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Contradições do Partido Peronista Feminino

Por:   •  6/12/2018  •  1.720 Palavras (7 Páginas)  •  293 Visualizações

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É possível situar Eva, ao lado de Perón, como uma das principais transmissoras do discurso peronista; ela conferiria legitimidade a esse discurso ao expô-lo como originário do domínio feminino e não de fora dele, fazendo-o parecer como convergente para necessidades e demandas do gênero feminino. Também, o fato de as mulheres terem Eva Perón como sua interlocutora converte-as em sujeitos da ideologia peronista, favorecendo a recepção daquele discurso. Nessa argumentação, é perceptível a precaução com a adesão de grande número de mulheres ao peronismo, como resultante do bem sucedido esquema de controle daquele governo posto no aparato discursivo e que culminaria com a criação do Partido Peronista Feminino (SOIHET; COSTA, 2011).

Entretanto, embora a programação do PPF estabelecesse para as mulheres direitos iguais aos homens, além de especificar a liberação feminina como um dos postulados chave, na verdade os membros femininos não foram encorajados a assumir posições de liderança, já que predominava a ideia de uma identidade feminina essencialista. Esperava-se das mulheres “um espírito de sacrifício e renúncia”, virtude “natural” nas mulheres de acordo com o discurso peronista, o que se contrapunha àquelas disposições programáticas, em nada contribuindo para o desenvolvimento de sua consciência de gênero (SOIHET, 2012). Além disso, Evita também afirmava verbalmente que as mulheres deveriam ter um comportamento ‘calmo e obediente’. Ou seja, o partido incentivava a participação feminina no processo democrático, de forma a promover maior harmonização política, mas não incitava a liderança do sexo feminino em papeis de destaque; ao invés disso, encorajava uma ‘liberdade dentro dos limites’. Eram incentivados programas de atividades culturais, corte e costura, bordado, culinária e pedagogia. Ou seja, quase uma extensão da maternidade e dos papeis considerados femininos em âmbito público. Eva Perón afirma em um de seus discursos,

Para as mulheres, ser peronista é antes e acima de tudo ser leal a Perón, subordinada a Perón e cegamente confiante em Perón.

Evita, ao utilizar-se dessas políticas, revelava sua concordância com as diretivas estabelecidas para as mulheres pela ordem vigente, o que facilitava sua instrumentalização com vistas a ampliar seu espaço de atuação que, de fato, em muito ultrapassava os limites estabelecidos para as mulheres (SOIHET, 2012). Essa ‘submissão’ era a única forma de o partido funcionar na época: se ajustando às vontades do líder vigente. Por um lado, o PPF era mais uma preocupação de conquistar o apoio feminino ao governo de Juan Domingo Perón do que uma atenção ao direito das mulheres. Por outro lado, inegavelmente, Evita Perón abriu caminho para futuramente a primeira mulher presidir a Argentina. María Estela Martínez de Perón, a terceira mulher de Perón, assume a presidência em 1974.

Com a morte de Eva, em 26 de julho de 1952, o PPF sofreu dois golpes: a ausência de sua líder e o fim do governo de Peron em 1955. A sucessora da liderança do partido, Delia Parodi, segundo Barry (2009), não era tão carismática quanto sua antecessora. Grande parte da força da organização política vinha da imagem de Evita, considerada uma mãe do povo e amiga das mulheres.

Portanto, é possível concluir que o Partido Peronista Feminino surge em um período onde o ambiente político era predominantemente liderado por homens, tendo que superar diversos obstáculos e adaptar-se à ordem política vigente para poder se consolidar como força partidária. É inegável que o partido trouxe mudanças significativas, dando visibilidade para um grupo social que antes era praticamente invisível quando se trata de participação pública. Entretanto, ainda é possível apontar contradições, já que, no final das contas, o objetivo principal era obter sustentação política feminina à Juan Domingos Peron. Além disso, as mulheres eram pouco encorajadas a deixar de lado seu papel doméstico, não conseguindo desvincular-se da imagem de ‘belas, recatadas e do lar’, mesmo que dentro do aspecto político.

“Esse discurso reitera práticas e recorre a representações que expressam a relação de dominação masculina, exigindo das mulheres comportamentos vistos como resultantes de “uma ordem natural (...) universal”, mas, na verdade, decorrentes de uma construção histórica, cultural e linguística. Dessa forma, no tocante aos gêneros, Perón reafirmava a relação tradicional entre homens e mulheres e o exercício de papéis próprios a cada um deles, tudo aquilo que tem impedido às mulheres uma efetiva autonomia (Chartier, 1995: p.42). Eva Perón, por seu turno, parece seguir caminho idêntico, num dado momento em que procura resolver um conflito interno da seção feminina do partido, relacionado a divergências surgidas com os homens. Seu argumento é o de que, a seção feminina não se deveria tornar um problema, um aborrecimento para Perón, prescrevendo que em lugar de luta contra os homens, as mulheres agissem em estreita colaboração com eles” (SOIHET; COSTA, 2011).

A democracia não é plena se for limitada a papeis de gênero. Esse foi o principal problema do PPF, que poderia — apesar de a época ser, de fato, um período consideravelmente patriarcal — ter buscado defender mais os interesses femininos de forma autônoma, desvinculando-se ao máximo da influência masculina e dos papeis tipicamente designados para mulheres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRY, C. Eva Perón y la organización política de las mujeres. Disponível em: . Acesso em: 06. jun. 2017.

CABRERA, P. C. M.; RANGEL, P. D. Mulheres, política e feminismos na América do Sul (Argentina, Brasil e Chile). Disponível em: . Acesso em: 07. jun. 2017.

ELENA, E. Dignifying Argentina: Peronism, Citizenship, and Mass

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