Teatro Oficina antropologia da performance
Por: Carolina234 • 23/12/2018 • 3.432 Palavras (14 Páginas) • 332 Visualizações
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“Tragicomediorgya e Opera Brazyleira de Carnaval no Terreiro Eletronyko”, é assim que muitas vezes, entre outras formas, o grupo se denomina. Podemos ao partir de uma análise de tal técnica de nomeação, discurso e linguagem concomitantemente discorrer sobre as característica e historicidade juntamente com o caráter pluralmente performativo do grupo, inscrito aqui primeiramente na dimensão da linguagem. Tal qual as noções sobre o discurso ritual, poesia e a performance em Zumthor (2007) o Oficina ao fazer uso da linguagem poética, em forma de neologismos e transfigurações de grafia, estabelece um carácter absolutamente performativo, concreto, fazendo passar ao ato à linguagem. A importância política de tais inflexões poéticas e frequentes transfigurações de linguagem operadas pelo grupo (tais como em “Utropia”, “Anhangabaú da Felicidade”, “ReVolição”, e etc.) impõe-se, através do desejo antropófago - característico do grupo, frente aos históricos mecanismos colonizadores que a língua por si só não só revela, como reafirma. Ao transfigurar a grafia, fazendo junções e neologismo de inestimável valor poético, a língua é recriada de forma performática, concretizando uma postura, se não, uma busca por decolonialidade.
Emprestando categorias e noções tão diversas quanto complementares, ao degluti-las emerge a inovação, potência liberada! Analisemos portanto tal epíteto e suas potências performáticas. “Tragicomédia” é uma expressão advinda de Plauto clássico autor grego, o único a tratar de tal mescla que une o drama da tragédia com o humor da comédia em sua obra Anfitrião Plauto discorre:
O que é isso? Vocês franziram a testa? Porque eu disse que ia ser uma tragédia? Sou um deus, e posso mudá-la; se vocês quiserem farei da tragédia uma comédia, com os mesmos versos, todos eles. Querem que seja assim ou não? Mas que bobo que eu sou! Como se eu não soubesse o que vocês querem, eu que sou um deus! Sei o que existe na cabeça de vocês a respeito disso. Vou fazer com que seja uma peça mista: com que seja uma tragicomédia porque não acho certo que seja uma comédia uma peça em que aparecem reis e deuses. O que vou fazer, então? Como também um escravo toma parte nela farei que seja, como já disse, uma trágico-comédia. (PLAUTE, Amphitryon, 52-63).
O Oficina acrescenta a tal expressão o termo orgya que aparece recorrentemente na fala de Zé Celso. Em entrevista a Marilu Cabañas para a Rádio Cultura AM em 24 de jan. de 2005 o diretor sinaliza sua definição:
“Dizem pra eu não usar esta palavra, mas eu vou dizer: orgiástica. Porque emprego a palavra orgiástica não só no sentido da sexualidade livre, do amor livre, mas também no sentido de mistura da tecnologia virtual com a tecnologia mundial que é o teatro, da mistura de tudo com tudo. É nesse sentido que emprego “orgya”. Mas não deixo de empregar no outro sentido, porque o teatro Oficina tem uma importância na luta pela liberdade sexual, que hoje se transformou num fenômeno político no mundo, por causa deste fato que foi desconfigurado, por exemplo, no casamento dos gays”.
Portanto é atraves da idéia de “orgya” que o Oficina aciona as noções sobre antropofagia de Oswald de Andrade, a antropofagia como procedimento estético tem como marco na trajetória do oficina a montagem de "O Rei da Vela" (MAGALDI, 2004). Desde então, as idéias de morte e devoração estão presentes na trajetória do Oficina em todas as suas áreas de atuação. Também é o caso da expressão “bárbaros tecnizados”, que oriunda de Oswald é utilizada por Zé Celso em outros momentos para definir o grupo – tal expressão faz referência ao uso de várias linguagens como o cinema e o teatro, e à amálgama de novas tecnologias com elementos considerados arcaicos como o teatro.
Quanto ao termo “Opera Brazyleira de Carnaval”, este faz referência a uma dupla junção, primeiramente a partir de “Opera” ao caráter absolutamente musical dos espetáculos do Oficina. Que são extensamente musicados, e de forma “ao vivo”, com uma completa e primorosa banda que ocupa um lugar central no espaço do Terreyro Eletroniko, e do impressionante “coro” - tal qual o grego, instituição característica do grupo que potencializa em multidão falas, canções e textos evocando a “vivacidade”[6] dos atores-performers. Tal banda ao reproduzir músicas amplamente conhecidas que remetem a contextos outros proporciona “enquadres”[7] singulares, inusitados e amplamente performativos, às cenas da peça. Performativos ao passo que dialoga contextos diversos criando um pano de fundo inusitado e coconstitutivo entre a cena em questão e o contexto social emulado musicalmente. Enquanto exemplo poderia referir a um trecho de “Bacantes” que quando tratando da fome de júpiter ao nascer, o coro e a banda cantam e dançam de forma carnavalesca a marchinha de carnaval “mamãe eu quero mamar” proporcionando a cena múltiplos e diversos níveis de contexto.
Segundamente, através dos termos “Brazyleira de Carnaval” o grupo remete ao legado Oswaldiano supracitado, do qual é fruto. Por meio de expressões autênticas da cultura nacional como o samba, o carnaval e o candomblé o Oficina acrescentou às suas performances o gene da filosofia oswaldiana. Criando, especialmente a partir dos anos 80, um modo bastante particular de fazer performance, ou nas categorias nativas de fazer teato. Este modo específico de performance afasta de certa forma o Oficina tanto das noções sobre crueldade e sofrimento das formulações de Antonin Artaud, como da história da arte da performance pelo mundo a fora e dos “teatros do real” fundada sobretudo em corpos sacrificados, dando vez aqui, à corpos amplamente carnavalizados, que defenderão em cena uma poética do gozo.[8]
Finalizando a análise performativa do epíteto, nos resta o conceito de “Terreiro Eletronyko”, que é a forma como o grupo passa a definir o espaço físico do teatro. Tal definição faz referências a um terreiro de candomblé, com céu aberto e chão de terra, mas no caso do Oficina com sofisticados recursos tecnológicos, tais quais a constante e ininterrupta captação e exibição audiovisual que compõem o “cinema ao vivo” que literalmente faz um enquadramento específico das cenas, que por serem compostas de forma extensa e múltipla, com dez, vinte ou mais atores-performers concomitantemente em cena, foca o acontecimento ou encenação nuclear. Sobre a disposição física do terreyro cito Isabela Oliveira, em “Bárbaros tecnizados”:
O "terreiro eletrônico" é o espaço interno do teatro da rua Jaceguai e compreende
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