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Lei maria da penha, solução ou medida paliativa

Por:   •  2/11/2018  •  16.943 Palavras (68 Páginas)  •  366 Visualizações

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Nesse caso, quando conhecem as possibilidades de privação da liberdade do sujeito ativo, as vítimas têm dificuldades em denunciar o abuso sofrido. Com efeito, a irreversibilidade do procedimento processual penal, findará por inibir a procura do auxílio judicial e contribuir para renascer a violência doméstica contra as mulheres, pois o próprio instrumento reservado à proteção feminina irá penalizá-la.

Frente aos interesses opostos da vítima no conflito, as razões de política criminal que pautam a opção legislativa pela ação penal pública condicionada, a proximidade entre sujeito ativo e passivo, que compartilham de uma relação estreita; e a proteção de vítima contra novos danos que podem ser causados pelo próprio processo – devem ser convocadas em atenção às mulheres em situação de violência. É evidente a incapacidade da superação dos conflitos interpessoais pela via formal da justiça criminal, visto que ela se apropria do conflito das vítimas, fugindo aos propósitos de escuta das partes envolvidas, não apresentando soluções e efeitos positivos sobre os envolvidos ou sequer prevenindo as situações de violência.

A Lei que surgiu com a finalidade de prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, por haver retirado a fala feminina do espaço público e não ser contemplado as peculiaridades dos conflitos de gênero e a falência do sistema punitivo, pode contribuir para a ocultação dos dados relativos à violência, já que as mulheres vítimas preferem o silêncio à dolorosa e ineficiente intervenção do sistema penal no ambiente doméstico. Nesse contexto, são urgentes que se ampliem as discussões a respeito das melhores formas de resolução dos conflitos domésticos para além do sistema penal e, por ora, conferir à vítima a possibilidade de avaliar, conforme valorações íntimas, a oportunidade e conveniência da ação penal.

1.2 Perfil do réu. O homem ou a mulher?

O Direito Penal, ao longo da história, apropriou-se da expressão mulher honesta, aprisionando a honestidade da mulher aos fatos relacionados à sua sexualidade. Posteriormente, a expressão mulher honesta ganhou amplitude, pelo fato de que algumas mulheres, mesmo sendo prostitutas, poderiam ser enquadradas como desonestas, como por exemplo, aquelas denominadas “fáceis”, as que se entregam a todos que a desejam, só por prazer, sem intenção de lucro.

É interessante notar que a honestidade masculina nada tem a ver com sua sexualidade, ao contrário, o homem pode ter várias mulheres ao longo de sua vida e ser honesto. A sexualidade torna o homem mais viril, engrandecendo-o nunca o desvaloriza. É válido destacar que o sexo masculino sempre esteve ligado a atividade consideradas nobres, já mulher sempre esteve associada à figura doméstica, à fragilidade. Com relação à sexualidade é evidente que esta atividade é engrandecedora para o homem e aviltante para a mulher. Se a mulher tenta realiza-la tal qual o homem, perde a sua honestidade, porém é oportuno observar que quando os homens assumem funções que são tipicamente das mulheres, eles enobrecem tais funções. Sobre esse tema, esclarecedora é a exemplificação: quando o homem não pode se rebaixar-se a realizar certas tarefas socialmente designadas como inferiores, fúteis, ou insignificantes e fáceis por serem femininas, basta que os homens assumam estas tarefas reputadas e as realizem fora da esfera privada para que elas se vejam transfiguradas, as mesmas se tornam nobres quando realizadas por homens.

A divisão dos papéis, entre o masculino e o feminino, é tão arraigada na sociedade, que aparenta normalidade. A força dos textos e das categorias se apresenta de forma tão evidente, que se percebem, com naturalidade as tarefas apresentadas aos homens e às mulheres. Dessa forma o mundo social e suas arbitrárias divisões, a começar pela divisão socialmente construída entre os sexos, como naturais, evidentes, e adquire um conhecimento de legitimidade. A força masculina é tão forte que dispensa qualquer forma de justificação.

O Direito é também, sem dúvida, uma das formas de legitimar essa visão. Os crimes contra os costumes são um exemplo em que tanto a lei, quanto a doutrina e a jurisprudência continuam reproduzindo a divisão dos papéis entre o masculino e o feminino, e a incapacidade da mulher em decidir sobre a sua sexualidade. O feminino recebe a sua classificação, pois a mulher pode ser ingênua, frágil, ou por outro lado pode ser astuta, aproveitadora e só a primeira é honesta e merece a proteção do Direito.

A longa experiência que tenho tido de processos desta ordem, como promotor público e juiz criminal, ensinou-me que duas espécies de mulheres se apresentam perante a justiça como vítimas de atentados contra a sua honra. Umas são em verdade dignas da proteção das leis e da severidade inflexível do juiz. Tímidas, ingênuas, incautas, foram realmente vítimas da força brutal do estuprador ou dos artifícios fraudulentos do sedutor. Mas há outras corrompidas e ambiciosas que procuram fazer chantagem, espetacular com a fortuna ou posição do homem, atribuindo-lhe a responsabilidade de uma sedução que não existiu, porque elas propositalmente a provocaram, ou uma suposta violência, imaginaria, fictícia. Conhecer bem os elementos característicos do delito; apreciar com perspicácia o valor das provas, para bem distinguir duas classes de mulheres, umas que sofrem, outras que especulam, é dever imprescindível do magistrado. (CASTRO, Viveiros de, Delitos contra a honra da mulher. RJ, 1897)

Percebe-se que os discursos, no final do século XIX até meados do século XX, praticamente não mudaram. Hoje, no início do século XXI, ganharam outras formas, fazendo funcionar a ordem social como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a denominação masculina sobre a qual se alicerça, condenando tudo o que pudesse ofuscar tal denominação. A reputação da mulher, sem dúvida continua sendo uma forma de controle informal para defini-la como boa ou má, prostituta ou honesta. O comportamento sexual pode trazer uma ou outra reputação para a mulher e quem controla essa reputação são os homens, selecionando as mulheres “para casar” das mulheres “para se relacionar”. Até hoje, a sociedade distribui a honra e a reputação das mulheres em conformidade com sua conduta sexual. Trata-se do bem jurídico moral sexual das mulheres honestas, maiores ou menores de idade, é protegida.

A mulher quando atende aos requisitos de “honestidade”, pode ser considerada vítima de crimes e merece a proteção do Direito Penal, mas se desonesta, passa de vítima para provocadora, e recebe

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