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Gênero, autonomia e cidadania cultural: desigualdades na experiência democrática e representação politica

Por:   •  29/3/2018  •  5.946 Palavras (24 Páginas)  •  322 Visualizações

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sociais.

Nesse sentido, destacamos o debate relativo às desigualdades de gênero, forjadas, engendradas e reproduzidas nos diversos níveis das relações sociais, analisadas a partir da dimensão díspar na experiência política e democrática, que converte as mulheres em cidadãs de segunda classe. Cabe aqui o esforço de perceber na reprodução das politicas culturais construídas em razão estatal que incluem ou tomam como centralidade a categoria de cidadania cultural enquanto normativa de suas ações, a ausência ou insuficiência da problematização dessas hierarquias de gênero enquanto níveis estruturais sociais, culturais e políticos, e o fato de que não aparecem ainda definições mais profundas dessas relações no que toca ao campo político-cultural mais verticalmente definido.

Parte das críticas às políticas culturais serão representadas na ampliação das possibilidades de interlocução com as definições distintivas da esfera pública que avancem além de uma concepção minimalista da democracia. A opção por estas perspectivas epistemológicas se faz tendo como objetivo privilegiar a percepção de diversas cosmologias e práticas de inserção na vida política e cultural. A recusa a este acento poderia significar que as políticas culturais construídas em razão institucional seriam por demais suficientes para sinalizar a totalidade das relações entre cultura e política, fazendo construir-se mecanismo de invisibilidade aos grupos sociais que são, por evidência, os que representam as múltiplas formas de convivência e de possibilidade de renovação do regime democrático. Desta forma, propõe-se aqui que o não reconhecimento das muitas possibilidades de experiências sociais e a construção de formas de gestão que não beneficiem o tratamento das diferenças entre os agentes sociais ativos do campo cultural traduzem-se em elementos estruturantes de políticas com baixo rigor de seletividade democrática.

Em concordância, negando a instrumentalização da diversidade como fundamento das políticas culturais, pretende-se avançar com a contribuição da literatura identificada ao reconhecimento político, bem como da literatura feminista. As autoras e autores aqui citados comporão um quadro avançado no debate entre a democracia e as formas sociais de redistribuição vinculadas ao padrão de universalização dos direitos nas sociedades modernas, incluindo as críticas e exposições feministas aos limites do liberalismo, a fim de problematizar o substrato ainda inicial presente na cidadania cultural.

2. Novos arranjos políticos: cidadania complexa e teoria da redistribuição

Como forma de avançar no debate sobre as possibilidades da cidadania cultural evidenciar a necessidade de uma nova normatização para as políticas culturais, o trabalho propõe articular duas contribuições da teoria do reconhecimento. As propostas de José Rubio Carracedo e Nancy Fraser optam por uma crítica interna às democracias contemporâneas, seja no sentido da representação política, seja no caráter das atribuições do Estado nos fundos públicos. A questão do reconhecimento ganha nuances diferentes, embora esses autores ressaltem que o caráter universalista é essencial para reivindicar uma condição de não-subordinação na esfera da cidadania.

Carracedo (2003) apresenta a concepção de cidadania complexa, que coloca a conciliação dos conceitos de integração e diferenciação políticossocial que emerge em Estados multiétnicos. Segundo o autor, a teoria da democracia precisa ser renovada para a construção de uma comunidade política contemporânea real. Carracedo expõe um quadro geral de Estados multiétnicos, ressaltando que em todos os casos se dá uma dinâmica assimétrica: um grupo sociocultural majoritário, que quase sempre ostenta uma posição hegemônica na economia e na política, e alguns grupos minoritários, em geral econômico, político e socialmente desfavorecidos.

A ideia do não-reconhecimento ou reconhecimento insuficiente da especificidade permanece sendo vista como uma forma de opressão pelo autor. Para Carracedo, tanto a teoria da justiça quanto a da democracia representativa afetariam a concepção de cidadania nos grupos socialmente desfavorecidos, já que nestes a aspiração cidadã opta, primordialmente, pela obtenção temporária de “direitos especiais de representação”.

A maior contribuição de Carracedo é a elaboração de uma concepção que abrange diversos níveis de integração para a superação da fragmentação social na comunidade política e de qualquer resquício sectário nas demandas dos grupos minoritários. Para isso, a estratégia do autor é fazer conjugar o caráter histórico dos elementos das cidadanias integrada e diferenciada, cujo confronto expressaria a vinculação de uma sociedade e sujeitos complexos, em um sentido público compartilhado de justiça e na representação de interesses de minorias. A integração dependerá, em grande medida, que a maioria reconheça seus direitos diferenciados. Carracedo ressalta, entretanto, que toda política universalista deveria incluir entre os bens primários dos indivíduos o direito à identidade cultural, reconhecendo que cada dignidade é única e diferente de todas as demais.

A teoria da cidadania complexa permitiria, assim, construir uma identidade comum dentro da legítima diferenciação étnico-cultural, enquanto indivíduos e grupos com identidade própria e irrenunciável. Ao vincular o sentido universalista da democracia à perspectiva do reconhecimento político, se tornaria possível constituir uma base de reconhecimento comum e de construção de agendas que superem dinâmicas aparentes de consenso, renovando o espaço de diálogo no universo das representações sociais.

Para o campo das políticas culturais e sociais, o problema não residiria no reconhecimento teórico da identidade, mas em como articulá-la a ações concretas e efetivas de reconhecimento e promoção de identidades, quando os objetivos destas forem congruentes com as garantias dos direitos fundamentais e das políticas universalistas.

Para tanto, seria necessário a produção de uma política da diferença que venha a complementar uma política do reconhecimento. Trata-se de um programa politico de salvaguarda que promova as diversidades étnicas, sociais e culturais, em lugar de políticas cuja vigência ignora a relevância das diferenças para melhor assimilá-las em uma identidade comum abstrata - cidadania cultural, em nosso debate - que, automaticamente, converte os membros das ditas minorias em cidadãos de segunda classe.

A cidadania complexa, tal como formulada por Carracedo, atende a uma tripla exigência. Uma é a igualdade de direitos

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