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RESENHA LIVRO PENA E GARANTIAS - SALO DE CARVALHO

Por:   •  7/10/2018  •  19.274 Palavras (78 Páginas)  •  373 Visualizações

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A inquisitio se dividia em duas fases: inquisitio generalis – que visava descobrir o que havia acontecido no lapso temporal entre a visita anterior e aquela, inteirando-se de todo o ocorrido; caso algum fato merecesse atenção era promovida uma Inquisitio specialis – que visava descobrir o autor e a natureza do ato. Assim nasceu o processo inquisitório, baseado na detenção do acusado, na sua utilização como fonte de prova e acompanhada pela tortura. Com a Bula de Inocêncio IV institucionaliza-se a arte da tortura como mecanismo de prova, que permanecerá por cinco séculos. Logo, não é difícil perceber que a estrutura inquisitorial originou-se no seio da Igreja Católica, a fim de evitar o desenvolvimento de “doutrinas heréticas”.

Se ganha funcionalidade com a popularização de doutrinas pagãs e do calvinismo e luteranismo, maximizando a persecução daqueles que contrariavam o modus vivendi católico, politicamente o incremento da máquina inquisitorial, juridicamente o modelo inquisitorial estrutura uma nova economia de poder cujas manifestações são presentes até os dias atuais, sobretudo por ser um sistema fundado pela busca de uma ‘verdade real’. A ausência de freios à investigação da verdade (real) gera uma verdadeira obsessão do inquisidor; daí ser natural, nessa perspectiva, a utilização do saber do próprio acusado como fonte de informação.

Na construção deste modelo processual persecutório de investigação e busca (conquista) da verdade juridicamente válida, sua proliferação em dimensões extraordinárias, muito em decorrência de uma característica trans-histórica e de sua alta funcionalidade para manutenção/legitimação de máquinas judiciárias autoritárias fundadas no signo do defensivismo.

Quando ocorreu a aproximação do Estado moderno com a Igreja (esta fornecendo legitimidade ao poder do soberano e aquele, a utilização dos quadros burocráticos e administrativos) consolidou-se um modelo de eliminação de alteridade pela submissão, com forte atuação de intolerância.

Segundo Ferrajoli, a epistemologia inquisitiva conta com duas características: uma concepção ontológica de delito (na qual não haveria uma análise sobre o fato, com base na lei penal válida, mas recairia sobre à personalidade da pessoa classificada como perversa, perigosa, herética) e um decisionismo processual (abdicação de cognição, efeito da falta de critérios objetivos, ou seja, uma subjetivação dos fatos, dirigindo o processo não através da comprovação de fatos objetivos, mas da análise da interioridade da pessoa julgada). “o que distingue a forma acusatória da inquisitiva é que, na primeira, as funções de acusar, defender e julgar estão atribuídas a três órgãos diferentes (acusador, defensor e juiz), sendo que no segundo modelo as três funções estão confiadas a um mesmo órgão”.

O processo de secularização e a invenção da tolerância

O processo de conhecimento, fruto da experiência do Novo Mundo, corrompe as sólidas bases nas quais a estrutura do poder estava alicerçada. O momento das descobertas foi também o momento das rupturas. Através das revoluções, da ciência e das invenções técnicas, do descentramento do homem (tese heliocêntrica), deu-se a “libertação do indivíduo”.

Na redescoberta do homem como medida de todas as coisas, com o ingresso do ‘Novo Mundo’ no cenário histórico, e com a visualização de um novo estado de coisas no qual liberdade e igualdade se opõem à servidão, o impulso da laicização das ciências torna o processo secularizador inevitável. Da exclusão do diverso nasce a ideia de tolerância, da barbárie inquisitiva afloram teorias civilizatórias. Surge o racionalismo, e a capacidade crítica do homem é revelada.

Dessa forma, há de se perceber que as mudanças no pensamento político do século XVI ocasionariam mudanças também na própria teoria do estado. Seria impossível à ordem permanecer sustentando um poder repressivo e intolerante. A postura de direito e processo penal que mais se aproxima da postura garantista é a formulada por Locke em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Trata-se de uma ideia de contrato social fundada em um estado de natureza não caótico, mas de um estado de igualdade plena. “A razão ensinaria aos homens que nenhum deles deve prejudicar a vida, a saúde, a liberdade ou as posses de outrem. É um estado ideal de seres racionais comandados pela lei natural sem o auxílio ou tutela das leis civis”.

O poder de execução de sanções não seria absoluto nem arbitrário, mas restringido pelos ditames da razão calma e da sã consciência.

Ao renunciar as próprias razões, e na constituição do Estado civil, exsurge o pensamento iluminista consagrado no consenso, sepultando o velho paradigma do medievo. Essa perspectiva contratualista serve de base ao pensamento garantista.

A passagem do estado de natureza para o estado civil representaria a transferência do poder privado ao poder público, designando a saída da barbárie e a opção pela civilidade, visto que o gozo incontrolado dos direitos e privilégios da lei da natureza acabaria por lesar os direitos do outro.

O indivíduo, ao pactuar, não aliena todos os seus direitos, mas mantém uma esfera de liberdade na qual a interferência do Estado é ilegítima: a esfera da liberdade de pensamento e consciência. Estas, não estão entre os bens disponíveis ao indivíduo pactuar, visto serem anteriores e não suscetíveis de pacto, pois são seu pressuposto. Nesse sentido, o Estado não pode impedir ninguém de nutrir, por exemplo, pensamentos de homicídio. As intenções e vontades não serão consideradas senão como explicativas da natureza e do significado do fato ilícito. Assim nasce a ideia de tolerância, identificada com a secularização.

A estrutura jurídico-penal

A aproximação entre o Estado moderno e a Igreja, consolida um modelo jurídico-político no qual a intolerância – modelo de eliminação da alteridade pela submissão do outro ao um’ – é uma das principais características.

A estrutura totalitária do modelo penal inquisitivo possibilita a conformação de um paradigma verificável em inúmeros modelos de direito e processo penal: dos esquemas pré-modernos da Inquisição às modernas teorias da prevenção especial, ou da defesa social, ou do tipo normativo de autor, nas suas múltiplas variantes eticistas, antropológicas, decisionistas, eficientistas.

Segundo Ferrajoli, a identificação de elementos assimétricos ao da epistemologia

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