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ABERTURA E REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA NOS ANOS 1980

Por:   •  19/5/2018  •  4.257 Palavras (18 Páginas)  •  298 Visualizações

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Destarte, a crise contemporânea do capital se apresentou tardiamente no Brasil, isto devido àquela relação orgânica, embora assimétrica (porque desigual e combinada), entre centro e periferia do sistema. Caio Prado Júnior (2004) já previa que o Brasil sofreria duramente por ter optado por uma política econômica oportunista, pautada no afluxo de recursos externos, criando um endividamento crescente e o conseqüente déficit no balanço de pagamentos. Segundo o autor, o que o Brasil logrou dessa aventura dos anos 1960 e 1970, apesar do razoável ganho no crescimento industrial, foi uma indústria de bens de consumo durável sem infra-estrutura apreciável e dependente do fornecimento de insumos externos. Vemos, assim, que as expressões emblemáticas da crise na forma em que ela se apresenta no Brasil aparecem no crescimento da dívida externa (um dos resultados seja da política deliberada de endividamento seja da alta dos juros em âmbito internacional) e na alta dos preços do petróleo que, ao somarem-se e desequilibrarem a balança de pagamentos, postulam o aumento da inflação e da dívida interna.

Entretanto, o final dos anos 1970 e início dos 1980 era também para o Brasil o período de efervescência de uma crise política que trazia à baila novamente a pressão das massas populares, em particular da classe operária que, a partir do movimento sindical (ou do novo sindicalismo, como ficou conhecido no Brasil), aparece como protagonista do processo de redemocratização que movimenta o país. É por esta particularidade que no Brasil não é possível a gestação do programa de ajuste neoliberal nos anos 1980: porque acompanhou este deslocamento da atividade econômica a ampliação da organização e movimentação popular, especialmente através da nova estrutura sindical que é resultado do próprio desenvolvimento da industrialização pesada.

Por aqui ressurgem e se desenvolvem as organizações dos trabalhadores e suas lutas. No campo, articula-se a CPT (Central Pastoral da Terra) e os sindicatos rurais. Ao mesmo tempo, surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST – em 1985).

Nas cidades, surgem os sindicatos de “colarinho branco” e o “novo movimento sindical”, cujo eixo era a indústria automobilística que deu origem, entre 1978 e 1979, às grandes greves do ABC paulista, de onde surgiu, como sabemos, o Lula. A nova sede de democratização se faz a partir de uma ampla mobilização popular por todo o país. Havia nascido o PT (Partido dos Trabalhadores – em 1980) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores – em 1983) e foram estas organizações que inicialmente encamparam uma das maiores expressões dos anseios, sonhos e projetos populares do período, que foi a luta em torno das eleições diretas, a conhecida campanha “Diretas Já”, de 1984.

Este movimento mobilizou amplas camadas democráticas e populares do país no afã de finalmente ver ruir a ditadura militar e traçar o cenário de uma organização societária com suporte popular e de classe, para de uma vez enfrentar as abissais desigualdades sociais brasileiras e a rigidez e o conservantismo político-cultural que sempre entravaram a participação das classes trabalhadoras nos processos e decisões sobre o destino do país.

Mota (1995) sustenta que a década de 1980 deve ser considerada como um período em que convivem traços de continuidade e de saturação do modelo que vinha de 1964:

Podemos dizer que, em nível da economia, foi uma década que congelou algumas situações deflagradas desde os finais dos anos 70. Daí ser considerada por muitos como a década perdida, em função das baixas taxas de crescimento do PIB, da compressão dos salários e do aumento da concentração da riqueza. Ao mesmo tempo, metabolizou um novo processo político, cujo principal protagonista foi a ação organizada de expressivos setores da sociedade civil, rompendo as bases de sustentação da ditadura militar e resultando, assim, no restabelecimento do Estado democrático (p. 62).

Mais uma vez, contudo, as forças mais progressistas foram derrotadas no movimento das “Diretas Já” e o saldo foi uma eleição indireta a partir do suporte institucional de um Colégio Eleitoral. Behring (2003), tomando como base Fernandes, recorda que o movimento das “Diretas”

revelou uma radiografia da sociedade brasileira assustadora para as tradições culturais das elites, mostrando uma inquietação social mais forte que em 64, a qual anunciava um período histórico de ritmos fortes e ricos. O Colégio Eleitoral foi a saída institucional para assegurar o controle conservador da redemocratização, numa espécie de contra-revolução, se é observado o aspecto no qual as elites no Brasil sempre tiveram uma profunda unidade política: conter a emancipação dos trabalhadores (p. 139).

Em Fernandes (1976) o projeto de abertura aparece como significando o caminho de uma “democracia restrita típica, que se poderia designar como uma democracia de cooptação” (p. 358-359), resultado último de um período de “paraíso burguês” que existiu no Brasil no pós-64. Mas, para Coutinho (2005) esta é uma visão restrita. Ele assegura:

Embora [Florestan Fernandes] denunciasse com lucidez os limites “transformistas” do projeto de “abertura”, [...] parece ter subestimado [...] o fato de que tal projeto foi atravessado e contraditado por um processo de abertura, isto é, por um movimento social objetivo que resultou da ativação da sociedade civil, em particular dos segmentos ligados às classes trabalhadoras. O “processo” de abertura, atuando de baixo para cima, abriu e conquistou espaços que nem de longe estavam previstos no “projeto” geiseliano-golberiano, que previa apenas uma reforma da autocracia “pelo alto”, com a conservação de suas características essenciais (p. 259).

Do que foi dito, por ora importa reter que a transição para o período democrático se faz sem grandes rupturas com o passado, ainda que deixando um saldo de cultura democrática, através daquele processo de abertura de que nos falou Coutinho (2005), impossível de ser desprezado em qualquer análise. Ocorre a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e, logo em seguida, sua morte, até hoje cercada de uma aura de mistério. Assume o governo José Sarney: um filhote da antiga Arena, partido oficial dos governos militares. Entra em cena a Nova República, dessa forma vacilante, cheia de contornos advindos da ditadura, mas prenhe de possibilidades de disrupção.

O Governo Sarney, quando assume, tem que se defrontar com a crise sócio-econômica brasileira, que pululava. Na verdade, era uma realidade continental, já que toda a América Latina viveu o estrangulamento

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