Unir a humanidade: do uso correto dos direitos do Homem – Alain Supiot
Por: YdecRupolo • 27/9/2018 • 3.804 Palavras (16 Páginas) • 362 Visualizações
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O fato de que essas civilizações devam adotar o pensamento jurídico do ocidente dá a ilusão de que elas se converteram à nossa cultura jurídica. Entretanto, a ideia de lei foi importada (ou imposta pela potência colonial) como uma condição necessária ao comércio com o oriente, não como expressão de valores humanos ou sociais, a exemplo do Japão, que adotou a cultura jurídica para uso externo mas internamente prevalece sua visão própria da ordem humana.
A ideia de direito poderia ter ainda menos pretensão de universalidade que a da lei. O direito é fruto de uma longa história europeia que levou a reconhecer ao homem o domínio das leis que o governam, cujo momento decisivo foi a revolução gregoriana. O papado reciclou o direito romano para o seu uso, se instituindo em fonte viva de leis a serem aplicadas a toda a cristandade e, com o passar do tempo, ao mundo.
Daí se origina a concepção ocidental de direito como sistema autônomo de regras, integrado e evolutivo, e de estado como aquele que nunca morre, fonte das leis e garantidor dos direitos individuais. Na separação de igreja e estado, a religião deu lugar à ciência, o estado tornou-se soberano nacional e internacionalmente, e o homem tornou-se para si mesmo seu próprio fim.
Essa construção foi alterada por uma contradição: de um lado estado e direito repousam em fundamentos nacionais e a sociedade internacional é uma grande sociedade de estados; de outro a ideia romana-canônica de soberania universal aplicada a toda humanidade prevalece.
Assim, as grandes nações procuraram (e ainda procuram) impor a crença no valor universal de seu imperium, seja por propaganda ou pelas armas. Isso fortalece aqueles que enxergam os direitos humanos como uma opressão ocidental e os incitam a revidar esse credo com o deles, voltando contra o ocidente suas próprias técnicas, o que poderia gerar um choque de civilizações e uma guerra de religiões sem precedentes. Os direitos humanos (uma das mais belas expressões do pensamento ocidental), entretanto, merecem um melhor tratamento.
As três figuras do fundamentalismo ocidental
A reflexão sobre valores comuns da humanidade deve evitar desvios fundamentalistas. O fundamentalismo surgiu nos meios tradicionalistas americanos do fim do sec. 19, caracterizando-se pela defesa de uma interpretação literal das escrituras e é encontrado hoje no islamismo, marcado pelo estreitamento do pensamento à letra do Alcorão e da Suna.
A interpretação fundamentalista dos direitos humanos pode se dar de três formas: messianismo (impõe uma interpretação literal dos direitos humanos ao mundo), comunitarismo (torna os direitos humanos uma superioridade do ocidente, negando a capacidade de adotá-los a outras civilizações, em prol do relativismo cultural) e cientificismo (a interpretação dos direitos humanos se reporta aos dogmas da biologia ou da economia, que são as verdadeiras leis intangíveis do comportamento humano).
O messianismo trata os direitos humanos como um texto revelado pelas sociedades desenvolvidas às “em desenvolvimento”, preza por uma interpretação literal deles que deve prevalecer sobre as interpretações teleológicas dos direitos nacionais. Mas a interpretação ao pé da letra de princípios, como o da igualdade, resulta em aberrações, o fato de o pai ser igual ao namorado da filha não lhe dá o direito de se casar com ela. A igualdade jurídica exclui a substitutibilidade daqueles aos quais se aplica, devendo ser interpretada em um contexto referencial.
O fundamentalismo messiânico pretende estender a interpretação radical dos direitos humanos a todos os países, primeiro aos ocidentais e depois aos “em desenvolvimento”, e para tanto se utiliza da mídia e das ciências sociais, além dos planos de desenvolvimento e combate ao “subdesenvolvimento”.
O efeito mais inconteste da interpretação fundamentalista dos direitos humanos é, em contrapartida, alimentar os fundamentalismos antiocidentais e, assim, introduzir os direitos humanos numa guerra de religiões. Assim, a interpretação da igualdade que nega a diferença entre os sexos é respondida com a interpretação que coloca a mulher em um papel definido para sempre.
O comunitarismo, lado outro, encara os direitos humanos como um decálogo revelado apenas ao ocidente, de modo que liberdade, igualdade ou democracia não tem sentido em outras civilizações. Defende a incomunicabilidade de corpus dogmáticos, que são imutáveis, insuscetíveis de evoluir graças aos recursos da interpretação, dando valor normativo ao relativismo cultural.
É um fundamentalismo identitário, pois fecha os homens no fatum de suas origens étnicas ou religiosas. Haveria, de um lado, os homens livres dos direitos humanos, cujo destino é se tornarem os governadores de sua própria vida (por exemplo, nos Estados Unidos, os "white anglo-saxon protestants"), e, do outro, antropoides marcados desde o nascimento por seu pertencimento comunitário (por exemplo, nos Estados Unidos, os afro-americanos, os hispano-americanos, os asiático-americanos) que só poderiam escapar disso tornando-se renegados.
Nacional e internacionalmente, o relativismo, apesar de ornar-se de adereços da tolerância universal, repousa na crença de que a cultura que garante a equivalência entre todas as demais vale mais do que as outras.
O cientificismo, por sua vez, submete a interpretação dos direitos humanos às leis do comportamento humano. O cientificismo é endêmico nas ciências que são as menos seguras de suas bases teóricas, tais como as ciências sociais ou as ciências da vida. A biologia e a economia, juntas ou separadas, quando não são abertamente contrárias aos direitos humanos, tentam impor-lhes a interpretação delas.
Diante disso, os direitos humanos, respaldados unicamente na dogmática jurídica, são frágeis, porque a eles se confrontam todas as crenças que se louvam na ciência seja discutindo sua legalidade, seja entravando sua execução. São avançados dois argumentos para excluir os direitos sociais da esfera jurídica. O primeiro é que eles têm o objetivo de distribuição das riquezas, ao passo que a área do Direito seria por natureza confinada às "regras de justa conduta". O segundo é que eles têm a estrutura de uma crença sobre a coletividade e não de uma garantia individual. Apenas os “direitos de” seriam verdadeiros direitos, pois existiriam independentemente de qualquer devedor, ao passo que os “direitos a” seriam apenas petições de princípio, pendentes da existência de uma organização capaz de honrá-los.
Essas
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