“NÃO FEZ A OBRIGAÇÃO, PEDE AGÔ E VÁ EMBORA” O (des)cumprimento de obrigações e o encaminhamento do transe de possessão no terreiro de São Benedito e Vovó Quitéria em Parnaíba-PI
Por: Lidieisa • 24/10/2018 • 3.263 Palavras (14 Páginas) • 350 Visualizações
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No terceiro capítulo, são abordados os dados históricos e mitológicos da comunidade. Para tanto faço um breve levantamento das histórias orais relatadas pelos mais velhos habitantes da comunidade, das quais traçam os caminhos históricos que marcam a fundação de Mandacaru dos Pretos.
Todos os dados apresentados neste primeiro relatório são ainda dados iniciais e que no decorrer do trabalho de campo serão aprofundados.
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- INTRODUÇÃO
- (Re)discutindo o conceito de quilombo, territorialidade e memória coletiva
Conforme escreve a antropóloga Eliane Cantarino O’Dwyer o termo quilombo era usado predominantemente por historiadores e outros profissionais no tocante à construção de novas abordagens sobre nosso passado como nação. A partir da constituição brasileira de 1988 o termo ganha um novo status, atualizado. Assim, quilombo ou remanescente de quilombo, termos usados para conferir direitos territoriais, permitem, “através de várias aproximações, desenhar uma cartografia inédita na atualidade, reinventando novas figuras do social” (O'Dwyer apud Revel, 1998:7). Produziu-se um marco no que diz respeito ao reconhecimento de direitos sociais dos sujeitos remanescentes de quilombos. Dentre o reconhecimento destes direitos, temos no artigo 68 do Ato Constitucional das Disposições Transitórias (ACDT), que garante o direito à propriedade da terra, no qual se inscreve:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (BRASIL, Constituição, 1988).
A promulgação da Constituição de 1988 permitiu que os conceitos de quilombo e remanescentes de quilombo atravessassem por uma série de discussões. Essas discussões se dão em relação a quem a categoria deve ser empregada. Como não se trata de expressão que denomine indivíduos, grupos ou populações levanta a seguinte questão: quem são os chamados remanescentes de quilombos cujos direitos são atribuídos pelo dispositivo legal ? Segundo Almeida (apud O’Dwyer, 2002) desde os estudos clássicos de Perdigão Malheiro em 1866 até os trabalhos de Clóvis Moura de 1966, o conceito de quilombo ficou “frigorificado”, ou seja, era composto dos mesmos elementos descritos que invocavam um passado ligado ao domínio da grande propriedade.
Os primeiros estudos levaram a uma referência histórica do pe-
ríodo colonial. Quase todos os autores consultados, do presente ou
do passado — desde o clássico de Perdigão Malheiro, A escravidão no
Brasil : ensaio histórico, jurídico, social, que é de 1866, até os recentes trabalhos de Clóvis Moura, de 1996 —, trabalhavam com o mesmo con-
ceito jurídico-formal de quilombo, um conceito que ficou, por assim
dizer, frigorificado. Esse conceito, composto de elementos descriti-
vos, foi formulado como uma “resposta ao rei de Portugal” em virtu-
de de consulta feita ao Conselho Ultramarino, em 1740. Quilombo foi
formalmente definido como “toda habitação de negros fugidos, que
passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ran-
chos levantados e nem se achem pilões nele”. (Almeida, 2002, p. 47)
Essa conceituação não só passou a ser rediscutida e reelaborada como foram observados em diversos estudos a existência de outras denominações para as relações territoriais. O’Dwyer (2002) destaca uma “resssemantização” do conceito de quilombo apontada por Almeida (1983), onde se desprende do componente agrário. Essa ressemantização significa que uma identidade histórica que corresponda a forma presente de existência realiza-se através de sistema de relações que marcam um universo social determinado. O’Dwyer (2002) cita Barth (1969) no qual aponta a questão da constratividade cultural não mais depender do observador de fora, ou seja, essas diferenças que caracterizam determinado grupo serão considerados pelos próprios atores sociais como significativas. Esse critério passou a ser considerado na elaboração de laudos antropológicos, e denominado de “autoatribuição”.
No Maranhão os estudos de Almeida (2008) apontam essa ressemantização, no qual os próprios grupos deram nomes e significados para sua relação com o uso comum do território, são as chamadas “terras de preto”, “terras de índios” e “terras de santo”. Essas definições nos mostram que é preciso uma leitura crítica sobre a categoria de quilombo no qual é necessário entender que se tratam de territorialidades específicas contrastando com esquemas de classificações já cristalizados, como no caso a definição de quilombo. Essas denominações tem como característica o uso comum da terra, o que contrastava com o modo de propriedade de grandes latifúndios. Além disso, o uso comum do território era/é um modo de resistência, uma vez que estimulam o livre acesso à ela.
De acordo com Almeida (2008) esse modo de utilizar a terra era muito comum entre escravos evadidos de fazendas de algodão e açúcar, o que ele chama de “territórios libertos”, que tiveram sua multiplicação com os quilombos, mesmo sofrendo diversas formas de ameaças e aniquilamento. Almeida destaca ainda que esse modo de utilização do solo tem suas origens na degradação do sistema de plantations:
[...] Os sistemas de uso comum podem ser lidos, neste sentido, como fenômenos fundados historicamente no processo de desagregação e decadência de plantations algodoeiras e de cana-de-açúcar. Representam formas que emergiram da fragmentação das grandes explorações agrícolas, baseadas na grande propriedade fundiária, na monocultura e nos mecanismos de imobilização da força de trabalho (escravidão e peonagem da dívida). Compreendem situações em que os próprios proprietários entregaram, doaram formalmente ou abandonaram seus domínios face à derrocada. (ALMEIDA, 2008, p.144)
Esses sistemas de uso comum são colocados por Almeida como essenciais para o estreitamento de vínculos e a manutenção ao livre acesso à terra frente aos
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