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O CASO HAKANI E A UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: limites e possibilidades do(s) discurso(s) ético-humanista(s)

Por:   •  20/11/2018  •  3.848 Palavras (16 Páginas)  •  268 Visualizações

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A terceira causa do infanticídio estaria ligada ao sexismo, e é praticada entre os Suruwaha, atingindo em sua grande maioria as crianças do sexo feminino, haja vista que as meninas são rejeitadas em comunidades patriarcais, patrilineares e patrilocais, que desvalorizam o gênero feminino. Do lado oposto, muito valorizam o sexo masculino, por seu maior potencial para o trabalho de pesca e caça, em virtude da força física.

Não é possível deixar de apontar, também, o nascimento de crianças gestadas por mulheres solteiras ou como fruto de relações ilegítimas: para algumas tribos indígenas não é admissível a permanência da criança na comunidade, principalmente se for do sexo feminino, pois seria imprescindível para sua criação a presença do pai e da mãe. Quando há o nascimento de um bebê do sexo masculino, ele poderá até ser aceito pela comunidade sob o argumento de ser útil em razão do sexo (na realização de trabalhos de caça e pesca), mesmo sem ter reconhecimento paterno, porém terá status social inferior aos demais membros da tribo, não desfrutando de iguais direitos ou respeito dentro da comunidade. Nas culturas indígenas, cabe ao pai, principalmente, a responsabilidade social pela transformação pública do filho de “corpo aberto” em um parente de “corpo fechado”, ou seja, a transformação em um ser social. Um filho sem pai é o pior insulto possível nessas comunidades, e um motivo plenamente aceitável para o infanticídio (HOLANDA, apud SOUZA E SILVA, 2013).

Vários relatos dão conta de que quando uma criança nasce segundo as situações citadas, a comunidade indígena obriga a família a tirar-lhe a vida se não houver consenso entre os membros da tribo para sua permanência na comunidade. Tal prática traz um sofrimento tão elevado para a mãe, o pai e a família, que muitos acabam não sendo capazes de tirar a vida da criança e se suicidam (SOUZA E SILVA, 2013), como no caso de Hakani.

O infanticídio é historicamente uma das maiores causas de mortalidade em diversas tribos indígenas que habitam o Brasil, sendo inclusive, em alguns casos, o grande responsável pela rápida diminuição da população dessas tribos na atualidade, e não é um fato isolado, sequer residindo em um passado distante. É uma experiência atual e “demanda, em si, uma avaliação antropológica isenta de partidarismo ou remorsos, que venha a observar este fato e suas implicações sociais para aqueles que o experimentam bem como os que o observam” (LIDÓRIO, 2012).

É notória a existência, desde os primórdios da existência do homem, da divisão da população em comunidades, e que nelas são estabelecidas regras de moral e valor que acabam por formar a cultura daquele povo, sendo passadas de geração para geração. O que pode ser considerado delito em uma cultura, em outra pode ser visto como uma prática cultural, o que é considerado delito hoje, não o era no passado, a exemplo do infanticídio indígena.

Na visão antropológica, o infanticídio indígena não pode ser considerado um crime, visto o significado de vida existente nas comunidades indígenas, que soa diferentemente das demais culturas.

Apesar da instituição de determinada cultura ter sua origem nos primeiros membros da comunidade, esta possui um caráter dinâmico, e está sujeita a mudanças, em acordo com a evolução da sociedade. Essas transformações advêm de uma ordem interna, ocorrida no seio da própria comunidade, ou externa, decorrente do contato com outras culturas (LARAIA apud DOS REIS, 2011).

A grande questão que se impõe no caso Hakani e em outros análogos, está relacionada ao desenvolvimento, nas últimas décadas, como parte do desenvolvimento histórico das sociedades contemporâneas, dos conceitos universais de Direitos Humanos, que permeiam as culturas contemporâneas, principalmente ocidentais, e onde se insere a cultura brasileira.

Os conceitos universais de Direitos Humanos começam a se moldar a partir de 1948, face as atrocidades cometidas na 2° Guerra Mundial, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, composta pelos países vencedores do conflito, e que aprovou o projeto da Declaração Universal de Direitos Humanos, elaborada pela Comissão de Direitos Humanos. Esse documento teve sua formatação estabelecida com forte prevalência da cultura ocidental. Mesmo tendo sido aprovada por unanimidade, alguns países se abstiveram da votação: países comunistas (União Soviética, Ucrânia e Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iuguslávia), Arábia Saudita e África do Sul (COMPARATO, 2013).

Os Direitos Humanos surgiram, então, como direitos inerentes à vida, à segurança individual, aos bens que preservam a humanidade, e que possuem existência real e aplicabilidade a partir do seu reconhecimento pelo poder legislativo do país.

Por sua vez, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, relacionado ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, referidos ambos como Pactos de Direitos Humanos, aprovados pela ONU, em 1966, em seu artigo 27 afirma que “Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua”. Assim, universalidade de direitos e a particularidade cultural devem ser valorizados simultaneamente, embora se reconheça, nas comunidades internacionalizadas, uma relação hierárquica entre direitos universais e aqueles reconhecidos apenas pela população local.

Para COMPARATO (apud ÁVILA, 2012), “...É reconhecimento universal de que (...) – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais”.

Considerando-se esse viés, em 2001, foi criada pela ONU a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, onde se estabeleceram vários princípios, dentre os quais os mais importantes são: Diversidade de cultura (um património comum da Humanidade) e os direitos humanos como garantias da diversidade cultural.

O Brasil, como signatário de diversos tratados internacionais e também das Declarações da ONU, se compromete formal e internacionalmente a aplicar os termos neles estabelecidos, e a primeira Constituição a garantir os direitos culturais foi a de 1988.

O que chama atenção na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural é o artigo 4º, que enfatiza o compromisso de se ter a diversidade cultural concomitantemente com os direitos humanos: a defesa da diversidade cultural é, então, um imperativo ético, indissociável

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