Essays.club - TCC, Modelos de monografias, Trabalhos de universidades, Ensaios, Bibliografias
Pesquisar

Resenha - Livro "´À Francesa"

Por:   •  8/11/2018  •  2.317 Palavras (10 Páginas)  •  334 Visualizações

Página 1 de 10

...

Não era apenas durante o Natal que a mesa do recifense cobria-se de produtos alimentícios importados. O cotidiano da cidade via a circulação intensa de itens variados, como doces em lata, confeitos, chocolates, frutas cristalizadas e, evidentemente, bebidas, que deu o lugar majoritário ao vinho nas mesas da burguesia do Recife, uma bebida que era, quase sempre, indicadora de um status social elevado. Enquanto a cachaça se ligava, ao mau costume de um consumo solitário, entre seus humildes consumidores, o vinho adquiriu o caráter oposto, mais voltado para a reunião festiva de pessoas de estirpe mais elevada.

O Brasil de meados e final do século 19 veria, entre os diversos profissionais franceses que viriam tentar a sorte em terras tropicais, também o afluxo de cozinheiros e confeiteiros, mas também de padeiros, que modificariam o hábito alimentar da população brasileira em consumir o pão, produto oriundo do trigo, que já apresentava uma produção considerável do cereal. Fato que se fez, proliferar-se as padarias pelas capitais, oferecendo baguettes, croissants e brioches, e não podendo faltar o pão mais disseminado no país, apelidado de francesinho, preferência da população urbana no café da manhã e nos lanches.

Não só a manteiga, que tornaram-se componente essencial no mercado e nas cozinhas locais, apareceram chefs de renome, exportados da França, e publicações de variadas receitas no Jornal Pequeno, de pratos “à francesa” e suas variações.

Capítulo 2 – A Sociabilidade do comer fora

Uma invenção francesa

Um tempo de guerras cobria o Brasil, que lutava por estabelecer suas fronteiras e o desenho de novos limites territoriais. A “aventura na selva” levava militares brasileiros para a Amazônia, tão vasta quanto complexa, em sua imensidão de povos, culturas, línguas e conflitos, oferecia a oportunidade do Exército Brasileiro a demonstrar sua presença e poderio. Para demonstrar seu apoio à corajosa empreitada, o deputado Estácio Coimbra, decidiu realizar um almoço no Restaurant Internacional, no Recife, homenageando o contra-almirante Alexandrino de Alencar, que foi recebido em uma mesa decorada por rosas naturais, à qual se sentaram os Drs. Herculano Bandeira, Moreira Alves, João Elysio, Victorino Maia, Júlio Bello e Oswaldo Machado. Intercalaram-se pratos e conversas e a política foi servida tão abundantemente quanto o champanhe.

O La Grande Taverne, aberto em Paris ainda em 1782 por Antoine Beauvilliers, teria sido o primeiro a combinar os quatro principais pontos de um “verdadeiro” restaurante: um salão elegante, garçons eficientes, uma adega cuidadosa e uma cozinha superior, sendo estes alguns dos atributos essenciais, mesmo nos dias atuais, para se reconhecer um restaurante. Os restaurantes, diferentes dos cabarés e dos bordeis da época, tornam-se um local propício para o encontro entre um cavalheiro e uma dama, ainda que o mesmo não possa ser dito acerca de muitas das relações ali consumadas.

A necessidade de apresentar o restaurante como um ambiente lícito, apropriado, não só para a circulação de amabilidades entre políticos, militares e borbulhantes taças de champanhe, nas também como um local que podia ser frequentado livremente por mulheres e famílias inteiras, fazia com que muitos dos anúncios da época louvassem a “atmosfera familiar”.

A sede de novidade, de movimentos, de ver gente mesmo, começava a bater nas portas das famílias burguesas e chamá-las para passear, transformando, as vias públicas em um lugar lícito para o convívio social, tornado ainda mais atraente com a dinamização do comércio, com horários mais elásticos e vitrines mais velas.

Sobre cafés quentes e cremes gelados

O café surgiria, na França do século 18, como um novo local de sociabilidade, junto às academias provincianas e lojas maçônicas, próprio para o encontro de intelectuais que desejassem debater qualquer assunto que fosse, sendo esses espaços públicos frequentados por uma burguesia culta e sedenta de atenção. Diferentes da praça ou do mercado, esses novos espaços demandavam uma forma de comportamento diferente, concentrando-se na discussão racional e na conversa elegante.

Na capital pernambucana, os cafés contavam com um menu de bebidas bastante variado, geralmente oferecendo um ou outro petisco e uma mesa de bilhar, com a presença de seu público predominantemente masculino. O Café Lafayette centralizou boa parte da intelectualidade do Recife, nomes como Gilberto Freire, José Lins Rego, Nilo Pereira e outros membros da Academia Recifense de Letras.

Por outrora, alguns cafés buscavam cativar seu público familiar, servindo caramelos e sucos de frutas, e o sorvete, creme gelado que podia ser encontrado em diversos estabelecimentos pela cidade, exalando o perfume das essências de frutas utilizadas no seu fabrico misturando-se ao aroma do café recém-moído. Ainda que seja difícil associar a origem do sorvete a um local ou pessoa, sabe-se que ela está relacionada ao desenvolvimento das técnicas de refrigeração. Pelo começo do século 19, o sorvete havia começado a se transferir das mesas da aristocracia para dentro dos restaurantes e cafés que serviam a próspera classe média. Isso foi acompanhado de um interesse crescente na boa comida, refletido no surgimento de muitos livros de culinária, afirma o estudioso Chris Clarke.

A Construção de uma tradição gastronômica

As sorveterias, assim como os cafés e os restaurantes, deixariam de ser uma novidade, se tornando parte integrante dos divertimentos de uma cidade, aonde a boa conduta, etiqueta, que se deveria ter nesses estabelecimentos, eram a mesma aconselhada para os jantares e almoços em casas particulares. Com o passar dos anos, a etiqueta foi se alterando ao refletir as mudanças na própria sociedade, contudo a funcionalidade do restaurante permaneceu uma constante, um local adequado para se comer fora de casa, em uma sociabilidade sedimentada pelo modelo parisiense. Mas se faz entender que o modelo de negócio do restaurante assumiria, com o passar dos anos, uma espécie de vida e identidade próprias, que inevitavelmente as separariam de suas raízes francesas.

O Recife adotou o restaurante e este apresentaria, inicialmente, uma vaga definição de “cozinha francesa”, porém, a cultura alimentar local abraçaria a sociabilidade do estabelecimento e o formato do seu serviço, mas adaptando-os à realidade aqui encontrada, como ocorreria em outros países. Uma fusão de cozinhas, pela busca de um paladar mais alinhado ao

...

Baixar como  txt (15 Kb)   pdf (60.1 Kb)   docx (18.2 Kb)  
Continuar por mais 9 páginas »
Disponível apenas no Essays.club