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AS PARTES DE UM TODO: COMO SE CONFIGURA A ESTRUTURA NARRATIVA E A SUA RELAÇÃO COM O LEITOR NOS CONTOS DE LYGIA FAGUNDES TELLES.

Por:   •  12/11/2018  •  3.182 Palavras (13 Páginas)  •  454 Visualizações

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E o menino magrela e dentuço falando sem parar, Carta azul é para amigo mesmo, mas essa daqui cor-de-rosa, está vendo? esta é carta de amor! Esta daqui branca é de amor que acabou mas esta roxa é a carta da saudade, a saudade é roxa, leva tudo e faço um preço especial!. (p.64-65).

Embora o motorista se mostre solidário, sugerindo à personagem a compra da carta, por causa do bom perfume, ela continua na decisão de dizer não. Cumprindo sua rotina, vai ao banco e aos correios, e se depara com um mendigo que a borda na calçada. Ela é criticada por ele que diante de uma negativa dela lhe diz que seu coração é de pedra. Ao voltar para o táxi o motorista a esperava com um semblante de desaprovação, meio que censurando suas atitudes.

Fiquei muda ao sentir que meu semblante tinha descaído como os semblantes bíblicos nas horas das danações. Baixei a cabeça e pensei ainda em Santo Agostinho, “a abelha de Deus fabricando o mel que destila a misericórdia e a verdade”. Afinal, o dia de dizer Não estava mesmo cortado pelo meio porque na outra face da medalha estava o Sim. A vontade podia servir tanto de um lado como do outro, o importante era escolher o lado verdadeiro e para isso seguir a inspiração da razão. Ou do coração? Ora, liberdade nessa inspiração, toda a liberdade para não me sentir como estava me sentindo agora, uma esponja de fel. A ênfase da inspiração! decidi e levantei a cabeça no susto da revelação: o menino das muletas! Era nele que pensava (e não pensava) o tempo todo. (p.66).

Nesse momento nota-se que há uma dualidade, as faces da medalha, que perturba a personagem, a vontade de dizer Não à realidade e a condição de continuar a conviver com ela. Então, ela percebe que tudo é questão de escolha. Possivelmente a realidade não mude, mas pode-se “destilar misericórdia” ao invés de espalhar, ainda mais, o que a sociedade já tem de sobra. Quando se lembrou do “menino das muletas”, pediu ao motorista que retornasse para a rua onde o encontrara, a fim de comprar todas as suas cartas. Porém, não conseguiu encontrá-lo, perguntou aos outros ambulantes se tinham visto “o menino das cartas perfumadas”, mas era tarde demais. A mea culpa que tanto evitava, se estabeleceu de forma bastante dura e incisiva.

A narradora não se apresenta otimista nem superior aos outros personagens pelo simples fato de ser uma voz em primeira pessoa; pelo contrário ela se revela individualista, insegura e frágil, mesmo que isso se coloque contra si mesma, segundo os padrões morais da sociedade, é seu interior, confessando o que pensa de verdade, que lhe dá uma identidade mais natural, ou seja, sendo ela mesma.

A escolha desse tipo de foco narrativo, no conto em discussão, mostra que o narrador conversa o tempo todo com o leitor, e aos olhos deste a história acaba ganhando verdade, quando, nesse diálogo entre o narrador e o leitor não existe intermediário, pois a comunicação é direta. Posto que, o narrador é personagem, ele participa da história, do conflito, faz com que o leitor se aproxime mais, se identifique com o personagem narrador, pois ele compartilha algo pessoal, seu conflito, tornando o diálogo como uma confissão. O leitor se deixar levar pela história como participante desta, como um confidente.

Como conta a história

No conto discutido, anteriormente, a personagem descreve imagens, cenas e situações que modelam o verdadeiro caos social. E cada cena, imagem criada por ela tem a função de desenhar aquilo que é o objetivo do conto: a crítica à realidade social em que a personagem vive. Uma das características encontradas neste livro é aproximação do cotidiano, em que Lygia Fagundes Telles encontra, em pequenos fatos do dia a dia, inspiração para a arte e simbolismo. Como, por exemplo, no conto “O menino e o velho”, visto que o narrador também personagem, relata suas observações sobre o comportamento dos sujeitos que dá nome ao titulo do conto, num restaurante à beira mar.

A história se passa em três momentos. No primeiro contato do narrador com os dois, ele identifica que entre o velho e o menino não existia nenhum laço de parentesco, por conta das diferenças sociais aparentes. Percebeu que o homem evitava o olhar dela, enquanto ele conversava em tom baixo com o menino, como que o convencendo a fazer algo que ninguém mais podia ouvir. No segundo momento, semanas depois, os reencontra e nota que o aspecto do menino melhorou bastante. Vestia roupas novas, tinha unhas e cabelos cortados, parecia mais feliz. No terceiro momento da história, alguns meses mais tardes, ele entra no restaurante novamente, mas não vê os dois. O garçom informa que o menino enforcou o velho com um cordão de nylon, roubou o seu dinheiro e fugiu. Ele foi encontrado nu com o corpo todo machucado.

No primeiro momento, para o narrador tudo parece normal, um velho e um menino que, também aos nossos olhos, poderia ser o avô com seu neto. Porém, a narradora falar das aparências e avisa: “Na aparência, tudo normal: ainda com os resíduos da antiga beleza o avô foi buscar o neto na saída da escola e agora faziam um lanche, gazeteavam? Mas o avô não era o avô.” (p.70).

No entanto, ela continua com a repetição de que não há traços de parentesco por causa das diferenças entre eles: “E não era um avô com o neto, tão nítidas as tais diferenças de classe no contraste entre o homem vestido com simplicidade mas num estilo rebuscado e o menino encardido, um moleque de alguma escola pobre, a mochila de livros toda esbagaçada no espaldar da cadeira.” (p.69). O garçom que atendeu a personagem narradora ao acompanhá-la até a porta, após passar pela mesa onde estavam o velho e o menino, comenta rapidamente, sem ela lhe perguntar nada, que aquele senhor era um homem bom.

No segundo momento, quando volta ao restaurante duas ou três semanas depois, a narradora cruzou com os dois na mesma mesa. A relação que parece existir entre eles é evidenciada na descrição do olhar do velho para o menino: “O velho apertava os olhos para ver melhor e seu olhar era demorado enquanto ia acendendo o cachimbo com gestos vagarosos, compondo todo um ritual de elegância.” (p.70). Nesse trecho, o fogo faz par com o calor do olhar do velho. Esse calor é explicitado: “Deixou o cachimbo no canto da boca e consertou o colarinho da camisa branca que aparecia sob o decote do suéter verde-claro, devia estar sentindo calor mas não tirou o suéter, apenas desabotoou o colarinho.”(p.70). Assim, evidencia que esse “fogo” e “calor” podem está associados à sexualidade, como um jogo de sedução.

No terceiro momento, quando volta ao restaurante, no final

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