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Análise filme Volver de Almodovar

Por:   •  7/4/2018  •  3.443 Palavras (14 Páginas)  •  500 Visualizações

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A relação que tem com a filha e as atitudes que tomou ao longo do filme sofreram influências de determinados acontecimentos que tiveram em comum em suas vidas: assim como Paula, Raimunda também foi vítima de abuso sexual por parte de seu próprio pai. A diferença é que Paula assassinou seu pai, Paco, antes de ele conseguir realmente realizar o ato de abuso, enquanto Raimunda chegou a engravidar do pai, mantendo o segredo de que era mãe e irmã de Paula ao mesmo tempo. Estas situações traumatizantes não resultaram em sentimentos considerados comuns na fase de luto, pois a tristeza fora breve, e ficou evidente que estavam preocupadas em encontrar alternativas de sobrevivência em meio à situação de desamparo. A sensação de tristeza era substituída pela ideia de recomeço, livre de sujeitos que poderiam exercer seu poder de dominador e cometer atos agressores.

Outra figura importante da história é a mãe de Raimunda, Irene: ela também cometeu um assassinato semelhante. Por outro lado, decidiu se tornar um “fantasma”. Depois de muito tempo suportando o fato de que seu marido tinha uma amante e de que abusou sexualmente de sua filha, em um determinado momento resolveu atear fogo na sua casa enquanto ele e a amante dormiam abraçados. Como fugiu, em seguida, as pessoas acharam que o cadáver era de Irene, e pensaram que quem tinha sumido era a amante. Alimentando este equívoco da população, Irene passou a cuidar de sua irmã que apresentava quadro clínico de doença mental – explica-se, no filme que, pelo fato de haver muita ventania na vila onde se passa a história, próxima a Madrid, há muitos casos de pessoas com doenças mentais -, mas mantém-se escondida das outras pessoas. Também neste caso, Almodóvar deixa de lado um possível drama policial, em que a eficácia das investigações poderia ser questionada.

A ideia da morte está presente em vários pontos do filme. Inicia-se logo com as personagens principais no cemitério da vila onde morava a tia de Raimunda, visitando o suposto túmulo de Irene. Mostra-se que a relação da população local com a morte é ritualística mesmo antes de a pessoa falecer, pois há o costume de cuidar do próprio túmulo antes de ir a óbito, não sendo uma tarefa exclusiva da família ou de pessoas próximas. Almodóvar explicita, através da fala de uma das personagens, que os homens costumam morrer antes que as mulheres. Esta fala se encaixa com os acontecimentos posteriores ao longo do filme, mesmo que os homens da trama não tenham morrido de causas naturais. O fato de eles terem sido assassinados por mulheres e meninas da própria família demonstra duas ideias que o espectador pode observar: a indignação dos sujeitos femininos com a dominação e o abuso masculino e a vida em família guiada a partir de caminhos feitos somente pelas mulheres.

Estes caminhos traçados por elas, na história, merecem atenção. Há segredos guardados entre as personagens, revelados ou não durante o filme. Mesmo que as mulheres mantenham escondidas informações entre elas - como os assassinatos e o esconderijo de Irene na casa de sua outra filha, Sole - a ajuda mútua que se oferecem em várias situações mostra que não há conflitos muito graves entre as personagens femininas. Muito pelo contrário, seus laços transmitem ao espectador uma sensação de plena solidariedade.

Sole é irmã e grande companheira de Raimunda. Divorciada, trabalha em sua própria casa que também serve de salão de beleza. Protagoniza as cenas mais cômicas do filme, devido ao seu medo de fantasmas e à aparição de sua mãe depois que sua tia morreu, fazendo-a pensar que Irene ainda estava morta, mas que necessitava resolver assuntos pendentes no “mundo dos vivos”. Sole cuidava de sua sobrinha Paula quando a mãe, depois que não tinha mais um marido em casa, necessitava resolver assuntos fora de casa.

Há também outras mulheres importantes na vida de Raimunda, como Agustina, vizinha de sua tia e que cuidou dela até a sua morte. Mesmo não encontrando Irene na sua casa, a tia falava para Agustina que Irene também estava cuidando dela, mas decidiu acreditar que se tratava realmente de um fantasma, não questionando a saúde mental da tia de Raimunda ou a possibilidade de Irene ainda estar viva. Outras personagens que compõem a trama são as duas vizinhas de Raimunda que davam auxílio nas horas em que ela precisava, como ajudando no restaurante de um amigo que o deixou aos seus cuidados enquanto viajava. Uma delas trabalhava com prostituição, mas este fato não resultava em preconceitos por parte das outras mulheres.

Mesmo assim, há algumas situações conflituosas entre as personagens femininas. Vê-se o exemplo de Irene que assassinou a amante do seu marido junto com ele. Também há o caso de Agustina, que não tem uma relação harmoniosa com sua própria irmã. É curioso notar que tanto a amante quanto a irmã de Agustina só são citadas no filme, não sendo personagens propriamente ditas na trama. Desta forma, as cenas de solidariedade entre as mulheres prevaleceram. Há, também, um conflito que ocorreu no passado entre Raimunda e Irene antes do incêndio, na época em que o pai de Raimunda a engravidou, deixando-a com raiva de sua mãe por não ter tomado uma atitude contra ele. O que se mostra explicitamente no filme é a saudade que Raimunda tem de Irene enquanto pensava que estava morta e a retratação quando se encontraram novamente.

A obra se inicia e finaliza com a relação entre a morte encarada individual e socialmente entre as personagens femininas. Não é por acaso que se trata de mulheres, pois Almodóvar conseguiu fazer com que o espectador captasse as construções sociais em torno das personagens em termos de feminilidade, solidariedade e enfrentamento, questionando o tradicionalismo do patriarcado, e pondo em cheque a eficácia dos papeis sociais atribuídos aos dois gêneros em situações em que o homem é visto não como alguém que conseguiu prezar pela harmonia do lar, mas sim que destruiu o que foi construído em cima do convencional.

O resultado foi uma família formada apenas por mulheres. Uma cena emblemática é quando Raimunda, Paula, Sole e Irene estão juntas, no final do filme, observando o lago que estava se secando: o enquadramento captando as quatro personagens juntas transmite a sensação de que a jornada não havia terminado. Afinal, não se trata de uma história com uma trama a ser finalizada, mas sim de que os desafios foram e poderiam continuar sendo vencidos com a sua união.

PAPÉIS SOCIAIS ENTRE OS GÊNEROS

Refletir sobre a família como um conjunto de indivíduos e ater-se apenas às particularidades de cada sujeito não contribui para uma análise

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