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A Escrita Epistolar Como Fonte Para Pesquisa em História

Por:   •  4/9/2018  •  6.701 Palavras (27 Páginas)  •  270 Visualizações

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A possibilidade de uso de outros registros além dos documentos oficiais é iniciada nos anos de 1900, conforma aponta Burke (1992), uma geração antes dos Annales. Todavia, é com esse movimento paradigmático no campo da História que a ideia vai se fortalecer, principalmente pela interdisciplinaridade proposta por Lucien Febvre e March Bloch. Ambos acreditavam que a História isolada não produziria mais do que um conhecimento parcial, daí a importância de um paralelo com as ciências vizinhas como, por exemplo, Filosofia, Sociologia, Geografia, Antropologia, Psicologia, entre outras, não tão próximas. Essa mudança, que trouxe a possibilidade de maior interdisciplinaridade entre as Ciências Humanas colaborou para a ampliação de metodologia e também das fontes.

A fonte documental utilizada com a finalidade de interpretar fatos do passado/presente sofreu diversas transformações ao longo do tempo histórico, tanto em relação à noção do que pode ser considerado ou não uma fonte dotada de historicidade, quanto à transformação do próprio termo documento:

O termo latino documentum, derivado de docere 'ensinar', evoluiu para o significado de 'prova' e é amplamente usado no vocabulário legislativo. É no século XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres et documents e o sentido moderno de testemunho histórico data apenas do início do século XIX (LE GOFF, 1990, p.536).

A própria definição clássica do termo documento, mostrada por Le Goff permite a observação da historicidade implícita. A documentação apresenta uma transformação ambígua, por um lado, em relação ao seu termo ser derivado da palavra ensinar, em transfiguração, adquire o sentido de prova, mas ainda usado apenas no âmbito da linguagem legislativa, sucessivamente acaba por se difundir na linguagem jurídica da França em meados do século XVII, antes de adquirir o sentido de testemunho histórico que conhecemos hoje, bem como as reflexões sobre sua produção.

O documento permite ao historiador refazer, reconstruir eventos no tempo histórico, uma vez que para estudar os acontecimentos do passado se faz necessário o uso de fontes. Problematizar essas fontes é o que permite ao historiador embasar sua análise em relação ao tema estudado, visto que o passado não nos é inacessível em sua totalidade, pois cada acontecimento é ímpar, vale dizer, impossível de ser reconstruído exatamente da forma que ocorreu. Como destaca Ginzburg (2006, p.13), os historiadores se servem sobretudo de fontes escritas, que são duplamente indiretas, por serem escritas e, em geral, por serem de autoria de indivíduos, embora em graus diferentes, ligados à cultura dominante. Podemos compreender, segundo as ideias do autor, que os pensamentos, crenças e até mesmo sentimentos do passado chegam até nós através de filtros e intermediários que as alteram.

Como dito anteriormente, um fato pode ser interpretado, mas não refeito. Ou seja, pode ser interpretada de diversas maneiras a partir de diferentes pontos de vista com fontes documentais distintas. O documento é então dotado de historicidade, subjetividade, sobretudo, de memória (JENKINS, 2004). No século XIX, com as ideias emanadas do Positivismo, o documento é guarnecido de uma devoção pela ciência, uma determinação de que a verdadeira história estaria nos documentos oficiais, escritos por indivíduos ligados ao poder, gerando, assim, uma história eminentemente política, julgada como relevante. O conhecimento científico, apresentado como singular na comprovação da verdade, estabelecia que “A partir de então, todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordará que é indispensável o recurso do documento.” (LE GOFF, 1990, p.539).

O processo das novas ideias em relação à historiografia, destacadamente pós-Annales, causa um processo de ruptura com a noção de que somente os documentos oficiais narravam a História. Na perspectiva tradicional a História era escrita apenas pelos vencedores, mas o uso de registros diversos como fonte, como as correspondências, escritas por anônimos, permite a possibilidade de uma análise baseada na empatia e na interpretação da escrita:

[...] As práticas de escrita de si podem evidenciar, assim, com muita clareza, como uma trajetória individual tem um percurso que se altera ao longo do tempo, que decorre por sucessão. Também podem mostrar como o mesmo período da vida de uma pessoa pode ser "decomposto" em tempos com ritmos diversos: um tempo da casa, um tempo do trabalho etc. E esse indivíduo, que postula uma identidade para si e busca registrar sua vida, não é mais apenas o "grande" homem, isto é, o homem público, o herói, a quem se autorizava deixar sua memória pela excepcionalidade de seus feitos. Na medida em que a sociedade moderna passou a reconhecer o valor de todo indivíduo e que disponibilizou instrumentos que permitem o registro de sua identidade, como é o caso da difusão do saber ler, escrever [...] (GOMES, 2004, p.13).

A escrita epistolar é um documento com múltiplas temporalidades, ritmos e guarda em si a memória de seu autor, de seus feitos, independentemente de quais feitos tenham sido estes, possibilitados tais registros com a difusão do saber ler e escrever, como apontou a autora. A escrita de si não faz juízo de valor ou excepcionalidade. Os estudos acerca das correspondências permite identificar os sinais e indícios que correspondam a determinado objeto de estudo a ser identificado nessas fontes, conforme aponta Ginzburg (1989), a questão inerente ao paradigma indiciário, que distingue a produção a partir de pequenos enredos, personagens anônimos, experiências do cotidiano que podem ser encontradas em mínimos indícios, sinais e vestígios de tramas aparentemente sem importância quando analisadas sob as óticas de maior generalização dos indivíduos, sem realizar a redução da escala de análise, considerando a análise de Ginzburg.

A metodologia para a realização do estudo está pautada na bibliometria, fundamentalmente da contribuição dos diversos autores sobre o tema proposto: a escrita epistolar. A pesquisa bibliográfica é o primeiro passo para uma análise e, sobretudo, é o que dá o embasamento teórico necessário para diferentes estudos. Sua pertinência está em reconhecer a produção existente e balizar os debates sobre uma questão específica, nesse caso, o uso da fonte epistolar na pesquisa em História no Brasil.

Um dos acervos acessados consta da base de dados SciELO, que permitiu a sondagem de estudos com o tema da escrita epistolar. O desenvolvimento da pesquisa pautou-se na consulta de revistas classificadas

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