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Sucessões - O tratamento da união estável no direito das sucessões

Por:   •  17/4/2018  •  9.858 Palavras (40 Páginas)  •  424 Visualizações

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“§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Em regra, o regime observado no âmbito de uma união estável é o da comunhão parcial, conforme prevê o artigo 1.725, "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". A relação é caracterizada pelo afeto e pela reciprocidade entre os companheiros, constituindo assim, um vínculo de fato.

Nesse sentindo, cumpre mencionar as leis nos 8.971/94 e 9.278/96, que também normatizaram a união estável, de forma a igualar os companheiros aos cônjuges, quanto ao direito das sucessões. Caio Mário[1] cita essa legislação em sua obra:

“Embora com terminologia vacilante – aludia-se ora a “companheiros”, ora a “conviventes” –, as duas leis que, na década de 90 do século passado, se ocuparam do tema reconheciam a quem vivesse em união estável com o de cujus uma participação no acervo hereditário, em concorrência com herdeiros de classes preferenciais (descendentes e ascendentes); e, na ausência destes, possibilitavam o chamamento do companheiro a receber a herança em sua integralidade, preferindo aos parentes colaterais do finado.”

Conforme o ilustre doutrinador, essas Leis conferiam ao companheiro os seguintes direitos sucessórios: (a) usufruto sobre porção variável do acervo hereditário: concorrendo com descendentes, aquele direito incidia sobre um quarto; concorrendo com ascendentes, sobre metade; (b) na falta de descendentes e ascendentes, cabia ao companheiro a totalidade da herança, caso em que ele a recebia como seu proprietário; (c) direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência familiar, sujeito, porém, à resolução em virtude de nova união estável ou de casamento de seu titular.

Como pode ser observado, tais direitos sucessórios foram concebidos no sentido de uma tentativa de equiparação do que a lei conferia ao cônjuge, para que ambas as situações pudessem ser semelhantes quanto ao trato sucessório.

Contudo, com a promulgação do Código Civil de 2002, o casamento voltou a ter um amparo legal superior à união estável, por força da revogação parcial das leis nos 8.971/94 e 9.278/96, de forma a contrariar a proteção garantida aos companheiros, representando um retrocesso legislativo.

Análise do artigo 1.829

O companheiro encontra-se em posição desfavorável em relação ao cônjuge, pois além de não ter sido incluído no rol dos herdeiros necessários, o companheiro também não foi inserido no rol do artigo 1.829, não lhe sendo atribuídos direitos como sucessor legítimo na vocação hereditária.

A ordem de vocação hereditária possui caráter excludente. A relação é preferencial, existindo herdeiro de uma classe, exclui o chamamento à sucessão dos herdeiros da classe subsequente:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Alguns juristas sustentam ser o convivente herdeiro necessário, como consta na tabela do Professor Francisco Cahali, a opinião de Caio Mário da Silva Pereira, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Luiz Paulo Vieira de Carvalho e Maria Berenice Dias, Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes. Assim, sustentam que não seria razoável excluir o companheiro da vocação hereditária, tão somente por não ter sido mencionado expressamente no rol do artigo 1.829.

Se interpretado literalmente, esse artigo seria inconstitucional, ao passo que contraria a proteção garantida ao companheiro pela Constituição Federal, como também afronta os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Portanto, os juristas acima mencionados possuem razão em defender que não se pode excluir o companheiro do rol da vocação hereditária, mais correto seria interpretar o artigo 1.829 de forma a entender-se que “cônjuge” significa “cônjuge ou companheiro”.

Nesse sentido, cabe apontar as críticas de Francisco Cahali[2] ao novo diploma quanto à união estável, e especificamente aos direitos sucessórios:

“Críticas foram feitas ao projeto do Código Civil de 2002 pela falta de previsão, em sua versão original e naquela após as emendas do Senado, de efeitos jurídicos da união estável. Pior, porém, a inclusão do direito sucessório de forma aleijada, como promovida pelo Código na versão que veio a ser publicada, pois, embora traga o companheiro sobrevivente à primeira classe de preferência para receber uma parte da herança, na falta de descendentes e ascendentes, a nova lei força caminho na contramão da evolução doutrinária, legislativa e jurisprudencial elaborada à luz da Constituição Federal de 1988, na medida em que distancia os efeitos sucessórios da união estável daqueles decorrentes do casamento.

[...]

Houve nestes aspectos um reprovável retrocesso, privando os partícipes da união estável de várias conquistas alcançadas com muito esforço da sociedade (grifo nosso).”

Os tribunais também entendem pela não aplicabilidade do artigo 1.829 de forma literal, como pode ser observado em julgamento recente:

“Agravo de instrumento. Inventário. Sucessão da companheira. Bens integrantes da herança que foram adquiridos na vigência da união estável. Constitucionalidade do art. 1.790 do CC reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal. Inaplicabilidade do art. 1.829, I, do CC. Companheira que deve concorrer com os descendentes em relação à metade ideal dos bens adquiridos onerosamente durante o período de convivência. Recurso provido. (TJ-SP - AI: 21539758620158260000 SP 2153975-86.2015.8.26.0000, Relator: Hamid Bdine, Data de Julgamento: 08/10/2015, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/10/2015) (grifos nossos).”

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