OS ARTIGOS FEDERALISTAS
Por: Sara • 23/8/2018 • 8.024 Palavras (33 Páginas) • 325 Visualizações
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Madison propôs que, ao invés da soberania absoluta que cada um dos Estados possuía sob os Artigos da Confederação, que os Estados retivessem uma “soberania residual” em todas aquelas áreas nas quais não fosse necessária a intervenção federal. O próprio processo de ratificação da Constituição, argumentava Madison, simbolizava o conceito de federalismo, ao invés de nacionalismo. Ele disse:
Esta ratificação será realizada pelas pessoas, não como indivíduos compondo uma nação inteira, mas compondo Estados distintos e individuais aos quais os indivíduos respectivamente pertencem. O ato, portanto, de estabelecer a Constituição, não será um ato nacional, e sim federal.
Hamilton sugeriu o que ele chamava de “concorrência” de poderes entre os governos estadual e nacional. Mas sua analogia com os planetas girando em torno do sol, mantendo, contudo, seu status, colocou uma ênfase maior na autoridade central. Hamilton e Jay (também de Nova Iorque) citaram exemplos de alianças na Grécia antiga e na Europa contemporânea, as quais invariavelmente dissolveram-se em tempos de crise. Para os autores de Os artigos federalistas, independente de suas diferenças, a “lição” era clara: sobreviver como uma nação respeitável requeria a transferência de uma parte do poder, pequena mas importante, para o governo central. Eles acreditavam que isto poderia ser feito sem destruir a identidade ou autonomia dos Estados separadamente.
Freios e contrapesos
Os artigos federalistas também forneceram a primeira menção específica que temos na literatura política sobre a idéia de freios e contrapesos como uma maneira de restringir o poder governamental e prevenir o uso abusivo do mesmo. As palavras são usadas principalmente quando se referem à legislatura bicameral, que tanto Hamilton quanto Madison acreditam ser o “braço” mais forte do governo. Como concebido originalmente, a popular e presumivelmente impetuosa Câmara dos Representantes, com seus membros eleitos, seria freada por um Senado mais conservador, com seus membros escolhidos pelas legislaturas estaduais (a 17ª Emenda, de 1913, mudou as regras ao estabelecer eleições populares para os senadores). Em uma ocasião, entretanto, Madison argumentou que “um poder deve cuidar de outro poder” e Hamilton observou que “uma assembléia democrática deve ser controlada por um Senado democrático, e ambos por um magistrado”.
Em seu artigo mais brilhante (número 78), Hamilton defendeu o direito da Suprema Corte em magistrar sobre a constitucionalidade das leis criadas tanto pelos legislativos estaduais, quanto pelo legislativo nacional. Este poder de “revisão judicial”, ele argumentou, era um freio apropriado ao poder legislativo, onde havia maior possibilidade de que “o sopro pestilento das facções pudesse envenenar as fontes da justiça”. Hamilton explicitamente rejeitou o sistema britânico de permitir que o parlamento, por voto de maioria, derrube qualquer decisão da Suprema Corte com a qual não concorde. Ao invés disso, “as cortes de justiça devem ser consideradas como bastiões de uma Constituição limitada contra usurpações legislativas”. Apenas o difícil processo de emendar a Constituição, ou a transformação gradual dos membros do judiciário em outro ponto de vista, poderia reverter a interpretação da Suprema Corte em relação à Constituição.
Natureza humana, governo e direitos individuais
Por trás da noção de freios e contrapesos, há uma visão profundamente realista da natureza humana. Enquanto Madison e Hamilton acreditavam que o homem, em seu melhor ponto, era capaz de agir racionalmente, autodisciplinando-se e de maneira regular, eles também reconheciam sua suscetibilidade a paixões, intolerância e ganância. Em uma passagem famosa, após discutir quais medidas eram necessárias para preservar a liberdade, Madison escreveu:
Pode ser um reflexo da natureza humana que tais mecanismos deveriam ser necessários para controlar os abusos do governo. Mas o que é um governo, senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de governo. Se os anjos governassem, não seriam necessários controles internos e externos. Em um governo que será administrado por homens sobre outros homens, a maior dificuldade é esta: você deve primeiro permitir ao governo que controle os governados; e em seguida obrigar o governo a se controlar.
No artigo mais original e importante de Os artigos federalistas (número 10), Madison falou sobre este duplo desafio. Seu assunto principal era a necessidade “de quebrar e controlar a violência das facções”, ou seja, de partidos políticos, os quais ele considerava como o maior perigo ao governo popular: “certo número de cidadãos, unidos e movidos por algum impulso comum, de paixão ou de interesse, adverso aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e coletivos da comunidade”. Essas paixões ou interesses que põem em perigo os direitos dos outros podem ser religiosos, políticos ou, mais freqüentemente, econômicos. As facções podem dividir-se em ricos e pobres, credores e devedores, ou de acordo com os tipos de propriedade possuídos. Madison escreveu:
Um interesse fundiário, um interesse mercantil, um interesse pecuniário, ao lado de muitos interesses menores, surgem necessariamente nas nações civilizadas e as dividem em diferentes classes, movidas por diferentes atitudes e concepções. A regulação desses interesses diversos e concorrentes constitui a principal tarefa da legislação moderna.
Como, então, podem pessoas livres e racionais mediar tantos clamores competindo entre si, ou ainda as facções que derivam destes clamores? Uma forma razoável de governo deve ser capaz de prevenir qualquer facção, seja ela majoritária ou minoritária, de impor suas vontades sobre o bem geral. Uma defesa contra facções, Madison diz, é a forma republicana – ou representativa – de governo, que tende a “redefinir e ampliar a visão pública através de um corpo escolhido pelos cidadãos”, que devem ser homens educados e de bom caráter. Como representantes eleitos estão um pouco longe dos “sentimentos da massa”, eles provavelmente também terão uma visão mais ampliada e mais sábia dos acontecimentos.
Mas, ainda mais importante, segundo Madison, foi aumentar a base geográfica e popular da república, como aconteceria sob o governo nacional proposto pela nova Constituição. Ele escreveu: “Como cada representante será escolhido por um grande número de cidadãos, será mais difícil para candidatos sem valor praticar, com sucesso,
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