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Fustel de Coulanges - Cidade Antiga

Por:   •  2/3/2018  •  3.472 Palavras (14 Páginas)  •  465 Visualizações

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religiosas ocorre em Roma. Tendo muitas vezes guerras a sustentar, não era possível para os Reis realizar com cuidado os sacrifícios. Nesse contexto, criaram-se os “Flâmines” para substituírem os Reis essas ocasiões. Fustel assim sugere o surgimento de uma realeza primitiva em Roma.

Há de se destacar a diferença entre a concepção de Rei moderno e de Rei para os antigos. Enquanto para os antigos o Rei era sobre tudo chefe do culto religioso, dotado de auctoritas e muitas vezes sofria limitações de seus poderes; o Rei moderno era absolutista, destituído das responsabilidades religiosas sacerdotais, desprovido de auctoritas e concentrava a potestas.

2º Autoridade Política do Rei:

Na cidade antiga, o sumo sacerdote é também o chefe político. Fato explicado novamente pela analogia entre a esfera pública e a unidade familiar cuja figura principal era o pai de família. Fustel volta a destacar: “A Religião da cidade se confunde com todas as coisas.”. Coisas aqui talvez seja referente às instituições, devido ao fato de que todas as instituições derivam da religião de alguma forma. Tal observação pode ser vista como a base da argumentação de Fustel durante toda sua obra. Esse vínculo das instituições com a religião dava à ela uma abrangência universal dentro da cidade, fazendo parte da vida ativa de todos os cidadãos.

A preponderância da religião na vida privada de cada cidadão exaltava ainda mais a figura do Rei no imaginário popular tendo em vista que o Rei era o intermediário entre os deuses e os homens. O Sacerdote (rei) possuía responsabilidades específicas como velar pelo fogo sagrado da cidade, zelar pelas fórmulas das orações de comunhão com os deuses.

O fato de a religião infiltrar-se no governo, na justiça e na guerra permitia que o sacerdote assumisse encargos relacionados à magistratura, à função de juiz e chefe militar. Aristóteles diz que o Rei de Esparta possuía três atribuições: “Fazer o sacrifício, comandar a guerra e ministrar a justiça”.

Em Roma, as regras constitutivas de sua monarquia eram muito simples, derivaram das próprias regras do culto. O fundador, que instituiu o lar sagrado, foi naturalmente o primeiro sacerdote. Assim como na religião doméstica, o sacerdócio foi hereditário como o próprio poder. Para os antigos a hereditariedade era regra firme para a transmissão do culto. Observa-se, portanto, que a idéia de hereditariedade, muito utilizada na idade moderna, é fruto também da religião Indo-Européia.

Não foi, portanto, a força que determinava os chefes e reis nas cidades antigas. A autoridade decorria do culto do lar público. A religião fez o rei da cidade, tal como antes havia engendrado o chefe de família para a casa. O autor destaca que a realeza estabeleceu-se naturalmente no período de crescimento das cidades antigas, diferente do contexto belicoso moderno em busca do poder político. Mesmo após as revoluções republicanas do mundo antigo, as realezas mantiveram-se dignas de honras e com seus títulos.

Capítulo X, O Magistrado:

Mesmo após a implantação do regime republicano, a autoridade política e o sacerdócio permaneceram fundidos na mesma figura, o magistrado. Os títulos de Prítane e Arconte permaneceram em alguns lugares, indicando o caráter religioso do cargo. Os gregos referiam-se aos seus magistrados como “os que são destinados a realizar o sacrifício.” (reafirmando o caráter religioso da magistratura). Analogamente, o Cônsul, em Roma, possuía a função religiosa de promover sacrifícios.

Fustel frisa que os magistrados antigos em nada se assemelhavam aos chefes de Estado das sociedades modernas. Sacerdócio, justiça e comando se confundiam na mesma pessoa, os Cônsules romanos e magistrados gregos. Em Roma, membros desligados do consulado mantinham consigo suas atribuições sacerdotais e políticas. Para os antigos, qualquer autoridade tinha que ser revestida e algum aspecto religioso para legitimar-se. Apenas os tribunos da plebe não tinham sacrifício algum a realizar, mas também não os contavam entre os verdadeiros magistrados.

O sacerdócio era hereditário e visto como desígnio dos deuses, vontade divina de atribuir àquela família os poderes sacerdotais. Sendo assim, o sufrágio era incapaz de escolher o chefe da cidade. Na Grécia, quando as revoluções suprimiram as antigas realezas, utilizou-se o sorteio para nomear o novo sacerdócio. Em Roma, a escolha do cônsul era feita por nomeação, ou seja, o magistrado em exercício indicava os prováveis cônsules para as eleições, e a efetivação do eleito dependia da confirmação divina por meio de presságios. Ainda que houvesse um caráter eleitoral, acreditava-se que em Roma a escolha era na essência divina.

Todos esses processos visavam encontrar o homem mais amado dos deuses para ocupar o cargo. Em Atenas, o novo eleito era interrogado, entre outras coisas, a respeito de seus deuses domésticos. O homem, não tendo culto de família, não poderia tomar parte no culto nacional. A cidade exigia que o novo magistrado fosse, segundo Platão, de família pura. Tanto em Roma quanto na Grécia, essas eram as ferramentas para verificar a aptidão do magistrado.

Capítulo XI, A lei:

Para os Indo-europeus, a lei surgiu como parte da religião. O direito se confundia com o conjunto de ritos e normas de conduta da religião. As normas sobre o direito de propriedade e direito de sucessão achavam-se dispersas entre as regras relativas ao sacrifício, a sepultura e ao culto dos antepassados. O que os romanos chamavam de leis reais eram aplicadas muitas vezes tanto no culto religioso quanto nas relações da vida civil. O código das doze tábuas era ao mesmo tempo um código constitucional e ritual, continha, por exemplo, minuciosas prescrições sobre os ritos religiosos da sepultura.

Fustel cita Cícero, filósofo cético, que pouco se preocupava com a antiga religião dos lares, mas mesmo assim, julga-se obrigado a registrar em suas leis o aspecto religioso. “Que ninguém se aproxime dos deuses senão com as mãos puras”. Como existiam poucos atos na vida humana sem alguma relação com a religião, quase tudo se submetia às decisões dos sacerdotes. Estes se consideravam os únicos juízes competentes para um número infinito de processos. Por algum tempo, os pontífices eram os próprios jurisconsultos. Esse fato demonstra que, no mundo antigo, existia uma fusão entre o direito e a religião.

Assim como os procedimentos para os rituais estavam legitimados por serem herança dos antepassados, a lei era algo muito antigo, imutável, venerável,

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