A IMPORTÂNCIA DA COMIDA NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS Uma análise a partir da festa de Olubajé
Por: Jose.Nascimento • 28/3/2018 • 5.691 Palavras (23 Páginas) • 464 Visualizações
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Na história da alimentação, a comida vem sempre acompanhada de rituais, que estão, em geral, profundamente associados a valores presentes na vida do grupo. Ao estudar os hábitos alimentares da Mesopotâmia, onde se encontram as mais antigas receitas de cozinha conhecidas, que datam do segundo milênio antes de Cristo, os pesquisadores observam que “tais rituais apresentam-se em um cerimonial já muito elaborado e estão profundamente relacionados à reunião do grupo para celebrar sua solidariedade” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 30).
A comida, portanto, não é boa somente para garantir a sobrevivência humana, mas é também para fazer pensar sobre os sentidos e significados que a fundamentam. Ou seja, através dela pode ser desvelado todo o modo de viver de determinado grupo humano. Neste sentido:
Enquanto os historiadores desenvolviam suas pesquisas quantitativas sobre a nutrição, etnógrafos e etnólogos estudavam as preferências alimentares, a significação simbólica dos alimentos, as proibições dietéticas e religiosas, os hábitos culinários, o comportamento à mesa e, de uma maneira geral, as relações que a alimentação mantém, em cada sociedade, com os mitos, a cultura e as estruturas sociais (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p.21).
A comida, portanto, representa um dos elementos fundamentais a partir do qual se pode entender a totalidade da vida de determinado povo e, especialmente, sua identidade, a partir da qual define sua singularidade no contexto da diversidade étnica e cultural.
É a partir destes pressupostos que se pode buscar entender possíveis relações entre a comida e a identidade da comunidade afro-brasileira, especificamente, no contexto religioso da festa de Olubajé no Candomblé.
3. A COMIDA NO CONTEXTO DO CULTO AOS ORIXÁS
Os africanos trouxeram de sua terra natal uma diversidade de alimentos, “muitos tipos de feijão, inhames, abóboras e vagens, bem como o quiabo e o azeite de dendê, o leite de coco, bem como as formas de melhor prepará-los” (REIS, 2008, p. 43). Este importante legado, de alimentos e receitas, conquistou a colônia, espalhando-se, rapidamente, por todos os seus recantos. A Bahia, lugar onde havia maior concentração de africanos, foi quem mais se beneficiou com este patrimônio, preservando, até os dias atuais, esta riqueza, em pratos como o xinxim de galinha e o acarajé, entre muitos outros.
Contudo, o mesmo processo de urbanização que popularizou os alimentos e a culinária dos africanos não foi capaz de integrar negros e brancos em uma mesma sociedade. Mesmo as grandes festas e procissões, onde se encontravam e desfilavam juntas as confrarias de negros e de brancos, não foram capazes de transpor as divisões e preconceitos. Por outro lado, a escravidão no contexto urbano, reafricanizou o negro, aproximando-o sempre mais dos seus próprios centros de resistência cultural, confrarias ou nações. Neste contexto, as religiões africanas desempenharam um papel fundamental de preservação da identidade e da resistência cultural no seio de uma sociedade de estrutura escravagista.
Diante da impossibilidade de se defender materialmente contra um regime onde todos os direitos pertenciam aos brancos, o negro refugiou-se nos valores místicos, os únicos que não lhe podiam arrebatar. “Foi ao combate com as únicas armas que lhes restavam, a magia de seus feiticeiros e o manas de suas divindades guerreiras” (BASTIDE, 1989, p. 96).
A religião, ou as religiões afro-brasileiras transformaram-se em lugares sociais importantes para se preservar, defender e desenvolver, não só a vida religiosa, mas também a identidade e a cultura negra. Muitas foram as contribuições trazidas ao Brasil, o canto a dança, artesanato dentre outros. “O Homem de cor enriqueceu sem dúvida a literatura brasileira, imprimindo-lhe a cerca de seus desejos, de suas aspirações ou de seus sofrimentos, cantando sua alma, suas paixões e seus amores” (BASTIDE, 1973, p. 11).
O culto aos Orixás, presente no Brasil desde a chegada dos primeiros escravos, por conta da proibição oficial, era praticado em lugares alternativos, longe dos senhores, nas matas, às margens dos rios, no interior das senzalas. Transformou-se historicamente na única alternativa de manter viva a fé e a memória do povo africano (D’OXÓSSI, 2002, p. 7).
Os cultos aos Orixás constituem um vasto sistema que, dirigindo-se às forças da natureza, através dos ancestrais divinizados, une os mortos e os vivos em um todo familiar, contínuo e solidário, onde a comida e a culinária desempenha um papel fundamental. (VERGER, 1999, p.16). O Candomblé, ao contrário de que muitos pensam, é uma religião muito complexa:
Cada filho ou devoto recebe, além de seu Orixá guia - dono de sua cabeça (ori), o seu juntó, a herança, o “carrego” de seus antepassados, para continuar ou, por que não dizer, para preservar a história, a tradição, a cultura. Embora o Orixá, no Candomblé, falem Yorubá e, por isto, não fale diretamente aos filhos a não ser em ocasião especial e nos jogos de búzios, ele manifesta sua vontade e seus desígnios através das Entidades locais – Exus, os Caboclos, os Boiadeiros e Marujos. Os Orixás, e esse conjunto de Entidades formam o Candomblé, a experiência espiritual sintetizada dos africanos escravizados no contexto sociocultural brasileiro (GÓIS, 2008, p.93).
É uma religião que exige muita dedicação, trabalho e exercício constante de humildade, onde o respeito é fundamental, a hierarquia é rígida, bem demarcada. Tem um Pai ou Mãe de Santo e seus filhos, cada um com uma função específica, compondo esta comunidade de fé. Há grande preocupação com o preparo das comidas, devem ser observados vários preceitos, inclusive a não permanência de mulheres menstruadas nas cozinhas. Os pratos são elaborados com ingredientes de excelente qualidade, diria até sofisticados, regados à azeite extra-virgem e muito camarão. Para o Orixá e seus filhos de santo deve ser servido o que há de melhor. Cada Orixá tem uma comida, que por sua vez tem um modo de fazer específico, fundamentado nas tradições do Candomblé, que requer determinado ingrediente, modo de fazer e estética na composição dos seus pratos, sempre muito bonito. Cada prato é servido em utensílios, sejam eles de barro, louça ou madeira, conforme os preceitos daquele Orixá.
No Candomblé a comida é algo sagrado, é um momento de partilha e doação. O ajeum (refeição/comida) é sempre muito significativo. Há um modo específico de servir. As mulheres responsáveis pelo rito são designadas para tal função.
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