A violência enquanto dimensão da racionalidade: uma análise da construnção subjetiva do linchamento
Por: Ednelso245 • 12/12/2017 • 11.155 Palavras (45 Páginas) • 418 Visualizações
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como punição ao inimigo social “desviante” se instalam progressivamente e possuem um quadro referencial valorativo na própria experiência do processo da violência. Para tanto, essa instalação ocorre dessensibilizando o senso crítico mínimo acerca das mediações institucionais, justificando a ruptura com a ordem objetiva pela falência das mesmas mediações, favorecendo assim a base de repertórios de condutas em rupturas com a ordem jurídica objetiva, e, ao mesmo tempo, catalisando a dimensão da violência enquanto ação humana intencional e racionalizada.
A concepção é a de que há condicionamentos sociais na instalação da violência destrutiva e “abrupta” nos casos de linchamentos e agressões promovidas por agentes rotulados como “justiceiros”. Esse condicionamento é latente, repercutindo no incremento da subjetividade tendente à valoração da violência enquanto mecanismo legítimo de remoção de obstáculos e prática de justiça. Essa violência, por sua vez, é apenas visualmente sumária e emergente, mas seu contexto está além de sua repercussão enquanto fato social, posto que é na dinâmica das representações sociais “do fazer justiça” que são reproduzidas e internalizadas as primeiras rupturas com a ordem jurídica objetiva, culminando assim em quadro representacional da violência em estado de potência.
Esse raciocínio é leva ao indício de que, caso não houvesse, dessensibilização da importância das mediações institucionais por uma ideológica representação de que o Estado e as instituições da Justiça não mais cumprem o seu papel em conter o processo da violência (o que naturaliza a ideia de que os meios legítimos do controle social falharam em manter a paz e a ordem), os indivíduos não estariam relativamente dispostos a produzirem respostas punitivas diretas (igualmente ilegítimas e criminosas). Porém, tais repostas reverberam o consenso punitivo do castigo e do extermínio como expiação diante de justiceiros dispostos a peculiar auto semelhança: o sofrimento sofrido pelo outro como identidade de herói.
Agasalhando esse entendimento é que as identificações com as injustiças e violências perpetradas contra vítimas indefesas dão suporte fatídico e moral para a generalização intencionada do fato social enquanto fenômeno violento. A repercussão dos mesmos fatos será paradigma para a reiteração de outros fenômenos violentos.
Para as análises acerca do fenômeno apresenta-se uma concepção diferenciada de violência e de racionalidade, considerando de forma complementar as contribuições clássicas da sociologia (fato e ação social), bem como o conceito de representação social desenvolvido no campo das práticas discursivas. Por fim, discute-se o papel dos meios de comunicação na reiteração do fenômeno violento do linchamento, entendido aqui como um desfecho subjetivo da criminalidade latente.
Do ponto de vista do Direito, o paradigma penal crítico subsidia as análises da construção do referencial reflexivo acerca dos vetores do linchamento enquanto criminalidade latente, bem como acerca do entendimento doutrinário do ordenamento sobre os casos de violência nesses moldes. A transversalidade do tema faz um importante diálogo com o campo psicológico e se desfecham no dever ser jurídico.
O pressuposto teórico dessa abordagem é considerar o conceito de criminalidade latente como uma construção intersubjetiva, interpretativa e semiótica resultante do fenômeno violento. Nessa percepção se estruturam como uma tábua rasa as primeiras noções de agressividade contra as injustiças sociais, as quais são pareadas com a compreensão internalizada de que a violência tem como causa a personalidade do desviante, que ocorre sem contextos e por puro e simples exercício de delinquência. Além de que essas compensações derivam diretamente da representação social sinestésica da “sensação de insegurança” (pânico moral) e “sensação de impunidade” (impotência do Estado em resolver problemas relacionados à violência).
Posto isso, emerge considerar os fenômenos humanos a partir de múltiplas perspectivas, destacando a imprescindibilidade de um viés interdisciplinar sobre intrigante tema da transversalidade acadêmica: criminalidade latente como base subjetiva dos casos linchamento ou práticas de violência coletiva destrutiva contra as pessoas (considerada ameaças à ordem moral e jurídica).
Obviamente sentimentos como indignação e respostas emocionais contra injustiças, assassinatos, calamidades e perversidades são tendências psicológicas e respostas adequadas aos contextos de luto, estresse e insegurança. Entretanto, quando tais respostas emocionais se apresentam como justificadoras para racionalizar discursos de vinganças e violência destrutiva contra os supostos “causadores do mal”, tem-se então, para a literatura dominante, a síndrome do justiceiro .
A pesquisa é bibliográfica, compilativa-doutrinária, apresentando delineamento descritivo acerca do fenômeno. O pressuposto metodológico, por sua vez, é o indiciário, pois permite adentar nas curvaturas e nuanças do fenômeno, permitindo assim maior capacidade de reflexão e discussão sobre as questões suscitadas.
2 VIOLÊNCIA COMO DIMENSÃO DO SER HUMANO
O homo violens sempre pertenceu a uma literatura social que o interpretava como necessária antinomia à razão e ao espírito científico. Por mais inovadora que fosse a teoria sobre o “animal político”, esta era sempre mitigada quando a relação visava refletir sobre as condutas violentas em termos de propósitos racionais de ação.
Nietsche, Freud, Hobbes, Dadoun partiram de uma perspectiva crítica acerca da capacidade do ser humano em ser altruísta. Cada qual enfatizando uma dimensão baseada por seus postulados filosóficos, e a seu tempo, demostraram em argumentos que o ser humano não tinha a paz e “o amor ao próximo” como particularidades, pelo contrário, são seres naturalmente destrutivos, que não medem consequências para a satisfação de suas realizações egocêntricas e grotescas. Para os referidos autores, é um animal quase desprovido de empatia.
A ideia de racionalidade surge também com os reflexos da estabilidade perquirida pelos primórdios da burguesia. Foi um advento importante do racionalismo que admitia as transformações do mundo, pelo uso da razão, para a satisfação racional de todos os seres humanos em igualdade e dignidade. É um primado residual dos primevos jus naturalismos.
Seria o homo violens a antagonização da dimensão racional do ser humano?
A expressão é do vanguardista filósofo, psicanalista e professor Dadoun (1998),
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