O Recurso Inominado
Por: Lidieisa • 11/3/2018 • 6.616 Palavras (27 Páginas) • 407 Visualizações
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Dessa forma, indubitável que no presente caso ocorreu defeito na prestação do serviço por parte da Recorrente, em desrespeito aos princípios da transparência e boa fé objetiva, afrontando a dignidade do consumidor hipossuficiente.
Saliente-se que, em se tratando de relação de consumo, deve ser reconhecida a inversão do ônus da prova ope legis, prevista no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, abaixo transcrito.
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
(...)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
Sendo assim, a inversão do ônus ope legis é norma de ordem pública e, portanto, pode e deve ser observada a qualquer tempo, inclusive em sede recursal, razão pela qual cabe à Recorrida demonstrar que o ato ilícito gerador do dano não ocorreu.
Sendo assim, equivocado o entendimento esposado na R. Sentença, pois esta se embasou única e exclusivamente no fato de a Autora não ter comprovado que tenha efetuado alguma reclamação administrativa perante a ré.
Dessa forma, certo que a Recorrida não logrou êxito em demonstrar não ter praticado qualquer ilícito. Muito embora tenha trazido aos autos argumentos para sua defesa, certo que estes visaram tão somente a ludibriar o douto juízo de que não possui qualquer responsabilidade em relação ao produto uma vez que é mero comerciante. Infelizmente, o douto juízo sentenciante acabou por entender válidos os argumentos e documentos apresentados pela Recorrida, os quais, são facilmente desconstituídos, como será demonstrado a seguir.
No que tange à inexistência de qualquer comprovação de que a Recorrente tenha efetuado qualquer reclamação administrativa perante a Recorrida – tal fundamento cai por terra diante do documento de entrega do produto após ser efetuada sua troca agora anexado, que comprovam cabalmente que a Recorrente entrou em contato com a Recorrida reclamando do defeito no produto adquirido.
Todavia, insta esclarecer que tal documento não foi indicado na narração da inicial, uma vez que no momento em que a Recorrente ajuizou a presente demanda, a Recorrida ainda não havia realizado a devolução do produto, assim a Recorrente só tomou posse do referido documento durante o decorrer do processo.
Nesse diapasão, há de se observar que a Recorrente é pessoa leiga, hipossuficiente, tendo recorrido ao 1º atendimento, e apresentado toda a documentação referente ao caso, momento em que foi selecionado pelos funcionários quais os documentos que deveriam constar dos autos, e o restante foi devolvido à Recorrente. Assim, também não tinha conhecimento de que poderia juntá-los aos autos em sede de audiência, acreditando que se fossem necessários e relevantes, estes lhe seriam pedidos no momento oportuno, o que não ocorreu, motivo pelo qual confiou que não eram essenciais para a solução da lide.
É cediço que não se pode alegar desconhecimento da lei como excludente de responsabilidade; assim, não é possível sustentar tal desconhecimento para justificar a falta de determinada conduta. Todavia, no caso em tela, percebe-se que a conduta “ausente” se refere a trâmites processuais, os quais as pessoas desconhecem, e há de se convir que ninguém deixaria de apresentar provas que corroborem seu direito, a menos que lhe fosse informado que estas não eram necessárias, como aconteceu no presente caso, motivo pelo qual não pode a Recorrente ser prejudicada por informação a ela dada.
Além disso, se o Juizado Especial Cível foi criado com a intenção de facilitar o acesso à justiça, permitindo que as pessoas ingressem com demandas de valores reduzidos sem o acompanhamento de advogado, deve-se haver certa flexibilidade em relação aos atos a serem praticados por aqueles que escolhem essa via. Não se pretende acabar com a teoria do ônus da prova, mas há de se aplicar a teoria dinâmica do ônus da prova, decorrente de uma doutrina mais vanguardista, em que diferente da especificada no artigo 333 do Código de Processo Civil, o ônus cabe àquele que tem melhores condições de fazê-lo. E, principalmente, em uma relação de consumo, seria mais fácil à empresa provar que não houve qualquer falha em seu serviço, principalmente pelo fato de que a Recorrente entrou em contato com a Recorrida, e esta nada fez para efetivamente solucionar o problema apresentado.
Ademais, o núcleo da insatisfação da Recorrente, que a fez procurar pelo Judiciário, foi o fato de ter comprado um conjunto de sofá em junho de 2014, e o mesmo chegar a residência da Recorrente com defeitos e, mesmo após o reparo do produto, o mesmo foi devolvido à Recorrente com novos defeitos. Assim, certo que não está conforme as regras de experiência comum, utilizando as mesmas palavras do douto julgador, que um bem de consumo como um sofá, considerado durável, esteja em estado tão deplorável como o apresentado pela Recorrente.
Ora, não é razoável que um sofá, qualquer que seja o material utilizado para a sua fabricação, já venha de fábrica com inúmeros defeitos, uma vez que se trata de bem durável, sendo esperado um tempo longo de vida útil do produto. Certamente, nenhum consumidor irá comprar um sofá, e no caso da Recorrente, despendendo R$ 1.095,10 (mil e noventa e cinco reais e dez centavos) para tanto, esperando que este já seja comercializado todo danificado, tendo assim uma vida útil muito inferior ao esperado pelo consumidor.
Observe-se que esta é a orientação da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Contrato de Compra e Venda/Defeito do produto. Alegação do Autor de que em 18/12/2010 comprou um conjunto de sofá na loja da 1ª Ré (Casas Bahia), com garantia estendida contratada junto ao 2º Réu (Itaú Seguros). Afirma que passados 05 meses o produto apresentou desgaste incompatível com o tempo de uso, bem como a fazer muito barulho em sua armação, culminando com a quebra de um dos braços do móvel. Sustenta que fez inúmeros contatos com a 1ª Ré (Casas Bahia), mas não obteve solução para o problema. Pleiteia a troca do produto ou a devolução do dinheiro, em dobro, e indenização de dano
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