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A Cidadania

Por:   •  27/6/2018  •  6.425 Palavras (26 Páginas)  •  282 Visualizações

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A referência aos direitos é, portanto, importante como “instrumento de medida” do acesso ao “patrimônio comum” reservado aos sujeitos (a uma ou outra classe de sujeitos). Entram em exame, a este fim, diversos tipos de direitos: tanto os direitos sociais, diretamente ligados às estratégias distributivas e alocativas adotadas, quanto os direitos políticos, dos quais dependem a forma e o grau de envolvimento “cívico” dos sujeitos. É do conjunto dos direitos referíveis aos sujeitos (a uma ou outra classe de sujeitos) que é possível extrair indicações importantes sobre a relação que corre entre os indivíduos e a ordem político-jurídica. Valha, como exemplo de indubitável importância, a referência ao tema da “cidadania feminina” (e aos problemas que emergem da sua dinâmica histórica integral, das primeiras lutas emancipatórias para a conquista de direitos políticos “iguais” até às mais recentes críticas voltadas ao “formalismo” dos direitos e ao mecanismo representativo).

O parâmetro da cidadania, assim entendido, não serve por outro lado somente a “medir” as diferenças existentes entre sujeitos pertencentes à mesma comunidade política (entre cidadãos em sentido jurídico-formal), mas se presta também a chamar à atenção sobre a relação que se vem criando entre os cidadãos e todos os “outros” sujeitos que, a qualquer título, de qualquer modo vêm a viver na órbita do mesmo ordenamento.

Jogando, portanto, sobre diferentes “indicadores” (e entre estes, antes de mais nada, sobre direitos atribuídos ou negados) se torna possível uma reconstrução do “grau” de cidadania vez a vez garantida a diferentes classes de sujeitos co-presentes em uma espaço sócio-jurídico determinado.

A tal “medição” podem concerner dois tipos de discursos: um discurso de caráter “descritivo”, prevalentemente interessado a compreender (mais do que julgar) as dinâmicas de uma determinada sociedade; um discurso de caráter “valorativo”, prevalentemente orientado a denunciar, em nome da igualdade, qualquer discriminação indevida e a recomendar uma estratégia política e jurídica diferente. Mesmo que conceitualmente distintos, os dois tipos de discurso tendem concretamente a se entrelaçarem, mesmo se na literatura não especializada a dimensão “crítica”, em nome da igualdade, tende a prevalecer sobre a valência “descritiva”.

Um segundo emprego do termo se concentre em um diferente aspecto da relação entre o indivíduo e a ordem político-jurídica: na participação ativa dos sujeitos à comunidade política. Trata-se de uma idéia de cidadania que pode se fundamentar em uma grande a antiga tradição, que encontrou uma expressão moderna no ethos compartilhado pelos protagonistas da revolução francesa: para os quais o cidadão é, sim, titular de alguns direitos fundamentais (como a liberdade e a propriedade), mas encontra a sua necessária realização somente enquanto engajado na esfera pública, politicamente partícipe (“ativo”, para usar a terminologia de Sieyès). A cidadania, então, tende a coincidir com uma visão ética-política que extrai linfa da tradição do republicanismo (antigo e moderno) e se traduz na celebração do pertencimento (com acentos que, de vez em vez, caem sobre a identidade histórico-coletiva ou sobre ligações “comunitárias” ou mesmo salientam a importância da ética pública e do empenho civil e participativo do indivíduo).

Um terceiro emprego de “cidadania”, em fim, nasce da hipótese que uma adequada redefinição do termo “cidadania” permita preencher uma verdadeira e própria lacuna do léxico teórico-político e teórico-jurídico, chamando a atenção sobre um núcleo temático original e relevante: sobre um ponto de intersecção entre o indivíduo, os direitos e a ordem político-jurídica. Nesta perspectiva, “cidadania” assume o significado de uma “janela” aberta sobre um peculiar desenvolvimento da experiência individual e coletiva; se torna um sinal que salienta o nexo “indivíduo-direito-ordem”. Neste sentido, “cidadania” assume uma valência prevalentemente metodológica e “operacional”: é um símbolo que assinala a intenção de desenvolver um programa de operações linguístico-conceituais em torno a um tema. É a este emprego de cidadania que gostaria de dirigir a minha atenção.

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- 3. O tema da cidadania: a identidade político-jurídica do indivíduo

Parece-me que, na especificação do novo campo semântico de “cidadania”, convenha recorrer às seguintes coordenadas: o indivíduo, os seus direitos, o seu pertencer a uma ordem político-jurídica.

Cada um destes elementos tem, obviamente, uma consistência autônoma, um específico (e complexo) estatuto teórico, uma longa e articulada gênese histórica. A absorção destes elementos no conceito de “cidadania” não pode ser resolvida em uma simples soma ou justaposição. A cidadania não é receptáculo dos temas indicados, em todos seus possíveis aspectos. Ela é, muito mais, o ponto de conjunção dos mesmos. É possível falar do indivíduo, dos direitos ou da ordem sem que o tema da cidadania venha evocado, mas não é possível fazer o recíproco, justamente porque (na redefinição convencional que proponho) a cidadania coincide com as intersecções que venham se instaurando entre o indivíduo, os direitos e o pertencer a uma ordem jurídico-política.

O indivíduo é o epicentro do discurso. Dado o seu papel estratégico, poderia ser sustentado com alguma similitude que tal “redefinição” de cidadania pressuponha um horizonte em qualquer medida conexo com o “individualismo metodológico”. Pôr o indivíduo no centro significa se dispor a observar a ordem político-jurídico (para me explicar com uma metáfora espacial) de baixo para cima, do indivíduo para a ordem político-social. É o sujeito, o seu “ponto de vista”, o ângulo da perspectiva do qual observar a constituição da ordem.

Não são, portanto, examinados (nem poderiam ser, dada a enorme complexidade das temáticas), nem o sujeito na totalidade das suas ações politicamente relevantes, nem a estruturação de conjunto da ordem. Vem analisado, muito mais, o seu ponto de conjunção, vem levados em consideração as modalidades e os efeitos da inclusão do sujeito na comunidade política.

Entre os efeitos do pertencer, emerge particularmente o conjunto de deveres e de direitos referíveis ao indivíduo como membro de uma comunidade política. A atribuição de direitos e deveres, a determinação da condição jurídica dos sujeitos, é um momento central do processo político-social.

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