Resenha - Livro "´À Francesa"
Por: Salezio.Francisco • 8/11/2018 • 2.317 Palavras (10 Páginas) • 323 Visualizações
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Não era apenas durante o Natal que a mesa do recifense cobria-se de produtos alimentícios importados. O cotidiano da cidade via a circulação intensa de itens variados, como doces em lata, confeitos, chocolates, frutas cristalizadas e, evidentemente, bebidas, que deu o lugar majoritário ao vinho nas mesas da burguesia do Recife, uma bebida que era, quase sempre, indicadora de um status social elevado. Enquanto a cachaça se ligava, ao mau costume de um consumo solitário, entre seus humildes consumidores, o vinho adquiriu o caráter oposto, mais voltado para a reunião festiva de pessoas de estirpe mais elevada.
O Brasil de meados e final do século 19 veria, entre os diversos profissionais franceses que viriam tentar a sorte em terras tropicais, também o afluxo de cozinheiros e confeiteiros, mas também de padeiros, que modificariam o hábito alimentar da população brasileira em consumir o pão, produto oriundo do trigo, que já apresentava uma produção considerável do cereal. Fato que se fez, proliferar-se as padarias pelas capitais, oferecendo baguettes, croissants e brioches, e não podendo faltar o pão mais disseminado no país, apelidado de francesinho, preferência da população urbana no café da manhã e nos lanches.
Não só a manteiga, que tornaram-se componente essencial no mercado e nas cozinhas locais, apareceram chefs de renome, exportados da França, e publicações de variadas receitas no Jornal Pequeno, de pratos “à francesa” e suas variações.
Capítulo 2 – A Sociabilidade do comer fora
Uma invenção francesa
Um tempo de guerras cobria o Brasil, que lutava por estabelecer suas fronteiras e o desenho de novos limites territoriais. A “aventura na selva” levava militares brasileiros para a Amazônia, tão vasta quanto complexa, em sua imensidão de povos, culturas, línguas e conflitos, oferecia a oportunidade do Exército Brasileiro a demonstrar sua presença e poderio. Para demonstrar seu apoio à corajosa empreitada, o deputado Estácio Coimbra, decidiu realizar um almoço no Restaurant Internacional, no Recife, homenageando o contra-almirante Alexandrino de Alencar, que foi recebido em uma mesa decorada por rosas naturais, à qual se sentaram os Drs. Herculano Bandeira, Moreira Alves, João Elysio, Victorino Maia, Júlio Bello e Oswaldo Machado. Intercalaram-se pratos e conversas e a política foi servida tão abundantemente quanto o champanhe.
O La Grande Taverne, aberto em Paris ainda em 1782 por Antoine Beauvilliers, teria sido o primeiro a combinar os quatro principais pontos de um “verdadeiro” restaurante: um salão elegante, garçons eficientes, uma adega cuidadosa e uma cozinha superior, sendo estes alguns dos atributos essenciais, mesmo nos dias atuais, para se reconhecer um restaurante. Os restaurantes, diferentes dos cabarés e dos bordeis da época, tornam-se um local propício para o encontro entre um cavalheiro e uma dama, ainda que o mesmo não possa ser dito acerca de muitas das relações ali consumadas.
A necessidade de apresentar o restaurante como um ambiente lícito, apropriado, não só para a circulação de amabilidades entre políticos, militares e borbulhantes taças de champanhe, nas também como um local que podia ser frequentado livremente por mulheres e famílias inteiras, fazia com que muitos dos anúncios da época louvassem a “atmosfera familiar”.
A sede de novidade, de movimentos, de ver gente mesmo, começava a bater nas portas das famílias burguesas e chamá-las para passear, transformando, as vias públicas em um lugar lícito para o convívio social, tornado ainda mais atraente com a dinamização do comércio, com horários mais elásticos e vitrines mais velas.
Sobre cafés quentes e cremes gelados
O café surgiria, na França do século 18, como um novo local de sociabilidade, junto às academias provincianas e lojas maçônicas, próprio para o encontro de intelectuais que desejassem debater qualquer assunto que fosse, sendo esses espaços públicos frequentados por uma burguesia culta e sedenta de atenção. Diferentes da praça ou do mercado, esses novos espaços demandavam uma forma de comportamento diferente, concentrando-se na discussão racional e na conversa elegante.
Na capital pernambucana, os cafés contavam com um menu de bebidas bastante variado, geralmente oferecendo um ou outro petisco e uma mesa de bilhar, com a presença de seu público predominantemente masculino. O Café Lafayette centralizou boa parte da intelectualidade do Recife, nomes como Gilberto Freire, José Lins Rego, Nilo Pereira e outros membros da Academia Recifense de Letras.
Por outrora, alguns cafés buscavam cativar seu público familiar, servindo caramelos e sucos de frutas, e o sorvete, creme gelado que podia ser encontrado em diversos estabelecimentos pela cidade, exalando o perfume das essências de frutas utilizadas no seu fabrico misturando-se ao aroma do café recém-moído. Ainda que seja difícil associar a origem do sorvete a um local ou pessoa, sabe-se que ela está relacionada ao desenvolvimento das técnicas de refrigeração. Pelo começo do século 19, o sorvete havia começado a se transferir das mesas da aristocracia para dentro dos restaurantes e cafés que serviam a próspera classe média. Isso foi acompanhado de um interesse crescente na boa comida, refletido no surgimento de muitos livros de culinária, afirma o estudioso Chris Clarke.
A Construção de uma tradição gastronômica
As sorveterias, assim como os cafés e os restaurantes, deixariam de ser uma novidade, se tornando parte integrante dos divertimentos de uma cidade, aonde a boa conduta, etiqueta, que se deveria ter nesses estabelecimentos, eram a mesma aconselhada para os jantares e almoços em casas particulares. Com o passar dos anos, a etiqueta foi se alterando ao refletir as mudanças na própria sociedade, contudo a funcionalidade do restaurante permaneceu uma constante, um local adequado para se comer fora de casa, em uma sociabilidade sedimentada pelo modelo parisiense. Mas se faz entender que o modelo de negócio do restaurante assumiria, com o passar dos anos, uma espécie de vida e identidade próprias, que inevitavelmente as separariam de suas raízes francesas.
O Recife adotou o restaurante e este apresentaria, inicialmente, uma vaga definição de “cozinha francesa”, porém, a cultura alimentar local abraçaria a sociabilidade do estabelecimento e o formato do seu serviço, mas adaptando-os à realidade aqui encontrada, como ocorreria em outros países. Uma fusão de cozinhas, pela busca de um paladar mais alinhado ao
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