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Os antecedentes da reforma protestante

Por:   •  30/8/2018  •  2.986 Palavras (12 Páginas)  •  400 Visualizações

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Esse deslocamento ocasionou uma crise agrária, cujas consequências foram a falta de alimentos e uma imediata alta de preços. A partir daí, com uma população empobrecida e faminta, começaram a aparecer doenças que se alastraram rapidamente, tomando proporções avassaladoras. A peste negra se espalhou por quase toda a Europa e ocasionou muitas mortes. Ela foi vista pela grande maioria da população como um castigo de Deus.

A Igreja vê aí o espaço para estabelecer uma “matemática da salvação” (CHIFFOLEAU, 1980, Apud. LINDBERG, 2001, p. 45), com a venda de sacramentos, no caso a extrema unção, para que os mortos pudessem fazer a passagem deste mundo para o outro. Sobre este aspecto, Lindberg comenta:

Esse deslocamento das tradicionais obras de misericórdia para a missa em favor dos mortos indicou não só a capacidade da Igreja de adaptar-se a uma nova situação, mas também a crescente influência de uma mentalidade de mercado com sua orientação para o cálculo de contas [...]. A missa tornou-se a preparação essencial para a jornada que conduzia, através da morte, até o céu, estabelecendo, ritualmente, elos poderosos entre este mundo e o próximo – elos estes que seriam explorados pelas doutrinas do purgatório e das indulgências.[4]

A Igreja começa a institucionalizar práticas religiosas opressivas, com a cobrança de dízimos e a venda de sacramentos, além da venda de relíquias e de indulgências, dando cada vez mais poder ao papado, transformando a instituição em um ‘império’ onde a luxúria e a vida mundana suplantavam cada vez mais as questões teológicas. Desenvolviam-se mecanismos administrativos cada vez mais eficientes para coletar mais e mais impostos, misturando-se as funções religiosas com as de Estado. Além disso, havia ainda a questão da aquisição de terras. A Igreja é detentora de grandes áreas rurais da Europa Central e cobra taxas altíssimas pelo usufruto. Cada vez mais as práticas eclesiásticas se distanciavam dos ideais de pobreza e da vida monástica apregoadas pela própria instituição.

Todos esses ‘abusos da Igreja’ trouxeram um sentimento de descrédito, um anticlericalismo exacerbado, provocado por uma sucessão de escândalos pela qual a Igreja estava inserida, e para que ela conseguisse se manter era preciso estimular o medo, a repressão, juntamente com um sentimento de incerteza, de insegurança quanto à salvação, como forma de controle, mas também em proveito próprio. Sobre essas práticas promovidas pela Igreja, Lindberg diz que:

Suspenso entre a esperança e o temor, o indivíduo tinha de alcançar seu alvo através de todo um sistema de serviços quid pro quo [ “isto por aquilo”, “toma lá, dá cá”] (...) Tomada em seu conjunto, a cristandade no final da Idade Média aparecia tão orientada pelo desempenho quanto as novas empresas da época.[5]

Venda de indulgências, venda de sacramentos, venda de relíquias. A atuação da Igreja como uma empresa que visava o lucro era tão escandalosa, que Giovanni de Médici, ao assumir o papado em 1513, adotando o título de Leão X, declarou que “agora que Deus nos concedeu o papado, vamos aproveitá-lo” (LINDBERG, 2001. p. 72). A religião passa a ser ‘coisificada’, onde a graça começa a ser encarada como comércio. A Igreja assume, de acordo com alguns autores, práticas extremamente mercantilistas.

Outro fato importante que contribuiu para o descrédito da Igreja foi o cisma, ocorrido no

final do século XIV, onde foram instituídos, num primeiro momento, dois papados, um em Roma, sob o comando de Clemente VII, e outro em Avignon, com Urbano VI e, num segundo momento, chegando a haver três papados, com a eleição de Alexandre V, de Milão. Um escândalo sem precedentes que só seria resolvido em 1417.[6]

No campo político, enquanto na Europa Ocidental já havia se formado um poder monárquico centralizado, como é o caso da França de Francisco I, da Inglaterra de Henrique VIII, e da Espanha de Carlos I, na Europa Central não havia uma unidade política. Onde hoje é a Alemanha, naquele período havia uma infinidade de Estados autônomos, subordinados ao poder imperial de Maximiliano I. Por não haver uma unidade política, esses Estados estavam mais sujeitos à ingerência e ao domínio de Roma, que se valia dessa situação para impor sua autoridade com uma forte tributação e com a venda das indulgências, que estavam diretamente ligadas à arrecadação de verba para a construção da Basílica de São Pedro.

Nesse entrementes, morre Maximiliano, deixando vago o cargo de imperador do Sacro Império Romano Germânico, e a disputa para a ocupação do trono fica entre Frederico I, da França e Carlos I, da Espanha. Havia ainda a questão dos turcos que, liderados por Suleyman II, estavam se aproximando a cada dia de Viena. Como a Espanha já havia expulsado os turcos da Península Ibérica em 1492, ela “assumiu a luta contra os turcos, mas necessitava do suporte financeiro dos estamentos alemães” (DREHER, 1996. p. 10). Havia muitos interesses em jogo, e Roma, além de não querer se indispor com nenhum dos dois candidatos, evitava optar por um em detrimento do outro, o que acarretaria em um desequilíbrio do jogo de poder na Europa, razão pela qual havia a necessidade de optar por um terceiro candidato, Frederico da Saxônia, que tinha um grande poder político regional e que teria a capacidade de influenciar no voto de dezenas de príncipes regionais. Frederico não era apenas rico e politicamente poderoso; ele tinha também muito interesse pela educação. Esse seu interesse fez com que ele se empenhasse em construir na cidade de Wittenberg uma universidade, universidade esta que seria o epicentro de eclosão do movimento de Reforma. É lá que Martinho Lutero e todo um corpo de humanistas iriam plantar as sementes da Reforma.

Roma precisava do apoio de Frederico da Saxônia, e como este não aceitou ser candidato, a decisão de quem seria o novo Imperador do Sacro Império Romano Germânico passaria necessariamente por suas mãos.

A tradicional luta de poder entre os vértices do triângulo formado pelo Império, a França e o papado foi aguçada quando a França e o papado se deram conta dos imensos domínios temporais que ficariam sob os Habsburgos se Carlos fosse eleito. [...] Até Henrique VIII da Inglaterra foi considerado para o posto por um breve momento, embora estivesse claro que Francisco I da França ocupava uma posição de maior credibilidade. Um candidato significativo para o bem-estar de Lutero e para o curso posterior da Reforma era seu príncipe, Frederico, o Sábio, eleitor da Saxônia. Os esforços papais no sentido de persuadir Frederico

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