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CORPOS REBELDES E A LEGITIMAÇÃO DO PODER: UM OLHAR FOUCAULTIANO SOBRE O FILME ÚLTIMA PARADA 174

Por:   •  28/3/2018  •  3.597 Palavras (15 Páginas)  •  458 Visualizações

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Alessandro, também conhecido como Alê, é o primeiro personagem apresentado na trama, filho de Marisa. É arrancado dos braços da mãe ainda recém-nascido como forma de ressarcimento pelas dívidas que ela possuía com o tráfico. Passa a ser instruído pelo Traficante Meleca, chefe do Comando Vermelho naquela comunidade, para dar sequência às atividades ilícitas da “figura paterna”. É educado perante o crime, tornando-se criminoso e assumindo, ainda jovem, o papel de delinquente.

Sandro, o protagonista, é criado em meio à periferia. Tem sua mãe, única instituição familiar próxima, assassinada ainda quando criança, assinalando de forma marcante sua infância e desestruturando seu âmbito familiar. Torna-se inquilino e passa a viver na casa de seus tios, a qual não reconhece quanto residência devido a uma má harmonia com o esposo de sua tia. Comete evasão escolar. Utiliza a balsa e muda o seu rumo para morar nas ruas, nos arredores da Igreja da Candelária, em meio a outras crianças que o inclinaram a realizar pequenos furtos em conjunto. Conhece “Soninha” (também menina de rua), com quem inicia sua vida sexual e, no decorrer, constrói um envolvimento amoroso. Passa a ser usuário de drogas na convivência de outros jovens. A vida na rua, as atitudes ilícitas e a representação da imagem daquelas crianças entra em descompasso com a estrutura vigente tida como organizada, aquele espaço torna-se desagradável para os comerciantes locais e para a polícia, ocasionando a Chacina da Candelária, a qual o filme retrata a partir da morte dos diversos garotos de rua ali presentes. Uma ONG resgata os meninos sobreviventes para um refúgio em uma comunidade da cidade onde, devido às drogas, Sandro acaba por fugir e, posteriormente, em meio ao consumo, termina sendo apreendido.

Na casa de detenção, Alê e Sandro se conhecem, tornam-se amigos, tramam juntos sua fuga e viram parceiros de crime, qualificando-se como irmãos. É nesse momento que volta à trama Marisa, mãe de Alessandro, que, após um período de abandono ao vício e dedicação ao meio religioso, inicia a busca pelo seu filho, confundindo-o com Sandro. Nesse momento, o protagonista reencontra Soninha que, trabalhando com a prostituição, acaba por findar o curto relacionamento amoroso entre os dois. Alê tem o ímpeto de se envolver com crimes de maior gravidade e, por não acreditar na capacidade de Sandro, rompe seu laço de irmandade. Com o intuito de mudar de vida e se recuperar, Sandro procura por Tia Walquíria (a representante da ONG que o resgatou na Chacina da Candelária) e por Marisa, e tenta realizar seu anseio de se tornar um rapper, que contudo, não obteve sucesso.

Com insucesso em sua carreira, o rompimento com seu parceiro de crime, a desilusão amorosa com Soninha e o declínio de sua relação com Marisa e Tia Walquíria, Sandro assalta o companheiro de sua mãe, obtendo um revólver e o dinheiro suficiente para comprar drogas. Entra no ônibus 174 e, sob o efeito dos entorpecentes e com a denúncia à polícia por um dos passageiros, tem a reação que culmina na realização do crime, sequestrando todos os passageiros ali presentes. Houve uma repercussão nacional e internacional do caso. Sandro ganhou destaque e reputação pela sociedade, entretanto, possuindo seu contraste social como único fim possível e personificado de sua vida: através de um delinquente.

Apesar de o filme tentar retratar o caso como uma construção complexa da realidade de Sandro – não apenas o criminalizando, mas demonstrando todo o construto social e todo o discurso de marginalização que perpassa a vivência de indivíduos como ele –, ao concretizar essa metodologia determinista, teleológica, linear, como um resultado de causas e efeitos, acaba por ressaltar e fortalecer o enunciado legitimado e naturalizado da classe dominante sobre a imagem do delinquente, utilizando dos fatos pontuais da vida de cada sujeito como único término suscetível e aceitável para a sua existência. A integração do biográfico (processo histórico-social) em meio aos dados estatísticos de uma instituição credenciada e influenciada por essa mesma classe que se encontra no poder, construiria a noção ideológica, autenticada, naturalizada e institucionalizada do delinquente, a partir de tais noções previamente estabelecida.

- A POSIÇÃO DO DELINQUENTE PERANTE A MÍDIA E A SOCIEDADE

Nos tempos atuais, a construção do entendimento é bem influenciada pela mídia – para não dizer completamente. Ela serve como forma de vender a imagem ganhando a atenção do público, isto é, uma máquina de disseminação de conceitos, ideias, comportamentos e até mesmo de sentimentos, tudo isso através da comunicação – por meio de jornais, revistas, televisões, sites – para que haja uma manipulação da opinião pública.

Não há como negar que a mídia interfere na vida dos indivíduos de forma tão naturalizada que é difícil desconstruir aquilo que já está posto, como também acontece no discurso feito pela sociedade – ou seja, há continuamente uma onda de concepções que é apresentada por estas, na qual fazem com que o indivíduo acredite em tal discurso e internalize como sendo seu e, por fim, reproduza-o. Um exemplo disso é exatamente a construção da imagem do delinquente sobreposta à do indivíduo, criando uma cultura do medo.

Fazendo uma análise direta do que foi dito anteriormente com o filme Última Parada 174, tem-se que não há o Sandro, mas a imagem do delinquente em seu lugar, representado, agora, por Alê (ou Alê Monstro). O rapaz de infância difícil, que sonhava em ser famoso por seus raps e casar com Soninha, dá lugar ao negro, morador de rua, usuário de drogas, analfabeto e, por fim, o surgimento do sequestrador do ônibus 174 - por simplesmente fugir da normalização.

Com essa imagem feita, o delinquente será conhecido e reconhecido como um cidadão do mal, por ser aquele que não é normatizado – e ainda faz parte daquele que deve ser temido. É exatamente essa imagem que é exposta na mídia, em sua maioria, por programas policiais, tornando a figura do indivíduo como repugnante e insignificante. Agora, a sua vida será apenas ligada ao crime, tudo terá um efeito de causa e consequência, o que nasce como consequência vira uma causa da criminalidade.

E é através dessa ligação entre a vida e o crime que se tem uma investigação biográfica, para que a partir daí seja criado um perfil do sujeito que comete crimes – em grande parte, feito pela indústria midiática e social, de forma “indireta”. Esse sujeito será o pobre, negro e morador de favela, que por não se encaixar na classe legitimadora deve ser enquadrado

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