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Distrito 9: Exercício de alteridade na compreensão da segregação racial

Por:   •  10/1/2018  •  1.909 Palavras (8 Páginas)  •  290 Visualizações

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Nessa perspectiva, os discursos de eugenização materializados na retirada dos aliens do distrito 9 (que é na cidade) para outro espaço à 200km (distrito 10), os quais são fomentados pelas falas da população e de alguns entrevistados, para a “maior segurança” do humanos, correspondem a um dos pontos de crítica estabelecidos no filme, o que de certo modo, nos lembra um pouco as análises de Gilberto Freyre em sobrados & mocambos, quanto ao equilíbrio dos antagonismos e as relações entre dominantes e dominados na organização da estrutura social, onde a periferia era lugar de negros e pardos, os quais eram vigiados, controlados e contidos.

As relações econômicas constituídas dentro no distrito 9 eram estabelecidas em uma espécie de troca, onde os humanos que viviam neste espaço (os quais são caracterizados como criminosos e bandidos) exerciam o comando de poder em relação aos aliens, estes para conseguirem comida, especialmente comida de gato (que era a moeda de troca), ofereciam os armamentos alienígenas que eram o “desejo” dos homens, principalmente o desejo de encontrar uma maneira de utilizá-lo.

As disputas entre aliens e humanos podem ser organizadas em dois grandes grupos para entendermos os discursos apresentados e manipulados. O primeiro está relacionado à compreensão de pertencimento, quando é ressaltada a busca pelo retorno a “casa”, em relação aos aliens, e a afirmação dos humanos que eles não sabem o que é propriedade, “precisamos ensinar que esse lugar é nosso” – disse um personagem. O segundo relaciona a utilização tecnológica, especialmente ao armamento alienígena, visualizado, principalmente, com a cooperação entre governo e uma multinacional referência na produção de armamento – a MNU, que em uma frente é justificada pela “pressão” da população para a retirada e eliminação dos alienígenas e por outra, por uma empreitada de aquisição quantitativa de armamentos e de “cobaias” para os testes de utilização efetiva das armas, as quais possuíam operação vinculada ao DNA alien.

Sobre este contexto, Peter Fry (2001) nos permite chaves de entrada para tentar compreender o processo de “assimilação”/incorporação de tecnologias exclusivas dos alienígenas, ao argumentar sobre a apropriação do samba e o candomblé pela burguesia branca e sua transformação em instituições nacionais lucrativas (tanto econômica quanto politicamente) no Brasil . Assim, seguindo essa linha de pensamento apresentada por ele, o controle (uso efetivo de armamentos aliens/ tecnologia) e a produção de armas distinguiriam a MNU das demais empresas no ramo bélico e esta utilização (leia-se poder político e econômico conseguido por essa diferenciação) a localizaria politicamente e economicamente como “um instrumento para assegurar a dominação” (FRY, 2001, p. 43), assim “quando se convertem símbolos de “fronteiras” étnicas em símbolos que afirmam os limites da nacionalidade, converte-se o que era originalmente perigoso em algo “limpo”, “seguro” e “domesticado”” (p.43).

O acidente ocorrido com o personagem principal, Wikus Van de Merwe, que em contato com um líquido desconhecido inicia o processo de metamorfose, que vamos chamar por ora de hibridização, desloca o centro das atenções, que estavam nas armas, para si próprio a partir da identificação pelas autoridades (MNU) de sua capacidade de operar as armas, tornando-se o humano “elo” entre a tecnologia alienígena e sua efetiva utilização pelos seres humanos. Lilia Schwarcz (1996), em seu artigo “usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do século XIX”, ao apresentar um panorama da construção dos discursos que foram mediados pelas teorias raciais no Brasil, nos ajuda a problematizar a “passagem” dos discursos de inferioridade dos aliens e o enaltecimento da mestiçagem, o qual está vinculado diretamente ao uso das armas.

Durante a narrativa do filme, os discursos médicos e midiáticos colocam os aliens em um patamar inferior, o que justiça, de certa forma, as ações realizadas para o controle de natalidade (que é expresso em uma cena onde os ovos são estourados como pipoca pelo atamento de fogo em um barraco). Mas, Schwarcz nos leva mais adiante em relação aos discursos ao afirmar que o surgimento do Darvinismo empregou a noção de evolução dos homens a partir do novo conceito de raça em que esta seria algo fixo e o entrecruzamento entre ela era considerado algo degenerativo, logo a mestiçagem foi encarada como “deficiência” nos diferentes períodos políticos do Brasil. Os teóricos brasileiros passaram a apresenta-la como algo prejudicial ao futuro da nação e que concretamente, deveria ser combatida. Assim, estabelecendo uma associação à mudança deste discurso para a exaltação do mestiço com o deslocamento do interesse pelas armas para o interesse de produzir homens híbridos, mesmo que para entender essa possibilidade seja necessária a eliminação total da espécie estudada, no caso Wikus Van de Merwe, podemos apontar para uma política de intolerância, ao fixarmos os sistemas de classificação racial, o que pode ser destacada em uma das cenas onde Wikus que é humano-branco é “reduzido” ao termo mestiço de merda por outro personagem, mas ao mesmo tempo “ressaltado” pelos dirigentes da MNU com muitas aspas é claro, afinal a sua estrutura biológica que é o interesse, não mantê-lo vivo.

Os discursos apresentados na narrativa nos levam a muitas outras discussões, à medida que estabelecem diversos pontos de vistas sobre o deslocamento forçado dos aliens, mas queremos destacar aqui a compreensão de pertencimento dos aliens em relação ao planeta terra, quando em uma das cenas o filho de Christopher (criança alien) pergunta ao seu pai como era o seu planeta (lugar de nascimento do pai) e como deseja conhece-lo associando ao seu verdadeiro lar. Dentro desse contexto, Joseph Handerson (2015), a partir de suas análises em “diaspora, sentidos sociais e mobilidades haitianas”, nos permite compreender que mobilidade é também entender relações entre pessoas e Estado e o sentidos sociais desta mobilidade. Embora a criança alien, ao que tudo indica tenha nascido na terra (se pensarmos em local de nascimento é terrestre), a ligação construída e

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