Fichamento Casa Grande e Senzala
Por: Sara • 27/9/2018 • 3.422 Palavras (14 Páginas) • 427 Visualizações
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******O que a arquitetura das casas-grandes adquiriu dos conventos foi antes certa doçura e simplicidade franciscana. A arquitetura jesuítica e de igreja foi, a expressão mais alta e erudita de arquitetura no Brasil colonial. Influenciou certamente a da casa-grande. Esta, porém, seguindo seu próprio ritmo, seu sentido patriarcal, e experimentando maior necessidade que a puramente eclesiástica de adaptar-se ao meio, individualizou-se e criou tamanha importância que acabou dominando a arquitetura de conventos e igrejas. Se a casa-grande absorveu das igrejas e conventos valores e recursos de técnica, também as igrejas assimilaram caracteres da casa-grande: o copiar, por exemplo. Nada mais interessante que certas igrejas do interior do Brasil com alpendre na frente ou dos lados como qualquer casa de residência.
A casa-grande venceu no Brasil a Igreja, nos impulsos que esta a principio manifestou para ser a dona da terra. Vencido o jesuíta, o senhor de engenho ficou dominando a colônia quase sozinho. O verdadeiro dono do Brasil. Mais do que os vice-reis e os bispos.
A força concentrou-se nas mãos dos senhores rurais, donos das terras, donos dos homens, donos das mulheres. Suas casas representam esse imenso poderio feudal, paredes grossas, alicerces profundos, óleo de baleia. Refere uma tradição nortista que um senhor de engenho mais ansioso de perpetuidade não se conteve: mandou matar dois escravos e enterrá-los nos alicerces da casa. O suor e às vezes o sangue dos negros foi o óleo que mais do que o de baleia ajudou a dar aos alicerces das casas-grandes sua consistência quase de fortaleza.
******Por falta de potencial humano, toda essa solidez arrogante de forma e de material foi muitas vezes inútil: na terceira ou quarta geração, casas enormes edificadas para atravessar séculos começaram a esfarelar-se de podres por abandono e falta de conservação. Incapacidade dos bisnetos ou mesmo netos para conservarem a herança ancestral.
O costume de se enterrarem os mortos dentro de casa- na capela, que era uma puxada da casa- é bem característico do espirito patriarcal de coesão de família. Os mortos continuavam sob o mesmo teto que os vivos. Entre os santos e as flores devotas. Santos e mortos eram afinal parte da família. Quando se perdia um dedal, uma tesoura, uma moedinha, Santo Antônio que desse conta de objeto perdido. Nunca deixou de haver no patriarcalismo brasileiro, ainda mais que no português, perfeita intimidade com os santos.
Abaixo dos santos e acima dos vivos ficavam, na hierarquia patriarcal, os mortos, governando e vigiando o mais possível a vida dos filhos, netos, bisnetos. Em muita casa-grande conservavam-se seus retratos no santuário, entre as imagens dos santos. Também se conservavam às vezes as tranças das senhoras, os cachos dos meninos que morriam anjos. Um culto domestico dos mortos que lembra o dos antigos gregos e romanos.
A casa-grande patriarcal desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco. Dentro de suas grossas paredes, debaixo dos tijolos ou mosaicos, no chão, enterrava-se dinheiro, guardavam-se joias, ouro, valores. Às vezes guardavam-se joias nas capelas, enfeitando os santos, os ladrões, naqueles tempos piedosos, raramente ousavam entrar nas capelas e roubar os santos.
Por segurança e precaução, os grandes proprietários, enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos. Houve senhores sem escrúpulos que, aceitando valores para guardar, fingiram-se depois de estranhos e desentendidos.
Os frades, também desempenharam funções de banqueiros nos tempos coloniais. Muito dinheiro se deu para guardar aos frades nos seus conventos duros e inacessíveis como fortalezas.
****Em contraste com o nomadismo aventureiro dos bandeirantes – em sua maioria mestiços de brancos com índios – os senhores das casas-grandes representaram na formação brasileira a tendência mais caracteristicamente portuguesa, isto é, pé de boi, no sentido de estabilidade patriarcal. Estabilidade apoiada no açúcar (engenho) e no negro (senzala). O português mais puro, que se fixou em senhor de engenho, apoiado antes no negro do que no índio, representa talvez, na sua tendência para a estabilidade, uma especialização psicológica em contraste com a do índio e a do mestiço de índio com português para a mobilidade.
A verdade é que em torno dos senhores de engenho criou-se o tipo de civilização mais estável na América hispânica; e esse tipo de civilização, ilustra-o a arquitetura gorda, horizontal, das casas-grandes. Cozinhas enormes; vastas salas de jantar; numerosos quartos para filhos e hóspedes; capela; puxadas para acomodação dos filhos casados; camarinhas no centro para a reclusão quase monástica das moças solteiras; gineceu; copiar; senzala.
A casa-grande, embora associada particularmente ao engenho de cana, ao patriarcalismo nortista, não se deve considerar expressão exclusiva do açúcar, mas da monocultura escravocrata e latifundiária em geral: criou-a no Sul o café tão brasileiro como no Norte o açúcar. Notam-se, é certo, variações devidas umas a diferenças e clima, outras a contrastes psicológicos e ao fato da monocultura latifundiária ter sido, em São Paulo, pelo menos, um regime sobreposto, no fim do século XVIII, ao da pequena propriedade.
Eram casas, as paulistas, “sempre construídas em terreno íngreme, de forte plano inclinado, protegidas do vento sul, de modo que do lado de baixo o prédio tinha um andar térreo, o que lhe dava desse lado aparência de sobrado”. Surpreende-se nos casarões do Sul um ar mais fechado e mais retraído do que nas casas nortistas; mas o “terraço, de onde com a vista o fazendeiro abarcava todo o organismo da vida rural”, é o mesmo do Norte; o mesmo terraço hospitaleiro, patriarcal e bom.
A historia social da casa-grande é a história intima de quase todo brasileiro: da sua vida domestica, conjugal, sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo; da sua vida de menino; do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala.
As confissões e denuncias reunidas pela visitação do Santo Ofício às partes do Brasil constituem material precioso para o estudo da vida sexual e de família no Brasil dos séculos XVI E XVII. Indicam-nos a idade das moças casarem, o jogo de gamão, a pompa dramática das procissões. Outros documentos auxiliam o estudioso da historia íntima da família brasileira: inventários, cartas de sesmaria, testamentos, correspondências da Corte e ordens reais; pastorais e relatórios de bispos; atas de sessões de Ordens Terceiras, confrarias, as atas e o registro-geral
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