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A (IN)SEGURANÇA FEMININA NA INDÚSTRIA DA MODA: UM ESTUDO SOBRE O DISCURSO ADOTADO PELA REVISTA ELLE BRASIL EM SUA EDIÇÃO COMEMORATIVA

Por:   •  8/11/2018  •  3.865 Palavras (16 Páginas)  •  481 Visualizações

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Faz-se necessária uma reflexão sobre essa busca social pelo pertencimento ao mundo seleto da moda. Mesmo conscientes dos sacrifícios econômicos e pessoais que terão de enfrentar, muitos consomem desenfreadamente o que o mercado de moda os oferece, e se submetem a um ciclo constante de consumo e desejo pelo que é novo. Afinal, as tendências sempre mudam, é isso que mantém o mercado aquecido. Então, as pessoas oferecem seu dinheiro e tempo para alimentar uma indústria que, aparentemente, não oferece nada em troca além de bens materiais que logo serão considerados ultrapassados. O que leva as pessoas a optarem por essa relação de troca?

A teoria da Dádiva, elaborada pelo antropólogo Marcelo Mouss, busca explicar como funciona a lógica das trocas nas sociedades. A partir da análise de rituais de troca em civilizações arcaicas, Mouss demonstra que independente dos avanços sociais e tecnológicos, essas relações ainda ocorrem por uma razão única: o valor simbólico dessas relações, que ultrapassa o valor das coisas em si.

Nos estudos sobre os rituais ocorridos especificamente nas tribos polinésias, Mauss discorre sobre a alma dos objetos, o hau1(colocar no rodapé referência do livro). Ele explica que aquilo que é doado, ou presenteado, não é inerte, possui algo da pessoa que o doou, e, portanto, deve voltar a sua origem na forma de uma retribuição. Partindo deste ponto, poderíamos dizer que as trocas ocorridas entre essas comunidades possuíam um sentido espiritual que influenciava a troca de valor material. No entanto, ao trazermos essa discussão para o contexto do mercado de moda essas questões perdem seu propósito, a primeira vista.

Afinal, qual o significado espiritual contido em uma roupa que foi produzida em larga escala para uma loja de departamentos? Quando alguém vai até uma boutique e adquire uma peça, mesmo que esta tenha sido feita em modelo único, qual alma está sendo levada consigo, a do designer que pensou o modelo, dos costureiros que deram sua forma ou a do vendedor que efetuou a troca propriamente dita? Um ritual repleto de simbologia parece se transmutar em algo puramente material e consumista.

Todavia, uma análise atenciosa oferece uma visão diferente destas trocas. As pessoas que consomem o que é ofertado pelo mercado de moda estão na verdade em busca de algo além do físico, do visível. Elas almejam aceitação por parte de um grupo social, um estilo de vida que lhes parece atraente e melhor do que o que possuem. Ao trocarem seu dinheiro por aquele objeto específico se sentirão satisfeitos por fazerem parte de um mundo muito maior e mais glamouroso do que os seus, e, mesmo que momentaneamente, se sentirão completos.

Assim sendo, o âmago das trocas sociais continua intacto, o caráter simbólico presente no consumo de moda ultrapassa o valor da coisa em si. O mercado oferece promessas de satisfação pessoal e oportunidade de ascensão social, e as pessoas oferecem seu dinheiro como retribuição.

Para viabilizar a existência de tal relação de troca em um mundo globalizado é necessário uma ferramente para estabelecer o diálogo entre as duas partes. Esse papel é desempenhado tanto no nível pessoal, onde as pessoas observam as vestimentas umas as outras nas ruas, quanto por veículos de comunicação digitais, impressos e audiovisuais. Por meio destes veículos tanto o mercado de moda estabelece normas de comportamento e vestimenta, como já foi discutido anteriormente, como seus consumidores expõem suas aquisições e opiniões sobre o próprio mercado. É uma via de mão-dupla que se intensifica com a convergência dos meios de comunicação.

A revista ELLE é reconhecida como uma das maiores representantes da indústria da moda mundial, caracterizada por produzir conteúdo sobre as últimas tendências e também oferecer aos seus leitores, em maioria mulheres de classe média alta com idade entre 25 e 50 anos (SUSS e ZABOT, 2009, p. 3), dicas de comportamento e estilo de vida. Em maio de 2015 ELLE completou 27 anos de presença no Brasil. O tema escolhido para a edição comemorativa trazia a proposta de contemplar as diversidades e incentivar seu público a assumir seu corpo, sua idade e suas diferenças com orgulho. Nas palavras da diretora de redação, Susana Barbosa, “Esta edição de aniversário da ELLE é uma celebração da atitude, das escolhas particulares e da beleza singular de cada uma de nós.” (referência direta ou no rodapé ?). Tal escolha foi interpretada, ainda por Susana, como um dos indicativos de que a revista ELLE está sempre buscando inovar em seus editoriais. Ela afirma, “Quem nos acompanha todos os meses sabe que adoramos quebrar barreiras, romper preconceitos e apostar no novo.[...]Este mês, claro, continuamos olhando para a frente...”. (referência direta ou no rodapé ?)

Esse discurso plural ficou evidenciado principalmente na capa da revista. No total, foram produzidas setes capas diferentes, seis para a edição on-line, disponível somente para assinantes, e uma para a versão disponível nas bancas de revista. A versão digital que ganhou maior destaque foi estampada pela jornalista e blogueira de moda plus size Juliana Romano em uma foto sensual, onde a blogueira aparece seminua e sem a interferência de programas de edição de imagem para esconder ou suavizar suas gorduras. A presença de uma mulher acima do peso em uma capa de revista de moda, papel normalmente exercido por mulheres esbeltas, representa uma ruptura na representação feminina vista tradicionalmente nesses meios de comunicação. Essa ruptura, aliada à fama anterior de Juliana Romano nas mídias digitais justamente por defender a beleza das mulheres gordas, fez com que a repercussão dessa capa fosse maior do que as outras, e a evidenciou em vários outros blogs de moda e também páginas pessoais anônimas.

A capa da versão impressa era uma folha espelhada, aplicada manualmente em cada uma das revistas, que possibilitava às leitoras verem seus rostos refletidos, ou seja: elas estavam na capa da revista, independentemente de terem ou não o perfil de mulher tradicionalmente representado neste espaço. A capa teve repercussão nas mídias sociais com a hashtag #VocêNaCapa tanto por parte de famosas que postaram sua imagem refletida na capa em suas páginas pessoas, quanto mulheres anônimas que fizeram o mesmo.

A matéria que remetia com mais ênfase nesse tema da pluralização das referências de beleza era uma das que estavam presentes na capa, chamada Love-se. Escrita pelas jornalistas Sandra Soares e Camila Holpert, o conteúdo era focado no papel que as minorias sociais, representadas no texto pela pedagoga negra Bruna de Paula, a blogueira plus size Juliana Romano e a modelo ageless2

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