O ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL E A ADPF N°347
Por: Evandro.2016 • 16/3/2018 • 10.158 Palavras (41 Páginas) • 281 Visualizações
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Nesta perspectiva destacamos o artigo 103 e particularmente o §2º que prescreve evidente limitação do Supremo nas competências dos demais Poderes[5].
Note-se que nos termos da norma transcrita, declarada a inconstitucionalidade por omissão, o poder do Supremo se restringe a cientificar o Poder Legislativo ou Executivo para que supra a omissão declarada. No contraponto, não prevê, garante, ou assegura ao Supremo uma competência que permita atribuir-se um poder de fixar politicas públicas, definir prioridades, ou ainda gerir e administrar a execução dessas políticas. Conforme detalharemos nos capítulos posteriores, a recente atuação do Supremo indica, na mais reduzida das interpretações, uma disposição de incluir dentro da sua esfera de atuação uma função, que para o espectador atento, contém todas as características de atuação tipicamente legislativa e executiva.
É neste contexto que Ives Gandra da Silva Martins afirma que o Supremo Tribunal Federal se está “transformado em constituinte derivado, em legislador positivo e invadindo a esfera de competência do Congresso Nacional, lastreado exclusivamente no princípio "magister dixit" e não pode ser contestado.”[6] Perfilhamos de entendimento semelhante, pelo menos no que se reporta à constatação de que, desde pelo menos o início deste Século, o Supremo vem adotando e fixando jurisprudência sucessiva que corrobora a conclusão de significativo alargamento das competências da Corte Suprema muito para além da visão clássica da competência jurisdicional de apenas interpretar e aplicar a norma jurídica.
Mais relevante que esta constatação, é a conclusão que até ao momento o Supremo não empreendeu qualquer tentativa de criar uma sistemática teórica e jurídica sob o plano o direito Constitucional, e perante o texto da Constituição, que sustente seu posicionamento e o alargamento de competências autodeterminadas. Conforme destacaremos oportunamente, esta ausência de motivação jurídica ampla e convincente cria relevantes reservas e temor de que a atuação do Supremo venha a pautar-se por intervenções autocráticas e sem legitimidade popular. De outro lado, a ausência dessa fixação do quadro teórico de sua atuação/função/competência ampliada, desconsidera e omite um aspecto fundamental que é o balizamento ou limites dessa atuação.
O balizamento de funções, competências, atribuições ou autoridade é pré-requisito essencial à fiscalização dessa atuação. Sendo essa atuação de amplitude ilimitada, naturalmente que inexistirá qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade a ser declarada e decretada. Partindo do pressuposto que a ordem constitucional pátria repugna poderes ilimitados, inerentemente inconstitucionais, a atuação do Supremo e limites desta, exige perfeita, rigorosa e prévia definição, essencial para a verificação de sua conformidade com a ordem constitucional. Esta omissão, sob o ponto de vista constitucional é grave.
Estas considerações têm particular relevância e aproveitamento no caso da ADPF nº 347, cuja análise é objeto central do presente trabalho, na qual o Supremo internalizou a denominada teoria do Estado de Coisas Inconstitucional emprestada da Corte Suprema Colombiana, com base na qual o Supremo manifesta e exterioriza que, em determinadas situações e condições, pode ampliar significativamente as suas competências, inclusive para determinar politicas públicas. Sem antecipar prematuramente estas questões, importa adiantar que, no mínimo, o Supremo deve assegurar a Segurança Jurídica associada à sua atuação, transmitindo aos demais poderes, e à sociedade de um modo geral, regras claras que definam os limites e amplitude de sua atuação. Parece-nos que até ao presente momento, o Supremo vem se omitindo em definir os limites de sua atuação, o que pode gerar uma crise constitucional de amplitude imprevisível.
Sem prejuízo dos perigos evidentes à ordem constitucional, esta entendida como a organização do Estado implementada pelo legislador Constituinte, vislumbram-se aspectos positivos, que merecem destaque idêntico, mas que não suplantam as incertezas que subsistem.
Cumpre ainda afastar potenciais equívocos que possam ser inferidos de afirmações formuladas neste artigo. Não se pretende afirmar que o Supremo pretende, ou sequer, tem a pretensão de definir sua atuação e competência como legislador positivo subsidiário ou privilegiado em competição com os demais poderes. Essa possibilidade apenas vem ocorrendo quando o Supremo confronta situações de manifesta violação de preceitos fundamentais, em particular dos direitos sociais previstos expressamente na constituição. Relativamente a outras matérias, a STF declara consistentemente que é vedada ao Poder Judiciário a atuação como legislador positivo. Exemplificativamente, transcreve-se a decisão seguinte[7].
Neste contexto, o presente trabalho centra-se na atuação do Supremo no campo da defesa e proteção dos direitos fundamentais individuais, notadamente os direitos sociais, a configuração que essa defesa assume no contexto da ordem constitucional, em face do texto Constitucional e dos princípios fundamentais nele inscritos.
O Capítulo 1 conterá breve relato da origem do Estado de Coisas Inconstitucional. No Capítulo 2 apresentaremos a definição do conceito, teoria ou instituto do Estado de Coisas Inconstitucional. No Capítulo 3, com auxílio em diversas decisões, analisaremos a intervenção do Supremo nas competências dos Poderes Legislativo e Executivo. No Capítulo 4 sustentado numa análise do voto do Relator da ADPF 347, faremos uma crítica dos aspectos mais relevantes que decorrem da decretação do Estado de Coisas Inconstitucional e as consequências dessa decretação.
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- A ORIGEM DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
O Estado de Coisas Inconstitucional tem sua génese e conceptualização na Corte Constitucional Colombiana no final do século passado como reflexo ou consequência da incapacidade dos poderes públicos resolverem problemas sociais críticos e reiteradas violações dos direitos fundamentais.
Em diversas decisões históricas, a Corte Constitucional Colombiana abandonou as concepções clássicas e ortodoxas do Estado Democrático de Direito, em particular aquelas emanadas pelo Princípio da Separação dos Poderes, através de decisões inovadoras sob o plano da motivação, fundamentação, hermenêutica e construção sistemática do direito constitucional, engajando-se na efetiva e concreta resolução dos desiquilíbrios
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