Cesário Verde e o Seu tempo
Por: Kleber.Oliveira • 16/11/2018 • 3.269 Palavras (14 Páginas) • 317 Visualizações
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O país seguia o seu rumo de desenvolvimento, tentando acompanhar o crescimento dos restantes países europeus, embora com muitas dificuldades. No entanto, começavam a chegar a Portugal ventos da Europa que traziam novas ideias e que vieram agitar o seu mundo político. Estes foram fundamentais, pois permitiram o florescimento de uma nova geração literária, que voltava a mostrar uma maior sensibilização política. Se a primeira metade do século XIX tinha sido marcada pela ascensão da burguesia, então a segunda metade ficou, indiscutivelmente, marcada pela ascensão de uma classe que tinha sido, até àquela altura, ignorada e desprezada – a classe proletária. A luta de classes foi motivada pela revolução industrial e tecnológica, que colocou a classe proletária numa situação miserável. Os movimentos socialistas procuraram consciencializar a classe proletária de que o mundo estava bipolarizado entre opressores e oprimidos; capitalistas e proletários; proprietários dos meios de produção e trabalhadores. Só quando os oprimidos se revoltassem e se soltassem das amarras dos opressores, o mundo alcançaria um equilíbrio social. Os escritores desta geração procuraram denunciar estas injustiças.
Charles Dickens foi dos primeiros escritores a revelar esta faceta de crítica social. Isto porque, em Inglaterra, principalmente em Londres - centro do capitalismo no século XIX - foi onde se sentiram, de uma forma mais violenta, as consequências da industrialização. Segundo Alain de Botton, Dickens sofreu na pele estas consequências por ter começado a trabalhar numa fábrica, precocemente, aos dez anos de idade, e, mais tarde, quando o seu pai foi preso por acumulação de dívidas. Charles Dickens tornou-se um dos primeiros autores a trazer para a literatura as preocupações socialistas, que se começavam a desenvolver e a propagar, um pouco por toda a Europa, como resultado da excessiva industrialização.
Em Portugal, estas ideias entraram na literatura de mãos dadas com o realismo. Segundo António José Saraiva e Óscar Lopes (906-909), Portugal começava a entrar num período de estagnação económica, o que inquietou uma nova geração de escritores – a Geração de 70. O contacto destes autores - entre os quais Antero de Quental, Eça de Queiroz e Teófilo de Braga - com leituras estrangeiras, como a Origem das Espécies de Darwin ou A Vida de Jesus de Stauss, trouxe para Portugal o movimento realista e naturalista. Esta geração negava o romantismo pelo seu excessivo dramatismo, e propunha uma literatura marcada por um carater mais científico. Por esse motivo, Darwin teve uma grande influência nesta nova literatura, especialmente em Eça, cuja obra foi altamente influenciada pelo novo culto do século XIX, o positivismo. Este novo ideal levou o homem a crer na ciência, cuja existência era comprovada por evidências visíveis e palpáveis, e cujos “milagres” se manifestavam a olho nu, ou seja, através de descobertas científicas, e de avanços tecnológicos, (como, por exemplo, o comboio), que melhoravam a existência do ser humano, ainda ao longo da sua vida terrena, e não depois da morte, como prometia a Igreja católica.
Assim, defendem Antonio José Saraiva e Oscar Lopes (908), que estes autores da geração de 70, também se distinguem da primeira geração romântica pela sua postura cética e crítica em relação à religião católica. Ainda que a primeira geração romântica defendesse a laicização do estado, as provocações à Igreja nunca chegaram ao nível de hostilidade de obras como o Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz. Esta hostilidade é acompanhada, na obra de Eça, como já foi dito, por um carácter mais científico. Eça escrevia as suas obras como os cientistas preparavam uma experiência laboratorial. Colocava certas personagens, com determinadas características, num ambiente social e cultural específico, e esperava que a ciência determinasse o seu destino, limitando-se a registar os resultados. A religião ou qualquer outra força metafisica deixam de ter impacto no Fado das personagens.
É neste contexto realista que Cesário Verde se insere. Cesário Verde vive uma vida muito breve, entre os anos de 1855 e 1886. É, por isso, influenciado pelas políticas de Fontes Pereira de Melo, cujos resultados não são vistos, por ele, com muito bons olhos. Toda a modernização, e urbanização, fruto das políticas desta época, transtorna Cesário Verde, que se procura refugiar no campo. Esta situação resulta na frequente temática da dicotomia entre a cidade e o campo, que acompanha o poeta, principalmente, durante a sua última fase, de acordo com Joel Serrão. Alberto Caeiro descreve, como nos habituou, de uma forma genial, a situação de Cesário: “Ele era um camponês/ Que andava preso em liberdade pela cidade.”. Os ventos socialistas também exercem a sua influência na poesia de Cesário. Ao contrário de Eça, que procurava esconder, ou pelo menos esmaltar, todo o tipo de atividades e aspetos mais obscuros e feios da sociedade - como a prostituição, e a mendicidade – Cesário traz ao de cima todos estes podres, e é implacável na sua crítica social. Por esse motivo, a sua poesia foi marginalizada durante a época em que viveu. Essa marginalização chegou até a ser tema, na sua poesia, por exemplo, no poema “Contrariedades”, de 1876. Por outro lado, como nos dizem António José Saraiva e Óscar Lopes, “Cesário Verde é o único poeta do grupo tido como realista que consegue superar, de facto, a herança romântica.” (1036). Isto porque, numa primeira fase da sua obra poética, segundo Joel Serrão, ainda que o tema da mulher esteja presente em poemas como “Esplêndida”, e a descrição dessa mesma mulher possa ter alguns traços românticos no início do poema, todo esse romantismo esmorece quando Cesário (ou, neste caso, o sujeito poético) recorre à ironia e tece duras críticas ao comportamento artificial da mulher que protagoniza o poema.
De facto, “Esplêndida” é um poema que retrata bem esta primeira fase do poeta, em que a mulher exerce um papel central. António José Saraiva e Óscar Lopes já tinham referido a influência de Baudelaire, que neste poema é bastante explícita, pelo desdém que Cesário revela em relação à mulher que vai na carruagem “subindo devagar”. Cesário Verde pinta o retrato da “mulher fatal” do século XIX, criticando-a pela vida ilusória e artificial que leva, através de uma ironia hostil:
“É clara como os pós à marechala,
E as mãos, que o Jock Club embalsamou,
Entre peles de tigres as regala;
De tigres que por ela
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