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Fichamento Direito Civil Obrigações

Por:   •  25/4/2018  •  2.019 Palavras (9 Páginas)  •  321 Visualizações

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Esta possibilidade de a valorização das circunstâncias concretas servir de fundamento a conclusões opostas, exatamente porque não predeterminado um parâmetro em função do qual devam ser avaliadas, pode ser ilustrada examinando-se os fundamentos decisórios do seguinte acórdão:

Apelação Cível n9 591028295 - Canguçu

Contrato. Tratativas. Culpa in contrahendo. Responsabilidade civil. Responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua conveniência, não mais industria- lizá-lo, naquele ano, assim causando prejuízo ao agricultor, que sofre a frustração da expectativa de venda da safra, uma vez que o produto ficou sem possibilidade de colocação. Provimento em parte do apelo, para reduzir a indenização à metade da produção, pois uma parte da colheita foi absorvida por empresa congênere, às instâncias da ré. Voto vencido, julgando improcedente a ação.[3]

O fato que deu origem à controvérsia ocorreu na safra 87/88, quando a empresa industrializadora de tomates CICA deixou de adquirir a colheita do autor, com quem habitualmente mantinha tal relação, tendo este o prejuízo advindo da impossibilidade de vender a produção. [pic 1]

Por ora, quer-se apenas demonstrar que a relevância das circunstâncias concretas não pode, por si, servir de empecilho à predeterminação de deveres fundados na boa-fé contratual porque, do contrário, esta resultaria vazia de conteúdo, prestando-se a toda a sorte de valoração, subjetiva e sem critérios, de tais circunstâncias.

Este acórdão ilustra, portanto, a incerteza gerada pela invocação do princípio da boa-fé como critério aberto de valorização das circunstâncias concretas do caso, que se presta, como vimos, a conclusões reciprocamente excludentes.

A influência das circunstâncias concretas, efetivamente, não pode levar à conclusão — como não leva a citação acima transcrita — de que a boa-fé e a eqüidade são indiscerníveis.

Na verdade, mesmo quando limitada aparentemente a uma função interpretativa, a boa-fé acaba por configurar-se como uma fonte de deveres ou de limitação a direitos subjetivos.

- A boa-fé como norma de criação de deveres jurídicos e de limitação ao exercício de direitos subjetivos

Os deveres jurídicos decorrentes da boa-fé costumam ser referidos sob a rubrica generalista de deveres secundários, laterais, anexos, acessórios ou instrumentais, como tais qualificados os deveres, imputados tanto ao devedor como ao credor, cuja fonte não é a manifestação volitiva.

A concepção da “obrigação como processo”, isto é, como um processo dinâmico de cooperação e lealdade entre as partes, é diretamente associada à incidência do princípio da boa-fé.

O mais típico dever acessório derivado do princípio da boa-fé é o dever de informar: “O dever de informar é classificado como dever anexo.

É precisamente com base na boa-fé objetiva que se justifica, à luz da referida teoria, a criação de vínculo obrigacional resultante de uma radical ob- jetivização da vontade. Trata-se de identificar o suporte fático da vontade, em total desconsideração pelo seu lastro psicológico ou subjetivo.

E de se notar, contudo, que, em outro caso , o Superior Tribunal de Justiça, através do agora Ministro Ruy Rosado de Aguiar, inferiu efeitos um tanto diversos à teoria das relações contratuais de fato, ou atos existenciais, mantendo, porém, a remissão ao princípio da boa-fé como ratio decidendi. Senão vejamos.

AR em AI n2 47.901 - São Paulo

Responsabilidade civil. O estabelecimento bancário que põe à disposição dos seus clientes uma área para estacionamento dos veículos assume o dever, derivado do princípio da boa fé objetiva, de proteger os bens e a pessoa do usuário. O vínculo tem sua fonte na relação contratual de fato assim estabelecida, que serve de fundamento à responsabilidade civil decorrente do descumprimento do dever. Agravo Improvido.

Como se infere da ementa, o caso concreto repete a situação de furto de automóvel estacionado em área de estabelecimento bancário a este fim destinada. Invoca-se uma vez mais a teoria dos atos existenciais.

O dever de reparação configura-se, assim, como resultante de uma responsabilidade que não é posta em termos contratuais, mas como diretamente derivada de um comportamento contrário à boa-fé na medida em que, no caso, são frustradas as legítimas expectativas do autor.[pic 2]

- A boa-fé como dever da pessoa em oposição à autonomia como direito do indivíduo

Esta breve apresentação das teorias formuladas à luz do princípio da boa-fé, recepcionadas — ainda timidamente, é verdade — por nossos tribunais, já é suficiente para demonstrar que a concreção do princípio não costuma ser subsidiada por um enfoque constitucional, prendendo-se, antes, ao arcabouço teórico fornecido exclusivamente pelo direito civil.

A fundamentação constitucional da boa-fé objetiva centra-se na idéia da dignidade da pessoa humana como princípio reorientador das relações patrimoniais. Nossa hipótese é a de que o quadro principiológico previsto constitucionalmente inverte, na medida em que elege a pessoa humana como ápice valorativo do sistema jurídico, a relação de subordinação entre o direito à autonomia privada e o dever de solidariedade contratual, passando o contrato a expressar uma ordem de cooperação em que os deveres se sobrepõem aos direitos; a pessoa solidária, ao indivíduo solitário.

Mesmo aquelas decisões já referidas a propósito das funções e teorias explicativas da boa-fé poderiam ser reexaminadas sob esta nova ótica, concluindo-se pela aplicação do princípio, em todos aqueles casos, como fonte do dever de cooperação das partes entre si vinculadas por uma relação de natureza obrigacional informada pelo princípio vetor da dignidade da pessoa humana, o qual, por sua vez, confere novos contornos, sociais e existenciais, às relações patrimoniais.

- O conteúdo “eticizante” da boa-fé e a função social do intérprete da Constituição

A interpretação do princípio da boa-fé em chave constitucional revela novos parâmetros através dos quais a relação obrigacional, antes fundada deter- minantemente no princípio da autonomia

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