O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo
Por: Lidieisa • 5/6/2018 • 6.935 Palavras (28 Páginas) • 458 Visualizações
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de alternativas. Para isso, é necessário recuperar as energias utó- picas, uma dimensão passional capaz de convencer os cidadãos de que eles podem mudar processos que parecem imutáveis. Somente quando a população da cida- de acreditar que é possível uma substancial alteração do quadro atual, de modo a tornar São Paulo viável do ponto de vista da qualidade de vida do conjunto de seus moradores e do equilíbrio ambiental e urbano, será possível construir esse caminho, que pode parecer utópico, mas que está ao nosso alcance, desde que se criem consensos sobre alguns aspectos fundamentais da vida da cidade e que se articule o poder público, autônomo dos interesses particulares, para coordenar esse processo transformador. Se fosse simples e fácil, não seria uma utopia.
Neste artigo, busca-se abrir um debate sobre alternativas para o desenvol- vimento urbano de São Paulo. Ele somente pode ser construído mediante um
processo de planejamento participativo, onde o poder público tem um papel fundamental, mas que exige o engajamento da sociedade. Não é fácil enfrentar um modelo urbanístico e um modo de vida que sustentam interesses econômi- cos sólidos; apenas se a sociedade tomar consciência de que eles são insustentá- veis, ele poderá ser revertido.
A metrópole que temos
É evidente que São Paulo, assim como as outras metrópoles brasileiras, não pode continuar crescendo a partir do modelo urbano que hoje vigora. A cidade, no início do século XXI, caminha para o caos, e somente com a alteração desse modelo poder-se-á ter esperança de um futuro melhor.
A desigualdade urbana, funcional e social se aprofunda, gerando uma ci- dade partida e segregada. A mancha urbana se expande horizontalmente des- truindo as áreas de proteção ambiental e gerando, por um lado, assentamentos precários distantes e carentes de infraestrutura, e, por outro, condomínios fecha- dos de média e alta rendas, acessíveis apenas por meio de automóvel. A migração diminuiu e a população cresceu pouco a partir de 1990 (cerca de 0,7% ao ano no município de São Paulo, e 1,65% na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) nos últimos vinte anos), mas de uma forma muito desigual: as áreas mais bem urbanizadas perderam população, enquanto as regiões mais distantes, as áreas de interesse ambiental e os municípios mais pobres da Região Metropolitana continuam com crescimento elevado.
A expansão física é ainda mais grave. O espraiamento horizontal da RMSP tende a criar uma megametrópole quase inteiramente ocupada, reduzindo os espaços verdes ainda não urbanizados entre a região de Campinas, a Baixada Santista, a conurbação de São José dos Campos e a de Sorocaba. O modelo de condomínios fechados de baixa densidade se expande exatamente nessa região, tendendo a eliminar um cinturão verde que ainda existe no entorno da massa urbanizada. O processo colaborará para o aquecimento global, para alterar o comportamento hídrico, com sérias consequências no abastecimento de água e no agravamento das enchentes, além de aprofundar o modo de vida baseado no automóvel individual, única forma de acessar esses assentamentos. Esse modelo de urbanismo é incompatível com o transporte coletivo.
Os 53 distritos do município de São Paulo mais bem urbanizados e do- tados de equipamentos e empregos perderam moradores, incluindo os bairros fortemente verticalizados. Áreas dotadas de infraestrutura e oportunidades, que vivem com o trânsito congestionado, se esvaziam de moradores; equipamentos já instalados, como escolas e postos de saúde, passam a apresentar ociosidade, enquanto o poder público é forçado a construir equipamentos nos bairros dis- tantes que se adensam. Escolas fechadas nas áreas mais consolidadas e “escolas de lata” nas periféricas distantes são a imagem desse fenômeno.
A desigualdade territorial tem graves consequências para a mobilidade ur- bana. No distrito da República, existem mais de seiscentos empregos para cada
cem moradores, índice que na Cidade Tiradentes, no extremo da Zona Leste, cai para oito. O deslocamento pendular dos bairros-dormitório para o centro expandido gera a superlotação do sistema viário e de transporte coletivo. Nessas viagens, há quem enfrente terríveis seis horas diárias em coletivos, perdendo, literalmente, um terço de sua vida útil no deslocamento.
A prioridade para o automóvel, que marcou a visão de progresso do sécu- lo XX, marcada pela implantação de vias expressas e complexos viários, agrava esse problema, pois o sistema viário não comporta os quase sete milhões de veículos cadastrados na RMSP. O trânsito virou o pesadelo dos paulistanos, ape- sar de a prioridade nos investimentos públicos ter se dirigido para a ampliação do viário em detrimento do transporte coletivo. Não por acaso, o único pla- no integralmente implantado em São Paulo foi o tristemente famoso Plano de Avenidas, uma proposta de abertura de avenidas radiais e anéis perimetrais que orientou, dos anos 1930 ao final dos anos 1960, as insuficientes obras públicas na cidade.
Edifícios obsoletos, vazios ou subutilizados povoam o centro antigo, aban- donado pela elite, onde mais de 18% dos domicílios estavam vagos em 2000. Numa outra paisagem, uma grande quantidade de galpões permanece sem uti- lização ao longo das orlas ferroviárias, área com grande potencial de transporte coletivo de massa, onde empreendimentos imobiliários começam a ser implan- tados desvinculados de uma estratégia urbana.
Enchentes são agravadas pela impermeabilização do solo, gerada tanto pela prática oficial, que vigora desde os anos 1930, de implantar avenidas e vias expressas nos fundos de vale, como pela ocupação irregular do solo. A tolerância ou incapacidade de coibir usos e ocupações irregulares marca um desrespeito às normas urbanísticas e ambientais.
Por falta de política e planejamento habitacional, mais de dois milhões de pessoas habitam irregularmente as regiões de proteção ambiental. Recente levantamento realizado pelo IPT mostrou que existem cerca de 110 mil mora- dias em áreas de risco, a maioria ocupando faixas de saneamento de córregos e encostas íngremes, ou seja, Áreas de Proteção Permanentes, segundo a definição do Código Florestal. Nas três últimas décadas, a população moradora em favelas cresceu em índices muitos superiores aos da população em geral.
Degradação do meio ambiente, desertificação do espaço público e despre- zo pela memória urbana e social marcam uma cidade com identidade ameaçada. Calçadas estreitas,
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