas por mães que buscavam ocultar a desonra de gerar um filho ilegítimo ou que não tinham condições de criá-lo.[5]
O sistema da Roda perdurou, no Brasil, por quase três séculos e era utilizado em larga escala, especialmente para amparar recém-nascidos órfãos e doentes, esconder a existência de filhos oriundos de relações obtidas fora do casamento ou acolher filhos de escravos.
Nessa mesma época, os recolhimentos de órfãos e os colégios de órfãos eram também de iniciativa de irmandades religiosas e eclesiásticas. O estilo de vida seguia o dos conventos, com práticas religiosas, modos de vestir simples e controle no contato com o mundo exterior. Eram instituições destinadas, separadamente, aos meninos e meninas indigentes e órfãos.
No Rio de Janeiro, na publicação referente ao Educandário Romão de Mattos Duarte[6], consta que, em 14 de janeiro de 1738, Romão de Mattos Duarte fundou a Casa dos Expostos, que funcionava ao lado do Hospital da Santa Casa, com o intuito de “minorar os sofrimentos das crianças recém-nascidas, que eram colocadas, geralmente, à noite, junto aos caixotes de lixo, levadas por mães que não podiam aparecer como mães.” Consta que, de 1738 a 1821, o estabelecimento recebeu 8.713 crianças, a maioria delas em condições de saúde precárias e registrou elevado número de óbitos. No período de 1840 a 1911, o número seria de 43.750 crianças recolhidas[7], mas a cifra pode ser bem maior, pois é sabido que apenas a partir de 1840 teve início a anotação das crianças expostas.
Com o período republicano, já numa tentativa de “proteger a sociedade”, surgem casas de recolhimento (1906), como escolas de prevenção (educar menores em abandono), escolas de reforma e colônias correcionais, essas para menores em conflito com a lei. Vigorava a idéia de “salvar” a infância brasileira no século XX.
Era o chamado movimento higienista, baseado em métodos racionais e científicos no atendimento da população infanto-juvenil, que passou a ser compreendida como o futuro do homem e da pátria.
Sobre o movimento higienista, destaca a Professora Irene Rizzini[8], citada por Patrícia Tavares[9], que “‘na conjuntura caracterizada pelo processo de transformação das cidades, em que se vislumbrava com temor o crescimento e a concentração das populações urbanas, ganhavam particular relevo os conhecimentos médicos sobre higiene, notadamente, sobre controle e prevenção de doenças infecto-contagiosas’. Após a detecção das principais causas e dominados o foco das doenças que assolavam a população, começaram, então, a surgir novas aplicações dos conhecimentos adquiridos pela chamada medicina higienista; ‘os olhares preocupados dos médicos’ passaram a se voltar para a crianças, especialmente, em função dos altos índices de mortalidade infantil detectados, inclusive, nos asilos ou ‘casas dos expostos’. Foi Moncorvo Filho ‘um dos mais contundentes denunciadores do descaso da nação em relação ao estado de pobreza em que vivia a população, demonstrando seus efeitos maléficos sobre a infância – nunca deixando de apontar que, ao afetarem a criança, comprometiam o futuro do país’, estando, assim, lançadas as bases da puericultura no Brasil.”
Por conseqüência, a rede de assistência do Estado tinha, naquela época, esse ideário higienista, com a implementação de políticas públicas voltadas “para o controle sanitário e eugênico das camadas menos favorecidas da sociedade; foi ainda caracterizada pela manutenção do sistema de acolhimento de crianças e adolescentes pobres – ou em conflito com a lei – em instituições oficiais ou conveniadas, que funcionavam em regime de internação.”[10]
O Deputado João Chaves apresentou, em 1912, um projeto de lei prevendo a especialização de tribunais e juízes e, em 12 de outubro de 1927, é publicado o primeiro Código de Menores do Brasil (Decreto 17.943-A), que ficou conhecido como o Código Mello Mattos, sob a influência do Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris, em 1911, e a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, em 1924, que criminalizava a infância pobre.
Durante o Estado Novo (1937/1945), com o poder centralizador de Getúlio Vargas, surgiu o SAM – Serviço de Assistência ao Menor e a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, órgãos federais específicos destinados à organização do atendimento à população infanto-juvenil.
O Juízo de Menores, na pessoa de Mello Mattos, estruturou um modelo de atuação que se manteria ao longo da história da assistência
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