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Preconceito, tradição e autoridade

Por:   •  26/10/2018  •  2.139 Palavras (9 Páginas)  •  247 Visualizações

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O ser humano, para Gadamer, é, por sua essência, hermenêutico, ou seja, está a todo momento dentro do ambiente em que se encontra ou vive, interpretando as coisas, a si mesmo e ao mundo. É possível identificar, a partir desta afirmação, a influência heideggeriana em seu pensamento, uma vez que Heidegger afirma que o ser humano está no mundo e é influenciado por determinadas culturas. Estas influências que são chamadas por ele de preconceitos.

Como já foi apresentado, o iluminismo traz o preconceito como um julgamento precipitado sobre a realidade, sobre as coisas e sobre o mundo, como algo prejudicial à razão e que de alguma forma precisa ser descartado. Através de sua hermenêutica Gadamer afirma o contrário: que o preconceito é essencial ao ser humano, adquirindo até mesmo sua forma estrutural. Esse pensamento nasce a partir do conceito de Dasein de Heidegger, “o Ser Aí”, que ao ser introduzido no mundo se depara com uma cultura já existente, que por sua vez, tem como uma de suas finalidades, contribuir para que cada indivíduo constitua seus conceitos, conhecimento de mundo, de si mesmo e das coisas. “Heidegger deriva a estrutura circular da compreensão da temporalidade de Dasein” [VM: 266]. Como o Daisen é um ser hermenêutico, ele não está dado totalmente às coisas. Desta forma, o indivíduo que busca a compreender e interpretar a realidade não pode fugir do círculo hermenêutico. Partindo deste pressuposto se constata a necessidade de investigação, apresentada por Gadamer como uma conversa com a história ou diálogo. Como será exposto mais à frente.

A tradição constituída pela história, por sua vez, possibilita o conhecimento. O iluminismo, positivismo e as ciências naturais, a desconsidera por acreditar que ela sempre está sujeita a um dogmatismo, por se tratar de algo fechado que não possibilita um conhecimento racional das coisas e que quando adentra no crivo do método deve ser desconsiderada imediatamente. Mas, segundo Gadamer, é a tradição que possibilita ter a aquisição dos preconceitos legítimos. Para conhecer o nosso mundo é indispensável acessar a tradição que se forma ao longo da história e a partir dela adquirir autoridade, que o filósofo apresenta como posse do conhecimento.

Um exemplo para estas afirmações é a tradição Católica, cujas influências fundamentais e princípio de autoridade são decorrentes da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério. Ao ter contato com o pensamento de Gadamer sobre os benefícios da tradição na busca pela verdade e conhecimento, é inevitável não esbarrar na hermenêutica presente no catolicismo, quando a tradição se abre ao que o filósofo chama de diálogo. Sobretudo o que aconteceu após o Vaticano II. Abertura essa que foi crucial para que a intuição não se limitasse apenas a um fundamentalismo ou dogmatismo prejudicial. Caso contrário, sem este diálogo hermenêutico que interpreta constantemente o mundo com base na palavra de Deus e na Tradição da instituição, ela se fecharia em si mesma e terminaria como tantas outras religiões intransigentes existentes no mundo, como as que suscitam guerras em defesa de suas crenças.

Na tradição católica, como em todas as outras, é necessário um diálogo consigo e com o mundo, dado a partir de seu magistério, este que, por sua vez, é detentor da autoridade.

Mas o que seria autoridade? É ela quem possibilita que o conhecimento seja levado de geração em geração. Para Gadamer tem autoridade quem conhece. Um indivíduo possui autoridade quando tem um nível elevado de conhecimento sobre determinada coisa. Se esta autoridade não possui conhecimento ela acaba virando autoritarismo, perdendo assim a razão. Foi deste modo que o iluminismo interpretou a autoridade medieval e a estrutura da religião católica. Ao que parece, o preconceito quanto a tudo que derivou da instituição Igreja Católica, é o único preconceito aceito por eles.

“A crítica iluminista da religião acoplou ao conceito de preconceito o significado de ‘juízo infundado” (REALE; ANTISERI, História da filosofia: De Nietzsche à Escola de Frankfurt . 2008, p. 260)

Segundo o iluminismo a estrutura cristã católica estaria fundamentada em crenças que talvez nem existam, são conceitos metafísicos e que não ofereceriam nenhuma contribuição ao mundo. Se toda essa filosofia e teologia da idade média deve ser desconsiderada, então a autoridade do Papas e padres também deve ser ignorada.

Mas, para Gadamer, autoridade não é isso, mas o conhecimento adquirido a partir da tradição constituída através da história, pois ela é a que mais conhece as coisas e o mundo. É ela que possibilita um conhecimento vasto e cada vez mais amplo. Pois o que um sujeito conhece do mundo a partir da sua existência é apenas um fragmento da realidade. A autoridade de uma outra pessoa é reconhecida quando consideramos “que o outro é superior a nós mesmos em juízo e percepção, e por essa razão o juízo dele tem precedência” [VM:279]. As tradições legam juízos e costumes de uma geração a outra. Por isso um leigo aceita a doutrina pregada pela autoridade da Tradição da Igreja Católica. Desta forma, as tradições devem ser acessadas na busca de, um dia, se obter autoridade em diversos conhecimentos, para que assim, o indivíduo possa explanar com maior segurança a respeito das coisas, sobre si mesmo e sobre o mundo.

A hermenêutica filosófica, para Gadamer, aponta, então, o diálogo com o mundo como meio de prevenir preconceitos ilegítimos, ou seja, juízos precipitados das coisas. Uma vez que conceitos como preconceito, autoridade e tradição, são habilitados, nasce a possibilidade de se dialogar dentro da própria filosofia com muitas áreas do conhecimento e a abertura para receber o novo, sem excluir o seu passado e ter de começar do zero. Sendo assim, não se trata de começar do zero, mas de uma continuação interpretativa no conhecimento das coisas.

Esta presença marcante do diálogo no pensamento de Gadamer, se deve ao fato de que o filósofo ao longo da história da sua formação ter estabelecido grande contato com a filosofia de Platão, sobretudo a dialética platônica em busca do conhecimento, que é uma característica fundamental da teoria do filósofo grego. Dialogar com o diferente, não se limitando a um dogmatismo ou num conhecimento cético sobre o mundo, sobre as coisas e sobre si mesmo.

“Devemos pensar a compreensão não como um ato subjetivo, e sim como participação num evento de tradição, um processo de transmissão em que o passado e o presente são mediados constantemente” [VM: 290].

Sendo assim, sua hermenêutica filosófica considera o ser

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