DIMENSÕES DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Por: YdecRupolo • 25/9/2018 • 6.642 Palavras (27 Páginas) • 279 Visualizações
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2 Conceito de dignidade humana
A Constituição Federal de 1988, ao instituir o Estado Democrático de Direito, fixou como seu fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Igualmente a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha estabelece que a dignidade humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público.1 Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo em seu preâmbulo, também reconheceu que a dignidade é inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
Entretanto, definir a dignidade da pessoa humana não é tarefa fácil. Frequentemente, lê-se que a dignidade da pessoa humana possui conceito vazio2 ou com contornos imprecisos,3 caracterizado por sua ambiguidade e porosidade,4 bem como por sua natureza polissêmica5 ou pela sua diversidade cultural.
Cabe ao direito reconhecer e proteger a dignidade humana, mas é impossível atribuir-lhe definição jurídica, pois representa a noção filosófica da condição humana.6
Immanuel Kant defende que a dignidade humana é qualidade congênita e inalienável de todos os seres humanos, a qual impede a sua coisificação e se materializa por meio da capacidade de autodeterminação que os indivíduos possuem por meio da razão. Isso ocorre porque os seres humanos têm, na manifestação da sua vontade, o poder de determinar suas ações, de acordo com a ideia de cumprimento de certas leis que adotam, sendo essa característica exclusiva dos seres racionais.7
A dignidade, em sentido jurídico, é uma qualidade intrínseca do ser humano que gera direitos fundamentais: i) de não receber tratamento degradante de sua condição humana (dimensão defensiva); ii) de ter uma vida saudável (dimensão prestacional), vale dizer, de ter a colaboração de todos para poder usufruir de um completo bem-estar físico, mental e social (conforme os parâmetros de vida saudável da Organização Mundial de Saúde); iii) de participar da construção de seu destino e do destino dos demais seres humanos (autonomia e cidadania).8
Assim, o Direito não deve determinar o conteúdo da dignidade humana, mas enunciá-lo como valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente,9 para que fique gravado na consciência coletiva de determinada comunidade e possa ser objeto de proteção, por meio de direitos, liberdades e garantias que a assegurem. Antes, pois, de seu reconhecimento e incorporação pelas Constituições modernas, a dignidade humana depende do reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos e, pois, detentor de “dignidade” própria, cujo fundamento é o direito universal da pessoa humana a ter direitos.10
De qualquer modo, a dignidade da pessoa humana é multidimensional, podendo ser associada a um amplo espectro de condições inerentes à existência humana, tais como a própria vida, a integridade física e psíquica, a plenitude moral, a liberdade, as condições materiais de bem-estar etc.11 Assim, a dignidade humana representa a possibilidade de cada pessoa realizar o próprio projeto de vida, que a comunidade política deve proteger.12
Com efeito, não há como refutar que a dignidade humana tem alcançado um protagonismo jamais visto na história da humanidade.13 Justamente por isso é preciso ter cautela para que a dignidade não sirva de justificação para uma espécie de fundamentalismo da dignidade,14 já que seu conceito é aberto e, como produto cultural, deve ser construído historicamente.
Quando o Poder Judiciário é provocado a se manifestar na solução de determinado conflito versando sobre a dignidade humana, tem o dever de proferir uma decisão (art. 140 do CPC (LGL\2015\1656)). Logo, se da proteção e concretização da dignidade humana é possível extrair consequências jurídicas, é imprescindível, até mesmo para se ter segurança jurídica, a compreensão suficientemente abrangente do seu conceito jurídico.
3 A dimensão ontológica da dignidade humana
A dignidade é uma qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, pois qualifica o ser humano como tal. Essa compreensão já se fazia presente no pensamento clássico. A supremacia e indisponibilidade da dignidade já eram apregoadas, por exemplo, pelo confucionista Meng Zi, no século IV a.C., que dizia que cada homem nasce com uma dignidade que lhe é própria, atribuída por Deus, e que é indisponível para o ser humano e os governantes.15 Cícero também atribuiu à dignidade uma acepção mais ampla, assentada na natureza humana e na posição superior ocupada pelo ser humano no cosmos.16
Nesse contexto, a dignidade é uma qualidade própria do ser humano que vai exigir o respeito por sua vida, liberdade e integridade física e moral, consolidando-se em um conjunto de direitos essenciais que impedem a coisificação do indivíduo,17 independentemente da religião, cultura ou ideologia que adotam.
Pela dimensão ontológica, o valor da pessoa humana exige respeito incondicional por si só, não sendo relevantes os contextos integrantes nem as situações sociais que ela se insira. Embora a pessoa viva em sociedade, sua dignidade pessoal não pode ser sacrificada em nome da comunidade que esteja envolvida, porque a dignidade e a responsabilidade pessoais não se confundem com o papel histórico-social do grupo ou da classe que ela faça parte.18
A dignidade, considerada como um valor, é um bem inalienável, que não pode ser objeto de renúncia ou de transação por parte de seu titular, sobrepondo-se à autonomia da vontade, para evitar qualquer forma de subjugação ou degradação da pessoa.19
Como todas as pessoas são iguais em dignidade, embora possam se comportar de modo diverso, há um dever de respeito e de consideração recíproco de cada pessoa em relação à dignidade alheia, além do dever de respeito e proteção por parte do poder público e da sociedade.20
Além disso, cumpre ressaltar que a dignidade não pressupõe capacidade (psicológica) de autodeterminação. Dela não estão privadas as crianças, as quais se beneficiam de proteção da sociedade e do Estado, nem os portadores de anomalia psíquica. A pessoa conserva a sua dignidade, independentemente das suas condutas, ainda que ilícitas e sancionadas pelo ordenamento jurídico.21
Nessa perspectiva, a dignidade humana, expressa no imperativo categórico de Kant, refere-se à esfera de proteção da pessoa humana enquanto fim em si mesmo, e não como meio para a concretização de interesses
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