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A Mulher cantada em (per)verso e prosa: da naturalização ao empoderamento

Por:   •  9/12/2018  •  4.116 Palavras (17 Páginas)  •  364 Visualizações

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Nesse sentido, Gomes (1996) defende que não podemos admitir a sociedade como um espaço neutro, e sim entendê-la como um ambiente permeado por contradições e conflitos que precisam ser problematizados, objetivando reduzir e quiçá eliminar as desigualdades entre os gêneros.

Dessa forma, este trabalho tem por objetivo observar como a mulher é retratada nas letras de algumas canções, analisando como a imagem do feminino é valorizada ou desvalorizada na música popular brasileira.

- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

A pesquisa tem uma abordagem qualitativa viabilizada por meio de uma análise documental. Entende-se como documento a fonte de dados brutos para quem o investiga, cuja análise envolve um conjunto de operações, verificações e transformações realizadas a partir do mesmo com a finalidade de atribuir-lhe um significado relevante relacionado a um problema de investigação (CALADO; FERREIRA, 2004, p.3). Os documentos analisados foram letras de três músicas do universo popular brasileiro que trazem mensagens que ora valorizam, ora estereotipam a imagem da mulher que é cantada (como melodia ou como flerte), cuja mensagem pode ser depreciativa ou positivada.

Ao problematizar as músicas como veículo que pode contribuir para valorizar ou desvalorizar as mulheres, questionamos: Que mensagens acompanham as letras que retratam a submissão feminina ante o androcentrismo em pleno século XXI? Porque diversas músicas ainda vinculam a figura feminina a objeto de prazer, diversão e perversão?

Para uma análise que possibilita a compreensão acerca do tema proposto, as análises foram sustentadas por discussões trazidas por autores como Iara Beleli (2007), Luzia Rodrigues da Silva e Maria Cecília de Lima (2008) e Valdonilson Barbosa do Santos (2013) que nos embasarão na discussão com a utilização de recursos de linguagem, dominação masculina, empoderamento feminino, além de temas como gênero, cultura e identidade.

- ANÁLISES E DISCUSSÕES

Mulher duplamente cantada

Há uma ambigüidade encontrada na palavra “cantada”. Ela pode representar o ato de cantar, mas também o de flertar alguém com o objetivo de sedução e conquista. Nesse ponto, refletimos o porquê do flerte e da sedução.

Será que a “cantada” com esse sentido não se dá por conta de termos o tema mulher muito difundido nas canções?

Em toda a história da arte, comumente a mulher aparece como tema central, especialmente no período do romantismo, quando ela era vista como santa, anjo, símbolo de pureza e castidade; e em muitas vezes também como motivo de sofrimento de dor da humanidade, principalmente para os homens. Vemos o papel de a mulher ser muitas vezes representada como mártir, santa (se representar bem seu papel de mãe e esposa) e como pecadora, objeto de prazer e merecedora de toda a dor e sofrimento por não cumprir o papel de boa esposa e mãe, exigência da sociedade patriarcal.

Beleli (2007) aborda a análise de imagens e de recursos de linguagem que, ao serem utilizados, buscam apreender como a propaganda objetiva ou desestabiliza noções de gênero e sexualidade percebidas como tradicionais. Num paralelo com a música, a mensagem “cantada” pode exaltar ou depreciar a imagem feminina, pois a mensagem subliminar pode esconder o verdadeiro interesse em jogo, podendo também “cantar” de forma grosseira e depreciativa.

Na produção musical brasileira atual existe um nicho considerável de mercado que utiliza mensagens de teor insultuoso no trato feminino, cujo movimento é acompanhado por milhões de seguidores. Nos estudos apresentados por Beleli (2007), esses modelos positivos ou negativos são empregados para “criar intimidades entre os consumidores, de forma que eles se vejam refletidos nas imagens propostas” (p. 194). As mensagens pejorativas com o trato feminino, por serem permeadas de sedução, impactam o gosto pelo o que é visto como “natural” e até bonito.

Segundo Beleli (2007), cria-se um campo fértil de identificação com determinados modelos que reforçam “identidades” ligadas à sexualidade e gênero. Assim, mediante as peças publicitárias e as músicas, estereótipos são criados, distinguindo categorias de pessoas a partir do que é dito sobre elas. Exemplo disso é a mensagem cantada na música “Só um tapinha não dói” do Bonde do Tigrão que apresenta o estereótipo da “mulher gostosa”, de dança lasciva e que reflete uma submissão feminina, além de reduzir a sua imagem a um objeto de prazer e sedução, como expressa o excerto:

Dói, um tapinha não dói/Um tapinha não dói/ Em seu cabelo vou tocar/Sua boca vou beijar/Vou visando tua bundinha/Maluquinho pra apertar/Vai “glamorosa”/Cruza os braços no ombrinho/Lança eles pra frente e desce bem devagarinho/Dá, dá, dá uma quebradinha e sobe devagar/Se te bota maluquinha/Um tapinha eu vou te dar.

Essa música fomenta as práticas sociais observadas nos diversos bailes funk que acontecem país afora, cujas danças fazem forte apelo libidinoso das meninas e o assédio masculino, não sendo raro presenciar atividades sexuais nestes ambientes.

Estas representações são aceitas e convertidas em práticas sociais que reportam a uma banalização da imagem feminina e a supremacia do falo que, em conformidade com Rubin (1975, p. 14) incorpora o status masculino de ter direitos sobre as mulheres que elas próprias não têm sobre si mesmas. Na supremacia do pênis sobre o clitóris com reafirmação da cultura “fálica”, a mulher objeto se sobrepõe à guerreira, forte e decidida a ocupar seu espaço na sociedade com poder e impondo respeito.

As escolhas de elementos lingüísticos materializados nos textos trazem ideologias que não se manifestam de forma explicita. Conforme Silva e Lima (2008),

[...] a ideologia torna-se um sentido veiculado na sociedade, promovendo a sustentação de relações de poder existentes e provocando a configuração de novas formas de domínio. Esse sentido é, portanto, veiculado nas práticas sociais, o que, inevitavelmente, leva-nos a dizer que as formas visíveis dessas práticas definem-se com determinados sentidos ideológicos. (p.100)

Em contraposição a isso, ao dizer que “um tapinha não dói” e que vai tocar os cabelos, beijar a boca e apertar a bundinha da menina, configura como uma forma de domínio masculino sobre a mulher de forma bem clara, sustentando o papel vivo da linguagem “para manter (...) valores, crenças e práticas dentro de contextos específicos de uma

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