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A DECADÊNCIA DOS VALORES MORAIS NO RETRATO DA PEQUENA BURGUESIA DE ERICO VERISSIMO

Por:   •  23/9/2018  •  2.057 Palavras (9 Páginas)  •  466 Visualizações

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Para Meirelles (2008, p.74),

As camadas médias urbanas, evidenciadas na literatura de Erico Verissimo, não

representam uma unidade. Ao contrário, esse segmento social, por abrigar trabalhadores urbanos de universos sociais distintos, revela um caráter heterogêneo e disperso, o que

inviabiliza atribuir- lhe o caráter de classe na acepção marxista.

Em Caminhos Cruzados (1938), Erico Verissimo mostra a trajetória de uma série de personagens pertencentes às camadas médias urbanas de Porto Alegre e que tem em comum o fato de atravessarem uma situação financeira difícil e não se importarem com as pessoas que cruzam os seus caminhos e enfrentam problemas semelhantes.

De acordo com Meirelles (2008, p. 52),

As camadas médias urbanas, em

Caminhos cruzados, são descritas como um segmento social competitivo e

individualista. Esses personagens, portanto, formam um conjunto heterogêneo que não

demonstra perceber-se como um grupo com interesses, anseios e experiências em

comum.

A viúva Mendonça, por exemplo, é proprietária de uma série de imóveis na fictícia Travessa das Acásias e, mesmo ciente de que um de seus inquilinos foi demitido e atravessa sérias dificuldades financeiras para alimentar a família, ameaça o tempo todo despejá-lo. Para Meirelles (2008, p. 54-55),

Esta personagem, ao se posicionar de forma desumana em relação aos problemas sofridos por seu inquilino, parece assumir a lógica do capitalismo, assinalando a perda de valores tradicionais, como os ideais cristãos de compaixão e amor ao próximo, para demarcar a crescente fragmentação das relações humanas. Viúva Mendonça, como um personagem “típico”, que representa traços de uma realidade mais abrangente, aponta para predomínio dos valores orientados pela sociedade de mercado. Além de não guardar quaisquer sentimentos de solidariedade, esta personagem possui uma concepção curiosa sobre a idéia de trabalho, uma vez que considera a renda de aluguéis um “trabalho honesto”, além de sentir-se “explorada” quando algum inquilino deixa de pagar.

A aproximação de vários personagens da trama com a ideologia burguesa aparece de forma bastante clara no retrato da família Pedrosa. Este núcleo de personagens ascendeu socialmente através de um prêmio da loteria e foi viver em Porto Alegre. Zé Pedrosa, agora um burguês enriquecido, sente-se orgulhoso ao se comparar com um antigo amigo que possui uma condição social inferior a sua:

Olhando agora para o teto, o coronel pensa mais uma vez na grande coisa que é ter dinheiro. Lembra-se da vida antiga. Larga o toco de cigarro e pensa: eu só queria era ver a cara do Madruga. O Madruga, magro, asmático, palito na boca, contrariador, implicante... (VERISSIMO, 1997, p. 149)

Neste fragmento, percebemos “que os ideais liberais, tais como a exaltação do indivíduo e a supremacia da propriedade privada constituem valores que orientam a conduta ética e moral dos personagens”. E constatamos que “esses personagens não demonstram ter ideais, modelos e projetos autônomos, e sim parecem se espelhar nos valores e ideais liberais para conduzir suas expectativas”. (MEIRELLES, 2008, p. 56).

Segundo Meirelles (2008, p. 60),

[…] o universo das camadas médias urbanas retratado no romance Caminhos cruzados é composto por um grupo de personagens que, em sua maioria, são apresentados como indivíduos competitivos e individualistas, que não estabelecem laços de unidade e solidariedade entre si, apesar de vivenciarem situações que os aproximam, tais como o desemprego e as dificuldades para sustentarem suas famílias.

Enquanto em Caminhos Cruzados, Erico Verissimo parece não apresentar uma solução para o problema da decadência dos valores morais em nossa sociedade, em Olhai os Lírios do Campo o autor parece apontar um caminho. E a resposta está no próprio título do livro, uma referência ao sermão das montanhas, em que Jesus Cristo explica aos seus discípulos que amar o próximo e fazer o bem é mais importante do que se preocupar com as conquistas materiais:

E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;

E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.

Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (MATEUS 6:28,29, 31)

Toda essa filosofia, se encontra representada a partir da oposição de dois personagens: Eugênio e Olívia, ambos médicos recém-formados, que vivem o dilema de exercer a medicina por dinheiro ou para atender as pessoas carentes:

Centrado na antítese entre a ambição de Eugênio e a ética de Olívia, o romance procura criticar a crise moral presente na sociedade capitalista, na qual muitos renunciam aos valores tradicionais para inserirem-se no topo da hierarquia social. Assim, Eugênio embora se identifique com Olívia e goste de sua companhia, casa-se com Eunice Cintra, filha de um grande empreendedor. Olívia, por sua vez, tem em uma trajetória oposta à do ambicioso Eugênio, optando por atender pacientes pobres. (MEIRELLES, 2008, p. 62-63)

Ao longo da narrativa, Eugênio não consegue se sentir pertencente à classe burguesa e, mesmo usufruindo de uma condição financeira muito boa, decide, após a morte de Olívia, abandonar o padrão de vida burguês e atender as camadas mais pobres da população exercendo a medicina de forma solidária.

Segundo Meirelles (2008, p. 65-66),

Através do romance Olhai os lírios do campo, Erico Verissimo soube denunciar as marcas das relações capitalistas na sociedade brasileira. A partir dos personagens de Eugênio e Olívia, o escritor gaúcho parece ter encontrado na ética cristã uma forma de retratar a fragmentação das relações humanas diante da crescente comercialização da vida. Assim, Eugênio e Olívia buscam resgatar valores tradicionais, em meio às relações de mercado, através de uma espécie de conversão religiosa. A partir de uma perspectiva cristã, atribui-se “culpa” ou responsabilidade apenas aos indivíduos, mas não à sociedade e, portanto, é somente no plano individual

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