Diversidade Religiosa na Perspectiva Indígena
Por: Lidieisa • 29/3/2018 • 4.651 Palavras (19 Páginas) • 397 Visualizações
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O Ensino Religioso, como um processo comunicativo crítico, exige uma reinterpretação da fé cristã e da cultura ocidental para uma verdadeira compreensão das religiões indígenas. A aproximação com o “outro”, o conhecimento e a valorização de sua cultura e de seu modo de ser, precisa ocorrer num contexto de diálogo respeitoso. Esta seria uma tentativa não-etnocêntrica de se relacionar com povos e comunidades dominadas e que lutam por espaços de manifestação autônoma.
A escola é também um espaço privilegiado para uma revisão da História e uma busca por mudança de mentalidade por parte de alunos e alunas no que diz respeito às populações indígenas que vivem em nosso país. Para isso precisamos considerar que existem aí implicadas relações assimétricas em termos culturais, sociais e econômicos e que o diálogo interreligioso não está isento destas relações de poder. Mesmo assim, vale a pena tentar, porque ao assumir uma aproximação aberta e permeável à cultura do outro, não se permanece mais o mesmo, a mesma. Esta é a essência do diálogo.
2. Indígenas e a diversidade étnica
Neste texto optamos pela palavra “indígena”, que nos vem do latim, significando “o habitante primitivo de uma terra”. Aquela pessoa que é originária de um determinado país ou determinada localidade. Quem é natural do lugar ou país onde habita. Em outras situações podemos ainda encontrar as seguintes denominações: aborígenes, povos originários ou povos autóctones. Evitaremos o termo “índio” por ser resultado de um erro histórico, apesar de ter sido posteriormente adotado politicamente por esses povos, por representar uma denominação comum, que abarca uma significativa diversidade étnica. Neste sentido devemos considerar a existência no território brasileiro de uma multiplicidade de povos e culturas com línguas, cosmovisões e formas diferenciadas de organização sócio-política e econômica.
3. Povos indígenas como sujeitos religiosos
É importante a identificação dos povos indígenas como sujeitos religiosos. São eles que passam a nos interpelar e a nos interpretar como “outros”. Pois, neste esforço de olhar de outro ponto de vista, de ouvir outras palavras e outros discursos, nós como “outros” ou “outras” também passamos a ser vistos, a ser vistas a partir da perspectiva indígena.
Segundo Carlos Rodrigues Brandão (1986, p.16), “culturas não se relacionam. Quem se relaciona são agentes de cultura, são sujeitos produtores e reprodutores de cultura”. Indo mais além, podemos dizer que religiões não se inculturam, mas agentes religiosos é que promovem a inculturação da religião, na dinâmica da relação, do diálogo e do questionamento mútuo.
Alguns discursos de resistência destes sujeitos religiosos são explicitados em reuniões ou mesmo no dia-a-dia da aldeia, expressando a auto-afirmação de sua perspectiva cultural e religiosa. Cito a seguir parte de um discurso pronunciado no “I Encontro de espiritualidade indígena e fé cristã”, realizado na aldeia Pakuera do povo indígena Bakairi no Mato Grosso (24-27/08/1994), com o apoio do GTME – Grupo de Trabalho Missionário Evangélico. Antônio, guarani ñandeva, na época vice-cacique da aldeia Guarani no Espírito Santo e representante da organização guarani Ñemboaty Guasu disse:
O joão-de-barro não vai dizer para o sabiá fazer casa igualzinha a dele, ou vice-versa. Não vai dizer o meu jeito de fazer casa é mais fácil. Quando a gente conhece, a gente aprende a respeitar. Não aceitamos o fato do cristianismo querer colocar só a sabedoria dele na aldeia. Defendemos também o direito de decidir até que ponto vamos aceitar o que vem lá de fora. Que eles respeitem a nossa cultura como nós respeitamos a deles.
A comunidade me escolheu para defender os direitos do meu povo, direitos que Deus nos deu. Deus criou a terra com a palma da mão. O sol e a lua são feitos pela sabedoria de Deus. O nosso povo sempre respeitou a cultura, a natureza. Os que vieram da Europa já destruíram muito por aqui. O povo, a terra, tudo o que existe no Brasil. Não vai chegar um branco lá da cidade e querer dizer o que nós devemos guardar. A nossa riqueza é a nossa mata, os nossos costumes e a nossa religião (...) nos destruindo eles vão pegar nossa terra. Se nós queremos continuar sendo guarani, temos que manter a nossa religião antiga.
Deus deu a sabedoria a Ñamandu e ele a passou para nós. Deu esta sabedoria e isto é verdade. Deus deu a sabedoria para nós igual na Bíblia, só que não foi escrita. Veio como sabedoria de Ñamandu para os Guarani.
Se nós já temos religião, por que vamos aceitar outra religião? Nós sempre buscamos Deus de madrugada e de noite. Como vamos buscar a Deus na nossa cultura e na outra cultura que não é a nossa? O que o pastor diz é doutrina, está escrito na Bíblia. Para nós a sabedoria está na memória dos mais velhos como um troféu que passa de geração em geração. Se o povo decidir deixar sua cultura, o índio é que vai estar perdendo. Deus vai ficar com lágrimas nos olhos. Vai dizer: “Os meus filhos, os nativos, estão se deixando enganar, estão perdendo a sabedoria”. Porque estaremos entregando o ouro que nós temos, a nossa sabedoria.
Perante as lideranças religiosas indígenas, presentes neste encontro, Antônio revelou uma grande capacidade de oratória, uma característica da cultura guarani. Para nós, o que adquire relevância é aquilo que ele coloca em termos de questionamento e a maneira como ele provoca a reflexão.
As religiões indígenas expressam uma sabedoria, uma maneira própria de ser e de estar no mundo, uma cosmovisão. Esta última precisa ser entendida de uma forma integrada como uma visão sobre si, sobre os outros seres e sobre o mundo.
O teólogo Karl Barth define teologia como um falar “a partir de Deus”, já para a tradição cristã de matriz agostiniana a Teologia é organizada segundo dados da revelação e da experiência humana. Esses dados da revelação e da experiência humana podem também ser percebidos na narrativa de Antônio, na qual a religião permeia todos os momentos e todos os âmbitos da vida.
Na tradição cristã, o sentido literal da palavra teologia define-se como o estudo sobre Deus, que vem do grego theos – “Deus”; logos – “palavra” e por extensão “estudo”. Teologia também pode ser entendida como “sabedoria”, como “conhecimento” ou como estudo de Deus a partir de sua revelação, que no judeo-cristianismo está registrada fundamentalmente nas narrativas da Bíblia. O discurso
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