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O Doido e a Morte - Raul Brandão

Por:   •  26/11/2018  •  1.580 Palavras (7 Páginas)  •  489 Visualizações

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Parece ser este outro aspeto extremamente importante deste escrito. Brandão utiliza uma linguagem simples, popular, conseguindo, com facilidade surpreendente, chegar a ideias profundas, normalmente tratadas de forma bem mais complicada e difícil de entender pelo grande público. A questão referente à exiguidade da nossa importância está presente em obras consagradas da Filosofia e da Literatura mundiais. "Guerra e Paz", a obra de Sartre, os escritos de Camus, são disso exemplo (embora os próprios exemplos sejam muitos).

Brandão consegue sempre, ao longo do texto "ligar" o estado de "grandeza" - ou suposta grandeza - ao pavor que tolhe a ação - medo ridículo quando se percebe não ter fundamento - quiçá uma situação muito mais generalizada do que habitualmente pensamos. Todo o poder - aqui dissecado no micro poder de um Governador - tem muitíssimo de representação, simbolismo e encenação, como todos nós vamos melhor compreendendo à medida que os estudos sobre esse aspeto das nossas vidas vão produzindo resultados.

A forma como Raul Brandão descreve com maestria o poder/pavor do Governador e seus acompanhantes, reduzindo-os a caricaturas teatrais, será o retrato da maioria de nós. Há aqui um traço de ironia anárquica - o tal traço de Kropotkine de que nos falam em Brandão. Há sempre, ao longo do texto, uma fina ironia, uma crítica mordaz aos poderosos, exercido desde o tempo dos faraós ao dos totalitários do século XX - o mesmo tipo de poder simbólico, mas nem por isso menos terrível nem destruidor.

O Governador, tão seguro de si, é ameaçado pelo "peróxido" nem sequer nunca lhe mostrado pelo rico Sr. Milhões. Recebera o Sr. Milhões por ele ser rico e poderoso e este - incrivelmente - assumira um comportamento de bombista anarquista!

O Sr. Milhões ameaça o Governador, dizendo-lhe: "- Vais morrer, e vais morrer porque com as tuas fórmulas, a tua papelada e o teu burlesco, és também abjeto e inútil. O cavador existe! O soldado existe! O herói existe! Tu não existes!"[3] O Governador, numa situação de desespero, vê-se só, embora grite por ajuda - e quantas vezes isso não terá sucedido a poderosos...

O Governador chamara o polícia Nunes que com a informação de que o Sr. Milhões tinha uma potente bomba em seu poder... "(O Nunes arregala os olhos.) O Nunes diz que sim com a cabeça sem poder falar. [4]

A esposa do Governador despede-se dele apressadamente com medo da mesma suposta bomba que o Sr. Milhões teria na sua posse. Diz-lhe: "- Adeus! Morrer queimada não! (à porta como quem lhe atira pazadas de terra). Morre em paz! Descansa em paz! Jaz em paz!"

Nesta altura, o Sr. Milhões comenta:"- Aí tem o senhor o que são as mulheres, a sua e as dos outros." [5]

Deste ponto rapidamente se passa para o epílogo. O Governador, desorientado pelo seu terror infundado a respeito da terrível bomba que o Sr. Milhões teria, é desacreditado com toda a facilidade (para além de já ter sido abandonado por Nunes o polícia e pela mulher).

Perante o seu desespero, descreve Raul Brandão:

"- Os mesmos e dois enfermeiros. Ouve-se barulho fora. O Sr. Milhões faz retinir a campainha. O Governador Civil cai na cadeira com gestos desordenados. Entram dois enfermeiros de casaco branco de resguardo."

O Governador protesta mencionando o peróxido, mas um dos enfermeiros, afirma que a caixa que estivera na posse do Sr. Milhões apenas continha algodão em rama. "Agarram o Sr. Milhões que os afasta saindo depois de por e tirar o chapéu lustroso e de cumprimentar cerimoniosamente. (...) Governador Civil, com os cabelos em pé, Ai o grande filho da puta!" [6]

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3) Conclusões

Como vimos, nesta obra o autor trata de vários assuntos com profundidade e simplicidade. Salienta-se o poder de síntese demonstrado por Raul Brandão, algo difícil e por isso mesmo raro. Foi um escritor fino e culto com visão ampla. O seu estilo - nesta obra - é incisivo - não se perdendo com palavras difíceis, como já foi dito. O autor do texto demonstra dispensar artifícios de linguagem. Por essa razão referi tratar-se de uma obra aparentemente de pequeno porte

Das análises desmistificadoras que faz às relações humanas em várias vertentes - matrimoniais, hierárquicas, de subserviência perante os poderosos, de poder em geral - ressalta uma crítica ao exercício dessas mesmas relações como representação simbólica e falta evidente de segurança - afinal todos somos humanos - embora alguns finjam ser deuses...

É de notar igualmente que Portugal do tempo em que esta obra foi editada pela primeira vez - 1923 - até à edição aqui referida - de 1970 era, em grande medida, um país de analfabetos. "A taxa de analfabetismo apenas diminuiu de 69 % em 1910 para 64% em 1920." [7] Mesmo em 1970, tal taxa era de 49,8%. [8]

Raul Brandão consegue mesclar análise politica, sociológica e filosófica num texto suporte de uma peça de teatro. Pelo que disse anteriormente, este tipo de texto passava pelos «buracos» da censura, porque - mesmo simples - era difícil de entender para a maioria da população. Talvez o fosse também para os próprios censores, que muitas vezes deixaram «passar» textos inconvenientes para o regime que governou Portugal durante quase meio século por também não os entenderem.

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