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TRANSEXUAL COMO VITIMA DO FEMINICIDIO

Por:   •  6/9/2018  •  3.185 Palavras (13 Páginas)  •  362 Visualizações

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O crime de feminicídio é o homicídio de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro.

Guilherme de Souza Nucci, leciona que, o feminicidio é uma continuidade da tutela especial da lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006):

“O feminicídio é uma continuidade dessa tutela especial, considerando homicídio qualificado e hediondo a conduta de matar a mulher, valendo-se da sua condição de sexo feminino. Trata-se de uma qualificadora objetiva pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher. Não aquiescemos à ideia de ser uma qualificadora subjetiva (como o motivo torpe ou fútil), somente porque se inseriu a expressão “por razões de condição de sexo feminino”. Não é essa a motivação do homicídio. O agente não mata a mulher porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúmes, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, motivos variados, que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser moralmente relevantes. Sendo objetiva, pode conviver com outras circunstâncias de cunho puramente subjetivo. Exemplificando, pode-se matar a mulher, no ambiente doméstico por motivo fútil, incidindo duas qualificadoras, ser mulher e haver motivo fútil.” [3]

Esclarece-se que não incidirá a qualificadora em qualquer homicídio em que a vítima for mulher, apenas nos casos em que o crime praticado for em razão do gênero. Ademais, para a identificação de que o crime foi praticado em razão do gênero ou não, mostra-se necessário que sejam observadas as circunstâncias e o modo que fora praticado (por exemplo, a violência pode expressar-se por mutilações ou ataques genitais, bem como pode ser apenas a motivação do crime).

Estatisticamente, o Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) mostra ainda o peso da violência doméstica e familiar nas altas taxas de mortes violentas de mulheres. Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta ainda que a residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% dos casos, o que indica que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres.[4]

Continuando o raciocínio de Nucci (2016, pág. 744), o legislador conduzido a fundamentar a opção normativa de uma nova qualificadora na esteira nítida de conferir maior proteção à mulher, por ser do sexo feminino, vale dizer, a pessoa que, em virtude de sua inferioridade de força física, de sua subjugação cultural, de sua dependência econômica, de sua redução de condição de serviçal do homem é a parte do relacionamento doméstico ou familiar. É esse o prisma do feminicidio: matar a mulher em razões de sexo feminino. Matar o mais fraco, algo francamente objetivo.

À título de argumentação, cabe citar que recentemente foi apresentada e aceita a primeira denúncia do Ministério Público de São Paulo por um crime de feminicídio de uma transexual (autos nº 0001798-78.2016.8.26.0052 – 3ª Vara do Júri do Foro da Capital do Tribunal de Justiça de São Paulo), que não havia realizado a cirurgia de redesignação de sexo, nem teve alterado seu nome no registro civil.

O crime ocorreu “em fevereiro deste ano, Michele, 50 anos, foi morta a facadas por Luiz Henrique Marcondes dos Santos, seu parceiro, com quem convivia havia cerca de 10 anos. Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo, essa é a primeira vez que uma transexual é considerada vítima de feminicídio em uma ação judicial.

Michele não fez cirurgia de redesignação sexual ou alterou o nome e gênero no registro civil, mas, segundo o promotor de justiça, Flávio Farinazzo Lorza, que fez a denuncia do caso, “ela era mulher e se identificava como tal. Fez algumas cirurgias, como a manipulação de silicone nos seios. Fazia uso do seu nome social e assim era tratada por todos no seu dia-a-dia, inclusive pelo seu parceiro”.

O crime de feminicídio está previsto no Código Penal Brasileiro, art.121, §2º, inciso VI e §2º-A, inciso I. A lei foi sancionada em março de 2015. Lorza explica que a qualificadora precisa de uma legislação complementar e, como o crime de violência doméstica está previsto no caso, enquadrou a Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).

A denúncia, de acordo com informações da EBC, reforça o entendimento recente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de agressões a mulheres transexuais e travestis, independentemente de cirurgia, alteração do nome ou sexo no documento civil.

O Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo (CRT-SP), responsável pelo Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do estado, tem oferecido suporte técnico em saúde para promotoria do caso.

“O CRT elaborou um parecer que, em resumo, sustenta que as mulheres transexuais são por ciência mulheres. Isso, independentemente de cirurgias. Assim, elas devem ser consideradas mulheres em todas as situações sociais e legais. Ao longo de sua trajetória, elas são submetidas a um corpo biológico diferente de sua identidade. Isso leva a um processo de sofrimento, discriminação e violência que não pode ser tolerado pelo Estado”, diz o médico Paulo Teixeira, consultor sênior do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo.”[5]

Por fim, vale esclarecer que, a alteração que a Lei sofreu pouco tempo antes de ser aprovada, substituindo o vocábulo “gênero” pela expressão “condição de sexo feminino”, na verdade não altera a interpretação, já que a expressão “por razões de sexo feminino” prende-se, igualmente, a razões de gênero. O legislador não almejou trazer uma qualificadora para a morte de mulheres. Se assim fosse bastaria ter colocado: Se o crime for cometido contra mulher, sem utilizar a expressão “por razões da condição de sexo feminino”.(omitimos, grifamos e destacamos) [6]

3. DA POSSIBILIDADE DE FIGURAR PESSOA TRANSEXUAL COMO VÍTIMA DO FEMINICÍDIO

Para explanarmos os motivos que os transexuais podem ser enquadrados como vítimas do feminicídio, vislumbra-se a necessidade de analisar os aspectos psicológicos médicos e jurídicos de tal premissa.

- – DO CRITÉRIO PSICOLÓGICO:

Apesar da vítima ter nascido

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