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O DESENVOLVIMENTO SENSÓRIO-MOTOR DA CRIANÇA E SEUS AVATARES

Por:   •  24/12/2018  •  11.071 Palavras (45 Páginas)  •  390 Visualizações

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III – Os objetos de conhecimento

Os objetos de conhecimento que o bebê acessa se transformam com o desenvolvimento. As habituações elaboradas a partir de regularidades produzidas pela interação são os primeiros objetos aos quais o bebê tem acesso. Este primeiro nível de representação não necessita de distinção entre o que se destaca do organismo e o que se destaca do resto do meio, o objeto de conhecimento e a própria interação.

Os hábitos constituem uma segunda etapa dessas elaborações representativas. Trata-se do espaço do gestos, das representações propriamente sensório-motoras, suportadas pelo próprio movimento. Estas representações “em ação” não têm existência fora da realização do movimento.

É em um terceiro nível, aquele do efeito espacial do gesto, que as representações independentes da ação podem, através de um conjunto de coordenações, estabilizar-se. Estas representações encerram três componentes: as representações do organismo e seus meios sensórios-motores (o corpo), as representações do objeto material, alvo das ações realizadas e um espaço continente polarizado pelos meios sensório-motores colocados em jogo.

Nas primeiras etapas deste desenvolvimento, os componentes sensório-tônicos são cruciais, situam-se em um período do desenvolvimento em que os meios representativos não são destacados da ação.

As variações do estado tônico, consecutivas à modulação de um fluxo percebido, comportam um componente emocional que é intrinsicamente ligado a esta variação tônica. Assim, à variação da “consistência” do organismo corresponde uma variação emocional. Os aspectos representativos ligados a esta covariação remetem esta modulação da consistência como um primeiro lugar de um sentido sensório-tônico; com isso, supõe-se que um envelope corporal se constitua. Pode-se considerar que estas variações de consistência são as premissas do que se tornará a face interna do envelope corporal.

Estas variações de consistência serão bordejadas, contidas pela face externa deste envelope que se constituirá através das tomadas de sentido que o meio humano vai oferecer pelo diálogo tônico aos sinais sensoriais. Esta tomada de sentido não pode se desenvolver a não ser que a face interna ofereça uma consistência suficiente para sua inscrição.

Esta capacidade representativa que se destaca da ação em curso carrega não o gesto, mas o efeito dos gestos. No desenvolvimento, esta capacidade representativa independente da ação não concerne à existência do organismo em seu conjunto. As capacidades instrumentais ligadas a estas elaborações representativas se formam a partir do espaço gravitacional, depois oral, para investir progressivamente o busto, o torso e os membros superiores, a bacia e os membros inferiores. A realização destes aspectos representativos permite conceber o organismo como um corpo articulado imóvel em espaços cada vez mais amplos.

As representações do organismo podem ser compreendidas então como um conjunto de espaços encaixados e dependentes de coordenações sensório-motoras. Estas representações, se elas concernem às zonas cada vez maiores do organismo, não são estáveis. As situações locais podem levar a um retorno para uma etapa anterior. Os fluxos sensoriais podem, assim, servir de continente transitório e, por vezes, substituírem-se a às coordenações falhas. Esta flutuação das representações da imagem corporal é normal, é a fonte principal das variações das performances de um indivíduo.

A realização de uma conduta espacialmente orientada passa por muitas etapas características que constituem o processo de instrumentação. Pode-se observar de início uma reação de alerta que leva ao recrutamento tônico. Esta resposta é seguida de uma reação de orientação que mobiliza os recursos posturais do organismo. A etapa seguinte é constituída por uma avaliação da distância à qual a fonte do fluxo se situa (por exemplo, dentro ou fora do espaço de preensão). Finalmente se engaja em um atividade de exploração ou de consumação que, através das coordenações, constrói e utiliza as praxias necessárias para ação.

As dificuldades no acesso a estes meios de regulação do estado tônico e instrumentação participam da caracterização de problemas do desenvolvimento. Alguns exemplos ilustraram nossa proposta.

Em uma criança portadora de uma lesão em nível de sistema nervoso central, constata-se frequentemente um déficit de habituação a um barulho. A criança manifesta um recrutamento tônico exagerado que não se desfaz e que não é seguido de uma resposta de orientação. Os recursos posturais são insuficientes para assegurar uma postura do corpo útil ao tratamento do sinal.

A dificuldade de estabilizar uma imagem corporal pode levar certas crianças a atividade repetitivas que visam criar fluxos sensoriais bem controlados, induzindo a um conjunto de sensações que presentificam as fronteiras do organismo. Essas condutas, se elas invadem toda atividade do sujeito, tomam a forma de estereótipos. Elas se observam frequentemente nas crianças que, por razões diversas não podem acessar um modo de regulação tônica ligada ao diálogo com meio humano, e aos aspectos representativos que daí decorrem.

Para outras crianças, as dificuldades na localização espacial de uma fonte sonora criadas por otite de repetição impedem as coordenações estáveis entre a posição da cabeça e o som percebido. É uma das causas de desorganização das condutas. O som percebido pela criança a engaja em uma atividade motora importante, visando localizar o som. Mas esta motricidade que não pode orientar, transforma-se em agitação. É uma das fontes de instabilidade na criança.

No plano representativo, constroem-se simultaneamente as representações do organismo, as representações de objeto alcançadas pelo meio sensório-motor e as representações de espaço que lhes contêm. Assim, à permanência de objeto descrita por Piaget, correspondem a permanência de um sujeito e a permanência de espaço concernido. Estes espaços representados são orientados pelos meios sensório-motores postos em jogo para habitar este espaço.

Nesta perspectiva, o espaço não é objeto do meio, ele é fruto de coordenações. Os componentes dessa coordenação vão qualificar o espaço: falaremos de espaço uterino, de espaço da gravidade, de espaço oral, de espaço do busto, de espaço do torso e espaço do corpo. É nesta ordem que os diferentes espaços são investidos no desenvolvimento. Vamos revê-los.

IV

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