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A DIFICULDADE NA EFETIVA APLICAÇÃO DA LEI DA TORTURA

Por:   •  31/10/2017  •  4.299 Palavras (18 Páginas)  •  466 Visualizações

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Segundo o entendimento de Paulo Sérgio Leite Fernandes:

[...] a tortura, forma extremada de violência, parece ter se entranhado no homem ao primeiro sinal de inteligência deste. Só o ser humano é capaz de prolongar sofrimento de animal da mesma espécie ou de outra. Os seres inferiores ferem ou matam a caça. Devoram-na depois. O homem é diferente. O impulso de destruição o conduz à aflição de dores por prazer, por vingança ou para atender a objetivos situados mais adiante[1]

Nesse mesmo contexto, Mario Coimbra expõe:

Assim, longe de ser uma conduta ignóbil de nossos antepassados, a tortura continua viva no relacionamento poder político-cidadão, merecendo postura enérgica das instituições estatais, no sentido de ao menos atenuá-la, já que o desejo do homem oprimir seu semelhante é um mal que sempre acompanhará a raça humana.[2]

De acordo com o relatório de Comitê Contra a Tortura (CAT), o início da tortura no Brasil ocorreu no período colonial. A colonização portuguesa a trouxe consigo a prática de tratamentos desumanos, degradantes e cruéis. A tortura era socialmente aceita quando praticada contra os escravos.[3]

Como destaca Flávia Camello Teixeira:

No que se refere aos negros, quando fugidos, o juiz do lugar, no ato da recaptura, devia infligir-lhe o tormento, por meio de açoites, para que nominasse seu proprietário, “sem apelação, nem agravo, contando que os açoites não passem de quarenta”. [...] Sem quaisquer direitos de cidadania, o escravo era, porém, imputável do ponto de vista penal, incidindo sobre ele penas diversas, como a capital, açoites públicos, açoites com braço e pregão.[4]

O regime militar brasileiro em 1964 também contribuiu fortemente para a prática da tortura no Brasil, uma vez que a ditadura acentuou e adotou a prática de modo intenso, utilizando e aprimorando novos mecanismos.

Segundo Luciano Mariz Maia:

O Brasil vivenciou de março de 1964 a março de 1985 o regime militar, grande parte do qual caracterizado para ser um regime de exceção. Instalado pela força das armas, o regime militar derrubou um presidente civil e interveio na sociedade civil. Usou de instrumentos jurídicos intitulados atos institucionais, através dos quais procuraram legalizar e legitimar o novo regime. A sombra mais negra veio com a prática disseminada da tortura, utilizada como instrumento político para arrancar informações e confissões de estudantes, jornalistas, advogados, cidadãos, enfim, de todos que ousavam discordar do regime de força então vigente. A praga a ser vencida, na ótica dos militares era o comunismo, e subversivos seriam todos os que ousassem discordar. Foi mais intensamente aplicada de 1968 a 1973, sem contudo deixar de estar presente em outros momentos.[5]

O processo de redemocratização do país culminou na promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Deste modo, a Constituição foi de suma importância para o combate à tortura sendo específica no capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivos, garantindo em seu artigo 5º, inciso III, a proteção contra a tortura e aos tratamentos cruéis e degradantes.

Ainda, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o artigo 5º, inciso XLIII, também aborda sobre a tortura, in verbis:

A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;[6]

Antes de 1997, a tortura não tinha no direito brasileiro um conceito definido e era tipificada como crime somente no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu já revogado artigo 233, in verbis:

Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura:

Pena - reclusão de um a cinco anos.

§ 1º Se resultar lesão corporal grave:

Pena - reclusão de dois a oito anos.

§ 2º Se resultar lesão corporal gravíssima:

Pena - reclusão de quatro a doze anos.

§ 3º Se resultar morte:

Pena - reclusão de quinze a trinta anos.[7]

Porém, não delimitava o conteúdo daquilo em que consistiria a tortura. Logo depois, a lei nº 8072/90 equiparou a tortura aos crimes hediondos, mas também não estabeleceu um conceito legal sobre o crime.[8]

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira relata que:

Apesar de tantas previsões expressas e da pressão internacional, inclusive pelo comprometimento previsto no próprio tratado da ONU, o crime de tortura passou muito tempo sem previsão legal no Brasil, apesar da referida previsão constitucional de tratamento equiparado aos dos crimes hediondos. Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 233, trouxesse tímida cominação sem definição do que consistiria a referida tortura, é certo que o Brasil muito tardou – com a implícita confissão de falta de vontade política – para fazer previsão expressa de um tipo para a tortura.[9]

A Associação Médica Mundial realizada em Tóquio, no dia 10 de outubro de 1975, definiu a tortura como:

A imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental, por parte de uma ou mais pessoas atuando por conta própria, ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informação, confessar, ou por outra razão qualquer.[10]

Adotada pela Resolução 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em seu artigo 1º, define a Tortura:

Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta

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