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A Desigualdade Social e o Direito

Por:   •  21/3/2018  •  1.862 Palavras (8 Páginas)  •  449 Visualizações

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Tal situação demonstra que se instaura um quadro de dependência da empregada para com a família, em que são impostos limites ao exercício das liberdades da agregada, a qual deve viver sempre de acordo com as possibilidades que lhe são atribuídas, mas nunca do mesmo modo que os outros membros daquele lar. A agregada é obrigada a se entregar totalmente para executar as funções que lhe são exigidas, não podendo ter uma vida própria, pois estará sempre submetida aos seus afazeres domésticos.

Não obstante a conquista da libertação da exploração em torno daquele círculo familiar, que se deu, no caso de Leninha, por meio de um novo “casamento”, a construção de uma vida própria ainda conta com muitas dificuldades e sofrimentos, uma vez que estará sempre condicionada aos mesmos problemas dos membros de sua classe e não terá muitas outras oportunidades. A função de empregada doméstica continua sendo a única forma de prosperar na medida em que o esforço físico é tudo o que se pode fazer para garantir uma renda própria.

A crença na conquista da dignidade por meio do trabalho árduo é uma tentativa de se conseguir uma valorização do próprio esforço e amenizar o sofrimento. Assim, cria-se uma ilusão de que através do empenho pessoal seria possível reverter essa condição social inferior, numa clara manifestação da meritocracia, como também um encobrimento da realidade a que muitos estão alheios de forma a torná-la menos humilhante.

O problema da desigualdade social é também refletido na aplicação do Direito, mais precisamente no que diz respeito à Justiça Penal. O capítulo 14: “A má-fé da justiça” mostra que a diferença de nível social existente entre os operadores do Direito e aqueles que são réus de processos penais, geralmente os membros da “ralé”, aliada à estrutura institucional que de antemão guarda uma desconfiança acerca do caráter desses indivíduos, faz com que a justiça atue como um órgão de controle social, retirando do convívio em comunidade aqueles que são considerados como inimigos da ordem pública. Isso é feito sem se analisar a realidade em que vivem essas pessoas, esquecendo as condições precárias que influem na opção pela criminalidade, de modo que as penas são uma forma de “proteger” a sociedade daqueles que ela mesma exclui.

É mais do que sabido o fato de que as prisões brasileiras ao invés de recuperar o detento, o deixam ainda mais perigoso do que anteriormente, denegrindo moral e fisicamente aqueles que são condenados ao cárcere, onde, paradoxalmente, deveriam ser preparados para a liberdade. Entretanto, aos olhos do judiciário não parece ser preocupante a violação dos direitos fundamentais desses presidiários, pois o mais importante seria simplesmente privá-los de sua liberdade em prol daqueles que dominam a sociedade.

Mesmo quando se quer entender a trajetória que conduziu o réu a tal situação e a partir disso produzir um julgamento mais justo, como tentam fazer alguns juízes mais sensíveis ao problema da desigualdade, esbarra-se em um limite institucional que não permite muitas soluções senão o encarceramento, visto que penas alternativas não são muito utilizadas e não há um real interesse em recuperar os condenados. São muitas as tentativas de justificação desse tipo de procedimento utilizado pela justiça e muitos delas fazem uso de pressupostos sociológicos conservadores que remontam ao senso comum, personalismo e patrimonialismo, sem se levar em conta a estratificação social existente devido a um diferencial de incorporação de conhecimento que torna os membros da “ralé” menos aptos que os demais cidadãos.

Por meio de uma análise do habitus social, percebe-se a desestruturação familiar como um fator relevante para a criminalidade, não havendo por parte dos indivíduos uma internalização de princípios essenciais para a vivência social. A delinquência torna-se uma possibilidade de aquisição de algum poder quando as oportunidades não são suficientes para a concretização das demandas pessoais e a educação recebida não foi capaz de incutir os valores morais necessários ao sujeito.

Indiferente ao contexto em que se desenvolve a criminalidade, a justiça apenas trata de punir aqueles que não tiveram chances de desenvolverem os requisitos necessários à obtenção de reconhecimento social, legitimando a desigualdade existente ao separar os “maus”, aqueles que serão presos, dos “bons”, os pertencentes às classes com poderes dentro da sociedade.

Sob uma perspectiva do Direito como “luta por reconhecimento”, tal qual apresentada por Honneth (2003), em que o sujeito constrói sua identidade a partir de uma relação com o outro na medida em que é reconhecido por suas características e aptidões, é possível depreender que o processo de socialização é imprescindível para a formação humana. Sendo assim, a reversão dessa exclusão da “ralé” só pode ser alcançada a partir de um processo de socialização que permita a incorporação de valores essenciais ao desenvolvimento humano, de forma a possibilitar a concretização das etapas do reconhecimento: autoconfiança, autorrespeito e estima social.

O papel do Direito e de suas instituições seria o de possibilitar uma inclusão desses indivíduos na esfera de atuação do poder público ao reconhecê-los como cidadãos dignos dos mesmos direitos que os demais, mas que necessitam de ações específicas para a incorporação daquele conhecimento a que normalmente não têm acesso, estruturando melhor as relações entre esses sujeitos com também o seu habitus social. Para o sucesso de iniciativas como a descrita, devem ser superadas as barreiras da ciência conservadora para que as verdades acerca da estratificação social deixem de ser encobertas e, com isso, programas de assistência possam ser concretizados de acordo com as reais necessidades da população.

A concepção de Bankowski (2007) de que a comunidade não é formada somente por sujeitos autônomos e independentes, mas de pessoas que são vulneráveis e carecem da ajuda e da compreensão alheias demonstra a necessidade do entendimento do outro como semelhante. Dessa forma, seria possível construir uma

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