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QUESTÃO URBANA: ASPECTOS RELEVANTES NO BRASIL

Por:   •  27/5/2018  •  6.141 Palavras (25 Páginas)  •  352 Visualizações

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O fim da escravidão no Brasil está mais ligado aos fortes interesses comerciais ingleses, a potência hegemônica da época, do que a ideais abolicionistas. A expansão comercial imposta pela Revolução Industrial fez com que aumentasse o interesse dos ingleses sobre o comércio brasileiro, e as pressões para impedir qualquer restrição a seus produtos e garantir o aumento do mercado, o que incluía também o fim da mão de obra escrava e a implantação do assalariamento. Restava então aos grandes produtores cafeeiros recorrer à mão de obra "livre" e assalariada dos imigrantes. Nesse sentido, a Lei de Terras coibiu a pequena produção de subsistência, dificultando o acesso à terra pelos pequenos produtores, inclusive imigrantes, e forçando seu assalariamento nas grandes plantações. Tal situação consolidou a divisão da sociedade em duas categorias bem distintas: os proprietários fundiários de um lado, e do outro, sem nenhuma possibilidade de comprar terras, os escravos, que seriam juridicamente libertos apenas em 1888, e os imigrantes, presos a dívidas com seus patrões ou simplesmente ignorantes de todos os procedimentos necessários para obter o título de propriedade.

A economia brasileira era agroexportadora da passagem do século XIX para o XX, o meio rural predominava sobre o meio urbano. Se a sede da produção agroexportadora era necessariamente o campo, o controle de sua comercialização, entretanto, se dava essencialmente nas cidades. O papel central das cidades não acontecia apenas porque a efetivação das exportações necessitava de atividades urbanas, mas também porque a produção foi fundada para a exportação, assim a cidade nasceu no Brasil antes mesmo do campo. Daí o caráter político-administrativo das cidades no Brasil desde a colônia, o que foi confundido como um predomínio do campo sobre a cidade. Entretanto, as cidades brasileiras da época cafeeira tinham a característica, que iria mudar após a consolidação da industrialização, de serem um espaço urbano onde não ocorria nem o mercado (já que o mercado real da economia era o da exportação agrícola) nem a própria produção (que se dava no campo).

Nesse período agroexportador e de uma industrialização incipiente imperou, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, uma visão de que as cidades não podiam ser a expressão do atraso nacional frente ao modernismo das grandes cidades europeias, em especial em um momento em que as exportações de café reforçavam a participação do país no comércio internacional. Sendo elas o centro comercial e político do país, interessava que cidades como Rio e São Paulo tivessem uma aparência compatível com a ambição comercial da expansão cafeeira.

Explicita-se então o porquê das duas grandes cidades do país nesses primeiros momentos da urbanização brasileira, já promoverem uma sistemática segregação social: simplesmente reproduzia-se na cidade a mesma diferenciação social resultante da hegemonia das elites que se verificava nos latifúndios. É dessa época que datam os primeiros registros de cortiços e até mesmo de ocupação dos morros com moradias populares. Mesmo que não fosse ainda regida pelas dinâmicas do capitalismo industrial, a cidade já tinha por marca a diferenciação sócio espacial, pela qual a população mais pobre, via de regra, era excluída para as áreas menos privilegiadas, em condições de insalubridade, vivenciando epidemias, decorrentes da ausência de infraestrutura, como saneamento básico. A violência e a alta densidade urbana eram marcas de uma parte da cidade, e já mostravam a tônica do que viria a ser a cidade brasileira do século XX.

Mas o que se destaca nesse processo são dois fatores que estão na base do entendimento das dinâmicas de segregação sócio espacial urbana: o conceito de localização e a participação do Estado, representando no Brasil os interesses das elites, na formulação e implementação das políticas públicas de urbanização.

A cidade se caracteriza por ser um ambiente construído, ou seja, seu espaço é produzido, fruto do trabalho social. A localização é um fator de diferenciação espacial por motivos óbvios: terrenos com uma vista privilegiada, ou situados em locais de fácil acesso, ou muito bem protegidos, ou próximos a rodovias ou ferrovias, tornam-se mais valiosos para interesses variados. São mais agradáveis para o uso habitacional, ou melhor, situados para escoar a produção de uma fábrica, ou para atrair mais consumidores para uma loja, e assim por diante.

Nas cidades brasileiras do início do século passado os bairros centrais, que tinham boa infraestrutura, concentravam mais gente, dispunham de linhas de bonde, eram próximos das estações de trem, eram os bairros privilegiados onde acontecia a vida urbana e comercial nascente, e onde se instalavam os palacetes da elite. A intervenção estatal foi capaz de produzir recorrentemente a diferenciação espacial desejada pelas elites, e a disputa pela apropriação dos importantes fundos públicos destinados à urbanização caracterizou – e caracteriza até hoje – a atuação das classes dominantes no ramo imobiliário.

Assim, a implantação de infraestrutura urbana no Brasil sempre se deu em áreas concentradas das cidades, não por acaso os setores ocupados pelas classes dominantes. Essa prática da desigualdade na implantação de infraestrutura, ou seja, do trabalho social que produz o solo urbano, gerou – e ainda gera – diferenciações claras entre os setores da cidade, produzidas pela ação do Estado e acentuando a valorização daqueles beneficiados pelas obras, em relação à escassez do restante da cidade. Assim, a brutal diferença de preços que tal fenômeno produz nunca esteve dissociada, evidentemente, dos interesses do capital especulativo que sempre soube, no Brasil, fundir-se à ação estatal e canalizar os investimentos públicos para locais de seu interesse, gerando altos níveis de lucratividade.

Se a instituição da propriedade privada é o próprio fundamento do capitalismo, ela não é totalmente estranha ao desenvolvimento paralelo da propriedade pública. O mercado se amplia à medida que é alimentado pelas trocas de direitos de propriedade, enquanto o Estado aumenta seu poder à medida que ele faz a si mesmo proprietário de um domínio público e, mais amplamente, garantidor da ordem proprietária (DARDOT, 2015).

Mas é com a intensificação da industrialização que o conceito de diferenciação espacial pela localização e a importância da intervenção estatal ganham toda sua dimensão. O capitalismo industrial, ao exacerbar a divisão social do trabalho e a luta de classes, acentuou a divisão social do espaço: era quase

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