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ESTUPRO: DA SUA ORIGEM ATÉ A ATUALIDADE

Por:   •  16/9/2018  •  3.588 Palavras (15 Páginas)  •  414 Visualizações

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2.1 O DEBATE SOBRE O ESTUPRO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Ao longo dos séculos, o direito, os juízes e a sociedade classificaram os crimes de estupro, colocando-os em uma ordem hierárquica de acordo com o grau de horror ou ameaça à ordem pública. Há um conjunto complicado de critérios que os juízes usaram para determinar o estupro ou qualquer outro crime de violência sexual.[3]

Vale lembrar que são pouquíssimos casos em que a pessoa vitimada é um homem. Assim, o estupro é visto como uma prática social secular decorrente dos valores machistas que colocam os homens como detentores de direitos sobre as mulheres. Logo, o “macho” sempre teve permissão da sociedade para agir com brutalidade sobre suas vítimas. Esse fenômeno sociocultural é uma prática não consensual de sexo, movida pelo uso da repressão e violência contra mulheres e crianças (e, em alguns casos, homens).

No entanto, os juízes supunham que as mulheres eram inferiores e de vontade frouxa, pois “voluntariamente consentiam”. Somente consideravam o caso se houvesse evidências visíveis de violência física, tais como cortes de faca, testemunhas, etc. O que importava era “[...] a imagem da brutalidade física, dos ferimentos e golpes, que prevalece sobre a imagem da brutalidade sexual nos relatos de atos trangressivos [...]”[4]; isso servia tanto para os adultos quantos para as crianças. Desse modo, muitas mulheres e famílias de crianças sentiam-se relutantes em falar a verdade, com medo da represália da sociedade patriarcal.

Além disso, até o final do século XVIII, a sociedade não reconhecia o estupro de crianças. Um francês chamado Medánt, acusado em 1827 por tentativas infames contra duas crianças, foi absolvido porque acreditava-se que um homem casado com uma mulher tão bela nunca atacaria menores com o objetivo de saciar suas vontades sexuais. Mas tal racionínio perde o sentido após 1880, quando “[...] a falta de ocupação, sua desorientação, ou simplesmente sua loucura possível que explicam a agressão contra crianças”.[5]

Foi somente no final do século XIX que surgiram os primeiros sinais de mudança. A violência foi sendo considerada perigosa e os abusos foram menos tolerados. Esta mudança é particularmente clara no que diz respeito às crianças e à “[...] certeza de uma particularidade definitiva dos crimes [...]”[6] contra elas. É notório que a sociedade começara a se aborrecer com os crimes sexuais contra as crianças mais do que contra as mulheres adultas. No entanto, mesmo esses ataques às crianças ainda não estavam totalmente bem compreendidos quanto a suas ramificações psicológicas.

Apesar disso, a violência sexual contra crianças era considerada de maneira mais insensata e cruel, enquanto que os casos entre adultos eram relativizados. Ao analisar o texto de Paul Brouardel de 1907, percebe-se como havia necessidade de dar motivos “plausíveis” ao impulso violento do homem sobre a mulher. Em suas palavras

[...] o homem se casa com uma mulher, é realmente ele, dos dois cônjuges, que acaricia o outro... A mulher o aceita [...] mas não o faz igualmente. Quando, por volta dos cinquenta anos, o homem vê suas forças genésicas diminuírem, precisa de excitantes especiais [...]. Esses excitantes, essa estimulação, é evidente que ele não pode achá-los junto a sua mulher legítima [...].[7]

O que se percebe é que a cultura machista utiliza-se dessa ferramenta e tática para manter o status quo. Minimizar, esconder ou colocar a responsabilidade do estupro nas vítimas são formas de domínio do “homem-macho”. Logo, envolve poder e controle. A história do estupro lança uma luz crua sobre o estado das relações entre homens e mulheres. Tanto o peso das hierarquias sociais quanto a dominação masculina, concordam cinicamente que a vítima é a culpada. Nesse ínterim, a história do estupro está intimamente ligada à história da família. Após o casamento, a lei tratava o marido e o pai como uma figura dominante e patriarcal, que esperava obediência e submissão da esposa.

As tentativas de estupro durante o século XIX permaneceram ignoradas, mas a imprensa resolveu apostar em casos significativos (com grande grau de brutalidade e violência física). Depois de meados do século, novas palavras e conceitos foram surgindo, como "tentativa de estupro", "agressão indecente”, “ofensas contra a decência", e "violência moral" – esta última sendo considerada muito mais importante que a psíquica. Tais termos foram incorporados no vocabulário da jurisprudência, especialmente no que diz respeito às crianças.

A sociedade ficou indignada com a violação e assassinato de crianças, e a imprensa e a literatura popular ajudou a criar uma sensibilidade pública cada vez maior a esses crimes e suas conseqüências. A agressão contra crianças

[...] torna-se o principal motivo de horror, a violência extrema, que confronta mais do que nunca duas visões de nossas sociedades: ‘monstruoso desvio social’, ou redisposição [...] que projeta para o primeiro plano o olhar sobre o sofrimento e o crime, façanha incomparavelmente mais abominável quando atinge uma criança.[8]

Nessa lógica, o incesto sexual e infantil assume um novo lugar nos casos declarados, uma vez que era algo recorrente na vida cotidiana. E a natureza abusiva desta atividade causa problemas a curto e longo prazo na vítima. Os fatos denunciados eram geralmente urbanos, cujos discursos dos agressores recaiam sempre na visão de que suas filhas eram posses suas e, portanto, poderiam satisfazer suas paixões com elas.

Segundo os especialistas, a “miséria e penúria são sempre as primeiras causas citadas para explicar esses casos julgados mais numerosos”[9] enquanto que a pessoa com alto status social, para eles, jamais cometeria tamanha atrocidade. Isso demonstra como a ideia de classe também estava presente durante os julgamentos de potenciais criminosos.

Contudo, eram raríssimos os casos denunciados pela crianças, pois muitas eram desencorajadas pela própria família, que sentia medo de se exporem aos olhos da sociedade e assim perderem seus valores morais. Ignorava-se por completo os sentimentos das vítimas em prol da preservação da imagem. Vale colocar em evidência que o trauma psicológico das crianças só será realmente levado em consideração a partir do século XX. E quando havia algum tipo de denúncia (com o apoio da imprensa), os agressores cometiam suicídios devido a tomada de consciência de seus atos e a indignação do público para com o acusado.

Não obstante, fica notório a disparidade definitiva

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