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Globalização e Diversidade Cultural

Por:   •  24/10/2018  •  2.662 Palavras (11 Páginas)  •  328 Visualizações

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Mas no contexto desta reflexão o fenómeno da globalização é o de uma reflexão sobre identidade, identidades e multiculturalismo e o que é certo é que, apesar da sua pré-história e da sua história, as características com que tal fenómeno hoje se apresenta e as implicações que tem sobre a esfera cultural marcam com novos traços o fenómeno da multiculturalidade e contribuem também para sublinhar as insuficiências do conceito de cultura com que muitas concepções de multiculturalismo.

Com efeito, quer no que se refere às implicações culturais da globalização neoliberal, quer no que se refere às consequências dos movimentos alternativos de solidariedade entre povos e culturas da globalização anti-hegemónica, quer se tenham em conta o impacto dos fluxos comunicacionais, o que se acentua é o movimento, a circulação, a transformação e o devir. Ao lado de tendências homogeneizadoras ao nível do vestuário, da alimentação, da música ou do cinema, com a sua vocação uniformizadora, verificam-se também tendências diferenciadoras através de formas múltiplas de assimilação, miscigenação e cruzamento cultural, sendo, por isso, tão inadequado considerar que a globalização só promove a homogeneização quanto considerar que não interfere com as culturas societais a partir das quais se definem os conceitos de nação, comunidades regionais ou locais, idiossincrasias linguísticas ou configurações étnicas.

Desde a antiguidade grupos, comunidades e povos procuraram afirmar as suas identidades em contraposição aos demais. Parece paradoxal, mas ao pensar em identidade, um dos elementos fundamentais é a diferença. Nesses processos foram muitas as experiências de dominação, ou seja, de fazer com que o outro assuma a identidade dominante. Nesses casos, a diferença é utilizada como justificativa para a dominação daqueles que possuem mais poder e da subordinação dos demais. A diversidade passa a ser pretexto para a imposição de valores, de costumes e culturas. Ainda restam evidências desses processos nas muralhas, nas guarnições militares, na delimitação de espaços, na formação de guetos, na constituição de campos de concentração, etc. Constroem-se barreiras para impor relações de dominação e de exclusão do outro. A diferença constitui-se, nesses casos, numa ameaça e deixa de ser uma possibilidade de crescimento.

Na actualidade não faltam situações que negam a diversidade e afirmam a homogeneidade, ou seja, nega-se a diferença e, portanto, as possibilidades de relações solidárias. A questão da diversidade aponta para um paradoxo: da mesma forma que a sua negação pode discriminar, a afirmação de um relativismo total pode produzir o mesmo resultado. Partimos do pressuposto que vivemos em sociedade e, portanto, estabelecemos relações uns com os outros. A afirmação de um relativismo total expresso na ideia de que cada um pensa e age da sua forma, a diferença coloca-se como um obstáculo para a convivência e nega a possibilidade de um diálogo crítico e construtivo. Construímos na convivência social e estabelecemos relações com os outros. O relativismo extremado pode justificar actos e práticas discriminatórias baseadas numa pseudo ideia de superioridade.

Frequentemente, várias instituições públicas são severamente criticadas por não reconhecerem ou respeitarem as identidades culturais particulares de alguns cidadãos. Nos Estados Unidos, o ponto fulcral desta controvérsia é constituído em geral pelos problemas dos afro-americanos nativos e das mulheres; mas ao elenco poderiam juntar-se outros grupos e, se se desse a volta ao mundo, a lista mudaria. Apesar de tudo, é difícil hoje encontrar uma sociedade democrática ou democratizante que não seja teatro de controvérsias importantes sobre o problema de se (e como) as suas instituições públicas devem ou não reconhecer a identidade das minorias culturais e desfavorecidas. O que significa para cidadãos como nós, com identidades culturais diversas baseadas muitas vezes na categoria na raça no sexo ou na religião, reconhecermo-nos iguais? Provavelmente, esta questão resume o debate em curso no seio da sociologia, da política e do direito acerca do comportamento que os governos deverão ter perante as sociedades cada vez mais multiculturais.

Se até á alguns anos o problema parecia dizer respeito somente a países como os Estados Unidos, o Brasil, o Canadá, actualmente são abrangidos muitos outros Estados, cujo número está destinado a crescer. A presença no seio de um mesmo país de grupos de diversa proveniência geográfica, religiosa e linguística, com hábitos, sistema de valores e modos de vida infinitamente distantes, cria uma situação em relação à qual as democracias ocidentais, nascidas no seio dos Estados nacionais, não se encontram preparados na mesma linha. Por um lado, experimenta-se de imediato a dificuldade no confronto com o “diferente” e receia-se a discussão dos elementos fundamentais do próprio viver; por outro, o confronto cada vez mais inevitável e, por experiência da história passada, fonte de recíproco enriquecimento.

O mundo que hoje percorremos e habitamos proporciona-nos uma vivência contraditória da familiaridade e do estranhamento que temos ou não temos com as coisas, as pessoas, as culturas e o seu acontecimento plural no mundo e na história. Ao mesmo tempo que as distâncias se anulam pelas vias electrónicas da comunicação, tornando vizinhos os que tão longe habitam nesta aldeia global, apagam-se as referências doadoras de sentido, que permitiam outrora desenhar os mapas da nossa orientação e reconhecer no céu infinito estrelas privilegiadas como guias da nossa caminhada. Assim, se a aldeia facilita o reconhecimento, a multiplicação ao infinito das estradas e das ruas potencia o desconhecimento e se a globalização parece homogeneizar, tal homogeneização impede a percepção diferenciada da singularidade inalienável do outro e dos outros, sem a qual é impossível o diálogo, que pressupõe sempre a relação entre dois seres em comunicação mas irredutíveis na sua alteridade.

Dois fenómenos, com implicações culturais significativas, têm vindo a marcar as últimas décadas do nosso desenvolvimento económico, político e cultural: a erosão do Estado-Nação, por um lado, e a globalização, por outro. É na intersecção destes dois fenómenos que se situa a realidade do multiculturalismo. Com a erosão do Estado-Nação (mais visível em Estados marcados há séculos por traços históricos e culturais a que a tradição dava uma certa identidade), é a natureza culturalmente compósita dos Estados que passa a primeiro plano. Esta dissolução do Estado-Nação, aliada ao fenómeno da globalização,

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